27/06/2017 às 09h14min - Atualizada em 27/06/2017 às 09h14min

Lei anti-homofobia causa guerra de poderes no DF

Banca evangélica da Câmara articula e anula decreto do Executivo que regulamentava punições a quem cometesse atitudes discriminatórias em razão da orientação sexual. GDF recorrerá à Justiça contra a postura dos parlamentares.

Por HELENA MADER-Correio Braziliense

Seis meses depois de derrubar o reajuste das passagens de ônibus, os deputados distritais entraram novamente em rota de colisão com o Executivo. A Câmara Legislativa anulou ontem o decreto que regulamenta a lei anti-homofobia, assinado três dias antes pelo governador Rodrigo Rollemberg. A medida, entretanto, terá o mesmo destino: assim como o decreto legislativo que suspendeu o reajuste dos transportes, a proposta aprovada ontem pelo Legislativo local também será questionada na Justiça. O GDF entrará com uma ação direta de inconstitucionalidade contra o texto. Militantes do movimento LGBT e vários partidos, como o PT e o PSol, manifestaram repúdio ao posicionamento dos distritais articulado pela bancada evangélica.

 

A Lei Distrital nº 2.615/2000, regulamentada na última sexta-feira pelo governador, foi aprovada pela Câmara Legislativa há 17 anos e é de autoria do próprio Rollemberg e de Maria José Maninha, à época, deputados distritais (leia Memória). A lei previa punição a pessoas e estabelecimentos comerciais por atitudes discriminatórias em virtude da orientação sexual. As sanções eram: advertência, multa de até R$ 10,6 mil, suspensão temporária do alvará e até cassação da autorização de funcionamento de estabelecimentos coniventes com atitudes desse tipo. A normatização também se aplicava a órgãos do GDF. Agentes públicos que cometessem a infração estariam sujeitos a penas disciplinares.

 

Há mais de uma década, militantes do movimento LGBT cobravam a regulamentação do texto. Quando Rollemberg assumiu o Palácio do Buriti, passou a sofrer pressão para assinar o decreto detalhando a aplicação da lei, justamente por ser um dos autores do projeto. A pressão da bancada evangélica levou o chefe do Executivo a postergar a medida, mas, na semana passada, às vésperas da realização da Parada LGBT de Brasília, Rollemberg assinou o decreto. A regulamentação ocorreu em uma cerimônia disputada, que contou com a presença de centenas de militantes e de representantes de organizações de defesa dos direitos humanos.

 

Diante do posicionamento do governador, os distritais Bispo Renato (PR), Rodrigo Delmasso (Podemos), Júlio César (PRB) e Sandra Faraj (SD), todos líderes de igrejas evangélicas, apresentaram o Projeto de Decreto Legislativo nº 300/2017, com a proposta de suspender os efeitos do decreto que regulamentou a lei anti-homofobia. O texto foi protocolado, lido, aprovado em todas as comissões e em plenário em apenas uma manhã. O aval ocorreu durante uma sessão extraordinária realizada no Sindicato das Indústrias da Construção Civil. Os integrantes da bancada evangélica ameaçaram travar a pauta caso a iniciativa não fosse colocada em votação.

 

O presidente da Casa, Joe Valle (PDT), explicou que honrou um acordo feito entre os parlamentares antes do início da sessão. “Acordo na política é sagrado, é para ser cumprido”, justificou. Joe, porém, votou contra o decreto legislativo, assim como Agaciel Maia (PR), Luzia de Paula (PSB), Telma Rufino (Pros), Ricardo Vale (PT) e Professor Israel (PV). A aprovação contou com nove votos favoráveis: Bispo Renato (PR), Celina Leão (PPS), Cristiano Araújo (PSD), Rodrigo Delmasso (Podemos), Júlio César (PRB), Rafael Prudente (PMDB), Raimundo Ribeiro (PPS), Sandra Faraj (SD) e Welington Luiz (PMDB). Houve, ainda, duas abstenções, de Lira (PHS) e Robério Negreiros (PSDB), além de sete ausências.

