28/09/2019 às 18h28min - Atualizada em 28/09/2019 às 18h28min

Áudios: funcionários da Real JG admitem vender vagas de emprego a R$ 1,2 mil

A empresa, da família do deputado José Gomes, também é pivô do escândalo que levou o TRE-DF a cassar o mandato do parlamentar

A empresa Real JG Serviços Gerais, da família do distrital José Gomes (PSB), está no centro de nova polêmica: funcionários e pessoas ligadas ao parlamentar são acusados de “vender” vagas de emprego. Áudios obtidos pelo Metrópoles mostram que representantes da companhia cobram R$ 1,2 mil com a promessa de garantir um posto de trabalho.
 

A Real JG, que presta serviços terceirizados e tem contratos milionários com os governos federal e do DF, possui cerca de 10 mil funcionários. A empresa foi o pivô da crise que levou o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) a cassar, em 11 de abril deste ano, o mandato de José Gomes.

O parlamentar foi condenado por coagir, por meio de prepostos, os empregados a votarem nele em outubro de 2014. O deputado, contudo, permanecerá no cargo até julgamento definitivo de recurso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nos áudios, dois primos de José Gomes são apontados como os responsáveis por “vender” vagas de emprego na Real JG: Douglas Laet e Wilker Jansen. Laet foi acusado de ter intimidado trabalhadores da empresa a votar em José Gomes na campanha do ano passado. Outro funcionário, o encarregado Vilmar Avelino dos Santos, também faria parte das negociatas.

De acordo com um dos denunciantes, as pessoas da empresa convidadas a fazer parte do esquema cobram R$ 1,2 mil de quem sonha em ter a carteira de trabalho assinada. Entre R$ 150 e R$ 300 desse dinheiro ficam para quem conseguiu o negócio. O restante vai para os responsáveis pela contratação.

Contudo nem todos os que supostamente pagaram pelo emprego teriam sido efetivados. Em um dos áudios entregues ao Metrópoles, funcionários que conversam sobre o esquema contam que uma mulher reclama por ainda não ter sido contratada. Segundo eles, a moça precisou fazer uma vaquinha entre conhecidos para conseguir os R$ 1,2 mil.

Além dela, ao menos outras sete pessoas estariam cobrando de Vilmar Avelino dos Santos a vaga ou a devolução do dinheiro. De acordo com as gravações, os valores recebidos por ele somam R$ 10 mil.

 

Leia a transcrição de trechos do diálogo:

Funcionário 1 – Ele [Vilmar] deve pelo menos R$ 10 mil. Ele cobra R$ 1,2 mil [pela vaga], então deve mais de R$ 10 mil.

Funcionário 2 – Ele deve mais de R$ 10 mil pros caras? Só que você conhece, né?
 

Funcionário 1 – Só que eu conheço que ele arrumou.

Funcionário 2 – Ele já arrumou para umas 20 [pessoas]?

Funcionário 1 – Ele arrumou para o Márcio, arrumou para a amiga da Joselina, aquela que vai lá em casa, uma branquinha. O marido dela que tem contato com ele.

 

Funcionário 2 – Você me vê o contato desse bicho que eu preciso falar com ele. Eu não tenho nada a ver com essa jogada dele. Ou ele segura a pica dele ou “cagueta” todo mundo.

Negociações

O “mercado” de vagas de emprego na Real JG teria se intensificado em junho, após a empresa ganhar um pregão para a prestação de serviços em diversos órgãos do GDF. Entre eles, a Secretaria de Economia – antiga pasta de Planejamento, Orçamento e Gestão.

Ao todo, apenas nesse pregão, são três contratos para diversas secretarias, que somam 299 vagas, segundo a assessoria de imprensa do governo, totalizando R$ 12,2 milhões.

Não é de hoje que a Real JG mantém contratos com o poder público. Desde 2013, a empresa fundada por José Gomes recebeu R$ 395,1 milhões em contratos por diversos serviços apenas do governo local.

O trabalho terceirizado do último pregão – que prevê serviços gerais, como limpeza – era executado por uma concorrente. Como determina a lei, os funcionários contratados pela antecessora precisavam ser mantidos nos postos por, pelo menos, 90 dias. Com o prazo vencendo no fim de setembro, esses trabalhadores estão sendo gradualmente demitidos, abrindo espaço para as supostas negociações.

HUGO BARRETO/METRÓPOLES
Hugo Barreto/Metrópoles

Hugo Barreto/Metrópoles

José Gomes (PSB) teve o mandato cassado pelo TRE-DF, mas aguarda julgamento de recurso no TSE
Medo do deputado

Em outro áudio obtido pela reportagem, um funcionário da empresa conversa com Vilmar Avelino dos Santos e Wilker Jansen. Wilker, primo de primeiro grau de José Gomes, é dono de um quiosque nas proximidade da sede da Real JG, no Núcleo Bandeirante.

