A Operação 12º Trabalho, que levou à prisão do ex-governador Marcelo Miranda (MDB), encontrou um sofisticado esquema de compra de bens e uso de laranjas para esconder o dinheiro obtido com desvios públicos. É o que investigadores chamaram de “blindagem patrimonial”.
O ministro Mauro Campbell chegou a determinar medidas cautelares de bloqueio de bens do ex-governador, no contexto da operação Reis do Gado. Porém, não foram encontradas propriedades suficientes. Em uma nova tentativa de bloqueio, em 2019, nas contas dele foram encontrados apenas R$ 256,29.
ALVO ANTIGO – Desde 2016, com a operação Reis do Gado, Marcelo Miranda é alvo de investigações. A decisão mais recente sobre ele foi tomada pelo juiz João Paulo Abe, que determinou a prisão preventiva de Marcelo, de seu pai e seu irmão. Ela saiu há quase um mês, no dia 29 de agosto, mas a operação foi deflagrada apenas nesta quinta-feira (26). A ação é resultado de um trabalho conjunto entre o Ministério Público Federal e a Receita Federal.
A defesa da família informou que não há fundamento para um decreto de prisão. “São fatos antigos, requentados e já reprisados na denúncia ofertada na operação Reis do Gado. Ação penal que, embora se tenha apresentado defesa, até o momento não há decisão”, diz a defesa.
O MDB informou que não vai se manifestar.
O ESQUEMA – Conforme a decisão judicial, Brito Miranda, pai do ex-governador, e Brito Miranda Júnior, irmão, funcionavam como pontos de sustentação para “um esquema orgânico para a prática de atos de corrupção, fraudes em licitações, desvios de recursos, recebimento de vantagens indevidas, falsificação de documentos e lavagem de capitais, cujo desiderato [finalidade] era a acumulação criminosa de riquezas para o núcleo familiar como um todo.”
Os investigadores concluíram que os atos ilícitos eram divididos em sete grandes eixos, envolvendo empresas, fazendas, funcionários públicos e laranjas, “que se relacionavam organicamente entre si para o desenvolvimento exitoso das atividades criminosas, mas que funcionavam como grupos formalmente autônomos e independentes, sempre apresentando Marcelo Miranda, Brito Miranda e Brito Júnior como elo de ligação”.
FALSIFICAÇÃO – A decisão aponta ainda que, durante as investigações, foram verificados episódios de falsificação de escrituras públicas e registros de imóveis vinculados à família para promover a ocultação e blindagem patrimonial. Também há indícios de ameaças a testemunhas, compra de depoimentos e destruição de provas.
A investigação ainda apontou a utilização de equipamentos de contrainteligência para dificultar e impedir a investigação pelas autoridades policiais. “Assim como a rara utilização do sistema bancário legalizado, consoante teria restado claro a partir do insucesso das medidas de bloqueio determinadas pelo eminente ministro Mauro Campbell Marques”, diz a decisão.
O texto da decisão afirma que a sucessão de atos de investigação não resultou no desmantelamento da organização criminosa, que continuaria em pleno funcionamento através de prepostos. A lavagem de dinheiro se daria pela aquisição de fazendas, aviões, veículos e gado mediante a ausência de escrituração em nome de laranjas.
DINHEIRO VIVO – A despeito do vasto patrimônio em terras, gado, e outros ativos amealhados como produto dos delitos perpetrados, o que o alçaria à condição de multimilionário, Marcelo de Carvalho Miranda raramente utiliza o sistema bancário.
Em recente tentativa de bloqueio via Banco Central, foi comprovado nos autos que os recursos financeiros que asseguram o seu sustento são provenientes de contas diversas, provavelmente firmadas em nome de terceiros, já que, em sua conta bancária, foram encontrados inexpressivos R$ 256,29.
Por fim, a decisão pontua que a captação, lavagem e ocultação de recursos era realizada de forma sistemática e bem organizada, com a colocação dos recursos em contas bancárias vinculadas a empresa ou a terceiras pessoas dissociadas do grupo. O esquema era finalizado com a percepção do “provável produto do crime, mediante depósitos mensais para fazer frente às despesas familiares do clã”.
CASSAÇÕES – Marcelo Miranda foi eleito governador do Tocantins três vezes, sendo cassado duas vezes. Ele governou o estado entre 2003 e 2009 e entre 2015 e 2018. A última cassação foi por causa de um avião apreendido em Goiás com material de campanha e R$ 500 mil ligados a campanha do ex-governador em 2014.
Ele também foi eleito senador da República, mas não pôde assumir porque foi considerado inelegível. Marcelo Miranda já foi alvo de diversas investigações das Polícias Federal, como as operações Reis do Gado (2016), Marcapasso (2017), Convergência (2017), Pontes de Papel (2018) e até na Lava Jato.