 

Na justificativa do projeto, os autores da iniciativa alegaram que “a família é um dos pilares de sustentação da sociedade”. “Não podemos permitir que a influência da família na sociedade seja desvalorizada. Ela é quem define os nossos princípios”, argumentaram os quatro autores do projeto de decreto legislativo. “A presente proposição harmoniza-se com os ditames constitucionais, uma vez que se coaduna ao princípio da dignidade da pessoa humana, atendendo aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, ao buscar promover o bem de todos, sem preconceitos”, diz o texto aprovado ontem.

 

Justiça

 

O governador Rodrigo Rollemberg reforçou que o GDF contestará na Justiça o texto aprovado na Câmara Legislativa. “O governo lamenta e recorrerá da decisão da Câmara de editar um decreto legislativo revogando o decreto que regulamenta a lei anti-homofobia. Trata-se de uma atitude ilegal por invadir área jurídica restrita do Executivo e que não encontra respaldo na realidade dos dias de hoje”, argumenta o governador, em nota. “O Estado tem que garantir a liberdade de expressão, de credo religioso e o direito de orientação sexual de cada cidadão, evitando qualquer tipo de preconceito e violência. O governo está seguro de que, mais uma vez, o Tribunal de Justiça reconhecerá a autonomia do Poder Executivo de regulamentar a legislação sobre este tema e de outros de interesse da sociedade”, finaliza.

 

A promotora Liz-Elainne Mendes, coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), classificou a medida como “um grande retrocesso”. “Foi um choque esse posicionamento repentino da Câmara. Esse entendimento representa uma violação ao princípio da separação dos poderes, com uma ingerência absurda no poder regulamentar próprio do chefe do Executivo local”, avalia a promotora. Para ela, a atitude dos distritais representa um atraso no âmbito dos direitos humanos. “Com uma medida atípica, a Câmara causou um grande retrocesso, o que é incompatível com democracia solidária e fraternal, que busca incluir pessoas com sua diversidade e pluralidade. Estou confiante de que o Judiciário vai rever essa grave violação na autonomia do Poder Executivo”, finalizou.

 

Autora da lei ao lado de Rollemberg, Maria José Maninha criticou o posicionamento da Câmara. “É inacreditável que, no século 21, ainda haja influência da religião em questões fundamentais, como direitos constitucionais. Espero que a Justiça anule essa ação nefasta dos distritais”, defendeu Maninha. Ela criticou os autores do projeto, todos denunciados à Justiça. “Que bancada é essa, que tem moralidade questionável e vem questionar direitos humanos?”, questionou.

 

O presidente do Conselho de Direitos Humanos do DF, Michel Platini, disse que a entidade vai procurar o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) para debater a inconstitucionalidade do decreto legislativo. “Usar o Estado para impor uma visão teológica é inadmissível”, comentou. “Essa aprovação é preocupante porque, além de extrapolar as suas competências legais, o plenário da Câmara Legislativa se reuniu em regime de urgência em uma segunda-feira, como não é de costume, para retirar direitos adquiridos, na contramão das reais demandas da sociedade”, concluiu.

 

Vitória do governo

 

Em janeiro, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) julgou procedente uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo GDF. Por 15 votos a seis, os desembargadores entenderam que o decreto legislativo aprovado na Câmara sustando o decreto que reajustou as passagens era ilegal. Assim, o GDF ganhou a queda de braço e aumento as tarifas dos transportes.

 

Memória

 

Anos de polêmicas

 

A Lei Distrital nº 2.615/2000 foi aprovada há 17 anos. O texto foi vetado pelo então governador do DF, Joaquim Roriz, mas o veto acabou derrubado e o texto promulgado pela Câmara. Desde então, militantes do movimento LGBT cobram a regulamentação do texto. Em 2013, o então governador Agnelo Queiroz chegou a assinar o decreto, mas, diante da pressão dos evangélicos, voltou atrás e anulou a regulamentação. Em janeiro deste ano, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) entrou com uma ação civil pública exigindo a aplicação da lei.


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