Na conversa, o homem comenta que Wilker o chamou para entrar no esquema de cooptação de interessados em comprar uma vaga. Ele fala que não quis envolvimento na história por temer ser prejudicado caso o “negócio” fosse descoberto.

Na mesma gravação, Vilmar e Wilker demonstram preocupação caso o deputado José Gomes descubra o que está acontecendo. Wilker chega a “ensaiar” como justificaria o esquema ao deputado.

“Vou dizer: ‘Olha, Zé [José Gomes], se eu coloquei ou não alguém e me deram um agrado, não foi por que estavam comprando vaga, mas por que eu estava correndo atrás’. Acabou, só isso. Mas, olha, eu não vendo vaga, não. Eu sou comerciante. O cara pediu para eu ajudar, não vou fazer de graça. Cobro mesmo, para me ajudar. Cobro mesmo. Cobro não, recebo”.

Visitas à empresa

Apesar de legalmente estar afastado da empresa e ter transferido o comando para a irmã, Luciana Ferreira Góis, o distrital José Gomes visita a sede da Real JG com frequência. Ao longo de setembro, o Metrópoles constatou que em pelo menos 12 ocasiões o deputado chegou em veículo alugado com recursos da verba indenizatória da Câmara Legislativa: um Ford Fusion locado a R$ 5,1 mil mensais.

A rotina do parlamentar, que tem o maior patrimônio declarado da Câmara Legislativa, R$ 47.191.254,06, costuma ser a mesma: ele entra no estacionamento privativo no veículo conduzido por um motorista e permanece entre uma 1h30 e 2h na firma.

O afastamento de políticos com mandato eletivo de suas empresa é previsto no artigo 54 da Constituição Federal. Em síntese, o texto diz que os parlamentares não poderão ser “proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada”. Por essa razão, José Gomes passou o controle da Real JG para a irmã.

Deputado comenta o caso

À reportagem, a assessoria do deputado José Gomes comentou, por meio de nota, a denúncia de venda de vagas na empresa. “O parlamentar informa que não tem conhecimento, mas apoia integralmente que sejam realizadas investigações policiais e punidos eventuais culpados.”

Sobre as visitas à sede da empresa, a assessoria do parlamentar disse que o deputado “nunca mais deu expediente junto à Real JG desde que deixou a empresa. Eventuais visitas, tanto à Real JG, quanto a qualquer outro local, foram na defesa da geração de empregos, sua principal bandeira. O carro é utilizado na atuação do seu mandato”.

Já a assessoria jurídica da Real JG afirma não ter informações sobre a venda de vagas na empresa e promete apurar os fatos. “A Real JG vê com surpresa a informação. Uma vez apresentadas as denúncias, elas serão levadas às autoridades, já que ninguém tem autorização para falar em nome da empresa”, assegura o advogado Expedito Babosa Júnior.

Sobre as visitas do deputado José Gomes à empresa, Expedito Júnior disse que o parlamentar não participa de reuniões de comando da empresa, por não ser mais o dono da companhia. “Em nenhuma oportunidade, depois do desligamento, o senhor José Gomes ofertou expediente na empresa. Até por que a nova diretoria assumiu e exerce as posturas profissionais que entende cabíveis.”

Procurados pela reportagem, Vilmar, Wilker e Laet não haviam se manifestado até a última atualização deste texto.

Cassação de mandato

A Real JG foi, na avaliação do Ministério Público Eleitoral do Distrito Federal (MPE-DF), fundamental para eleger José Gomes ao cargo de deputado distrital. Não apenas por conta dos 10 mil postos mantidos por ela em órgãos do DF e do governo federal, mas especialmente pela atuação de Douglas Laet.

Segundo parecer do MPE-DF, em uma das reuniões em que funcionários foram coagidos a votar no patrão, Douglas Laet disse que os trabalhadores deveriam “demonstrar gratidão pelo emprego, pelo salário, e lealdade por seu empregador, empenhando-se em sua candidatura”.

Laet acrescentou que “a retribuição pelo trabalho seria aferida pelo número de votos obtidos na seção de votação dos funcionários de sua empresa”, de acordo com o documento. O caso foi revelado pelo Metrópoles, e as gravações de uma reunião entre Douglas e funcionários fazem parte do processo. O primo do deputado chegou a ser afastado da empresa durante as eleições, mas, passado o período eleitoral, ele retornou às atividades na Real JG.


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