Exonerado do cardo de secretário-adjunto de Micro e Pequena Empresa do Distrito Federal em 1º de novembro, Vitor de Abreu Corrêa retornou ao governo na última segunda-feira (4). De acordo com o Diário Oficial do DF, ele assumiu a função de membro titular representante da Secretaria de Estado da Micro e Pequena Empresa e Economia Solidária do Distrito Federal no Conselho de Administração do Fundo para a Geração de Emprego e Renda (Funger-DF).
Corrêa deixou o cargo de secretário dois dias após o G1 divulgar denúncia de que ele cobrava de empresas concessionárias passagens de ônibus e bilhetes aéreos para pessoas ligadas ao PPL, partido presidido no Distrito Federal pelo diretor-geral do DFTrans, Marco Antonio Campanella. Corrêa era o chefe de gabinete do órgão na época. A exoneração foi publicada no Diário Oficial do DF.
O ex-secretário havia dito que tinha deixado o cargo a pedido, para poder fazer a própria defesa no caso. "A exoneração foi um pedido meu, uma vez que foi feita essa matéria, eu achei melhor sair para poder me defender desse processo, do processo de sindicância, e porque vou provar a inocência. Foram feitos somente encaminhamentos de pedidos da sociedade civil, que foram atendidos e a sindicância vai provar que não houve benefício nesse caso do Grupo Amaral", afirmou.
Côrrea retornou as ligações do G1 após a publicação desta reportagem e explicou que ele não vai assumir a função no conselho. "A secretaria [da Micro e Pequena Empresa] deve apresentar nova indicação [de representante no conselho]. Sigo afastado para me defender", afirmou. O ex-secretário acredita que a pasta responsável pela indicação não teve tempo de saber da exoneração dele.
O DFTrans é responsável por fiscalizar e regular o transporte público no DF. A prática de pedir passagens teve início em 2011 e continuou na gestão de Daniel de Abreu Corrêa, irmão de Vítor, que assumiu a chefia de gabinete em 26 de janeiro de 2012. Daniel Corrêa foi exonerado no último dia 16.
O diretor-geral do DFTrans, Marco Antonio Campanella, disse ao G1 que não tinha conhecimento dos pedidos por passagens. "A chefia de gabinete sempre centralizou os pedidos que vêm de sindicatos, igrejas e entidades. A gente centraliza e envia para as empresas, mas nunca para as concessionárias", afirmou Campanella. Ele disse que "nenhuma passagem era para atender interesses individuais". "Se são filiados do PPL, é mera coincidência", afimou.
A Secretaria de Transparência e Controle do Distrito Federal informou ter aberto nesta sexta-feira (1º), após determinação do governador Agnelo Queiroz, um processo de investigação preliminar para apurar denúncias que envolvem Marco Antonio Campanella. O secretário afirmou que o procedimento aberto nesta sexta deve durar de 30 a 60 dias.
“É nele [processo aberto nesta sexta] que vamos obter provas. Caso as provas sejam materializadas durante o processo, será aberto um processo administrativo disciplinar. A gente tem as informações de que há os indícios, mas precisa transformar em processo. Qualquer punição agora teria nenhuma base”, afirmou ao G1 o secretário de Transparência, Mauro Almeida Noleto.
Ele disse ainda que os envolvidos podem ser chamados pra prestar esclarecimentos. “Possíveis convocações podem ser avaliadas pelo grupo responsável pelo processo. Como se trata de um procedimento em fase preliminar, precisamos de algo para dar elementos para a instauração de um procedimento. É preciso que todo mundo seja ouvido pela força do direito de se defender nesse momento. Vamos levantar informações pra ter uma convicção do que aconteceu”, completou.
Denúncias
Os pedidos do DFTrans – de passagens aéreas e cessão de ônibus – eram feitos a Carolina Pereira, diretora de quatro empresas do Grupo Amaral – Rápido Girassol, Jat Taxi Aéreo, Esave Collection e Esave Mídia. Segundo ela, a ordem dada pelo presidente das empresas, Dalmo Amaral, era atender a todas as solicitações do DFTrans "sem questionamentos".
“Seu Dalmo dizia: ´Tem que atender aos pedidos do Campanella e do pessoal do DFTrans. Eu nunca questionei'. (...) Já tivemos que cancelar contratos para atender a pedidos por ônibus interestadual”, afirmou.
E-mails enviados por Vitor a Carolina revelam que as empresas de ônibus atenderam a um pedido para comprar de uma vez 14 passagens aéreas para políticos do PPL e sindicalistas, em julho de 2011. O custo total dos bilhetes foi de R$ 10,1 mil, conforme dados da conversa por e-mail entre a executiva e o ex-chefe de gabinete do DFTrans.
O PPL foi fundado em 2009 por integrantes do antigo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), que combateu a ditadura militar. A legenda tem 17,2 mil filiados e integra a base de apoio do governador Agnelo Queiroz no Distrito Federal.
Entre os beneficiados está Zivan Roque Tavares, ex-presidente do PPL no Espírito Santo. Ele confirmou ao G1 o recebimento dos bilhetes. Segundo Tavares, “um tal de Campanella” providenciou as passagens de Vitória para São Paulo, onde haveria um congresso da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB).
“A CGTB informou que mandariam a passagem para a gente. Quem mandou era ligado ao governo do Distrito Federal e à Presidência da República. Foi esse tal de Campanella. Nós estávamos indo para um evento da CGBT”, disse.
De acordo com Carolina, os pedidos por passagens começaram em 2011 e duraram até o segundo semestre de 2012. Ela afirma que os prejuízos com a compra de bilhetes e reserva de ônibus a pedido do DFTrans chegam a R$ 200 mil. “O prejuízo foi grande, afetava o caixa. A gente já teve que deixar ônibus à disposição por uma semana”, disse.
O filho de Dalmo Amaral, o ex-senador Valmir Amaral (PP), que administra as empresas do grupo, confirmou que o pai pagava passagens a pedido de Campanella. Ele afirmou que Dalmo não falaria com a reportagem porque é idoso e está “debilitado”. “Foi uma extorsão. Quando fiquei sabendo pedi que ele que denunciasse”, disse.
Em fevereiro deste ano, o governo do Distrito Federal interveio em três empresas de ônibus de Dalmo Amaral – Rápido Veneza, Viação Valmir Amaral e Rápido Brasília Transportes e Turismo. O empresário foi afastado e a gestão foi assumida pelo GDF. De acordo com o GDF, as empresas descumpriram acordos feitos com o Ministério Público para melhorar o transporte no DF.
Segundo Valmir Amaral, a intervenção ocorreu depois que o grupo parou de atender às exigências da direção do DFTrans. “Eu tenho certeza que houve retaliação. A tomada das empresas do meu pai pelo GDF foi uma resposta ao fim dos pagamentos”, afirmou.
PPL
Dos beneficiados por passagens aéreas, pelo menos oito integram a direção nacional da CGTB – três do Espírito Santo, um de Mato Grosso do Sul, um de Pernambuco, um de Brasília e dois do Rio de Janeiro.
Vantuir Sabino, que foi candidato a vereador em Serra (ES) pelo PPL em 2012, e integra a direção nacional da CGTB, foi um dos beneficiados pelas passagens pagas pelo Grupo Amaral a pedido do DFTrans em 2011, para participar do congresso da central sindical em São Paulo.
Ele afirmou ao G1 não saber quem pagou as passagens e hospedagem em São Paulo. Sabino disse que foi convocado a participar do congresso para ajudar a eleger Ubiraci Dantas como presidente da central sindical. Dantas é secretário regional do PPL, representando o partido na Bahia, Espírito Santo e Sergipe.
“Eu desconhecia quem pagou a passagem e a hospedagem, de coração. Disseram que seriam pagas pelo congresso da CGTB. Eu fui convocado dizendo que teria que estar embarcando de tarde para a Executiva em São Paulo. Minha missão era estar na CGTB para eleger o representante da central, que nos representaria perante a presidente Dilma Rousseff”, afirmou.
Outro beneficiado pelas passagens é Marilton José Viana Cavalcanti, que foi candidato em 2012 a vice-prefeito em Recife pelo PPL. Ele não venceu as eleições. O G1 não conseguiu contato com Cavalcanti.
Além das passagens aéreas, havia pedido para cessão de ônibus. De acordo com notas fiscais obtidas pelo G1, a Rápido Girassol, do grupo Amaral, cedeu cinco veículos para transporte de filiados do partido e sindicalistas ligados à CGTB para São Paulo em julho de 2011.
Por ser viagem interestadual, o trajeto e os nomes dos passageiros têm de ser registrados na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a empresa tem de emitir nota fiscal. De acordo com os documentos, a locação de cada ônibus entre os dias 6 e 10 de julho custou R$ 10. Todas as notas foram emitidas em nome da central sindical.
Investigação
O promotor Roberto Carlos Silva, da 1ª Promotoria de Justiça da Fazenda Pública do DF, disse à reportagem que o pagamento de passagens a pedido do DFTrans pode virar investigação criminal.
“De imediato esse caso mereceria, pelo menos, uma investigação nossa para verificar se configura algum tipo de favorecimento. Em se tratando de empresa de ônibus, teríamos que ver a influência disso no processo licitatório das linhas”, afirmou.
Para ele, o DFTrans poderia estar exigindo vantagens das empresas do Grupo Amaral em troca de favorecimentos na exploração de linhas de ônibus.
“Há possibilidade de configuração de crimes, mais de um, e possível improbidade administrativa. Se as irregularidades ficarem só no campo do DFTrans, poderia configurar improbidade administrativa e crimes de corrupção ou concussão, quando um funcionário público exige um benefício”, disse.