A tentativa do presidente Jair Bolsonaro de substituir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, criou uma das principais turbulências políticas do governo desde o início desta gestão. Valeixo foi exonerado do cargo nesta sexta-feira (24/4), "a pedido", de acordo com o texto do decreto publicado no Diário Oficial da União. O delegado é alguém próximo ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, que não aceitou a demissão do chefe da corporação e afirmou que, se a exoneração fosse confirmada, ele também poderia deixar o cargo. Moro é o ministro mais popular da equipe do presidente. Ele sustenta a imagem de combate à corrupção em razão das ações penais que conduziu no âmbito da Operação Lava-Jato, em que foi responsável pela condenação e prisão de nomes importantes do cenário político, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Diante da crise, o comandante do Planalto manteve silêncio sobre o tema.
A decisão de Bolsonaro de interferir no comando da PF surpreendeu integrantes da corporação e o próprio Moro. Apesar de esta não ser a primeira vez que o presidente tenta fazer alterações na composição da PF, não era esperado que houvesse uma nova investida em meio à pandemia de coronavírus, momento delicado tanto na política quanto na economia. Ao ser informado sobre a decisão, Moro afirmou que não aceitava a troca e que se Valeixo fosse afastado das funções, não haveria motivo para que ele continuasse no governo. Moro está inconformado com a proximidade de Bolsonaro com parlamentares do Centrão, como o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), cassado e condenado no processo do mensalão. A tentativa de mudar o comando da PF foi considerada a gota d’água para o ministro, que teme interferências políticas no enfrentamento da corrupção e nas operações de combate ao crime deflagradas pelas autoridades policiais.
Dentro da corporação, corre a informação de que a troca está ligada ao desconforto em relação a diligências que apuram uma rede de criação e disseminação de fake news contra desafetos do governo. As provas aproximariam o caso do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, com o chamado gabinete do ódio, que utiliza ferramentas para disparar mensagens em massa contra alvos pré-selecionados que criticam as ações do Executivo. Na mira do grupo estão o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional. Nesta semana, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) pediu ao STF que impeça a prorrogação da CPMI das Fake News, em andamento no parlamento.
Outra preocupação seria com o inquérito, em andamento no Supremo, para investigar grupos que convocaram manifestações e pediram a volta do AI-5, que endureceu a repressão durante o regime militar. O chefe do Executivo não é alvo das diligências, apesar de ter participado de um dos atos, realizado em Brasília. No entanto, deputados bolsonaristas estão na mira e, por conta disso, a apuração está no âmbito do STF. Por coincidência, a equipe que trabalha na investigação aberta pelo Supremo para apurar fake news é a mesma que deverá tocar o inquérito para apurar os responsáveis pelas manifestações pró-ditadura.
Articulações
Na quinta-feira (24/4) à noite, em live no Facebook, Bolsonaro tratou exclusivamente do auxílio emergencial, que está sendo gerido pela Caixa Econômica Federal. Ele não citou, em nenhum momento, Moro ou Valeixo.
Ao longo do dia, a ala militar do governo atuou para apagar o incêndio e convencer Bolsonaro a manter Moro. Para isso, Valeixo tem de permanecer no cargo, ou ter a saída negociada com Moro. O ministro não se posicionou sobre o impasse.
Deputados que apoiam o governo, assim como integrantes do Executivo, passaram o dia enviando mensagens a Moro, pedindo que permaneça no cargo. A avaliação é de que a queda do ministro faz com que boa parte das pautas defendidas na eleição caiam por terra, como o combate à corrupção. Além disso, Moro levaria consigo boa parte dos eleitores do presidente e da sua base de mobilizações sociais, utilizadas para pressionar o Congresso e tentar reagir a decisões do Supremo.
Ex-Lava-Jato defende ministro
Ex-decano da Lava-Jato, em Curitiba, Carlos Fernando dos Santos Lima saiu em defesa do ministro da Justiça, Sérgio Moro, e atacou o presidente Jair Bolsonaro em post no Facebook. “Moro deve sair. Bolsonaro não é correto, não tem palavra, deixou o ministro sem qualquer apoio no Congresso tanto nas medidas contra a corrupção quanto durante o episódio criminoso da Intercept, e nunca foi um real apoiador do combate à corrupção”, escreveu Carlos Lima.. Desde o ano passado, ele acusa as tentativas de Bolsonaro de tentar “subordinar” a PF e o Ministério Público Federal para salvar “os seus”. Aposentado desde 2019, ele virou consultor de compliance e especialista em combate à corrupção.
Linha do tempo
Fevereiro/2019
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, nomeou a cientista política Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), mas acabou voltando atrás após críticas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Em nota, o ministério anunciou que estava revogando diante da repercussão negativa em alguns segmentos.
Agosto/2019 Bolsonaro anunciou a troca do superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro, alegando questões de produtividade. Em nota, a instituição, que é subordinada a Moro, negou problema de desempenho e disse que a troca já estava sendo planejada. Na ocasião, sob as afirmações que estaria interferindo, Bolsonaro disse que é ele quem indica, e não Moro. Na época, já se falava sobre a intenção de trocar o diretor-geral, Maurício Valeixo.
Agosto/2019
Depois de ter perdido o Coaf, em maio, quando saiu do Ministério da Justiça e foi para a pasta da Economia, Moro encarou mais uma derrota. Na ocasião, Bolsonaro assinou uma medida provisória (MP) que transferiu o órgão para o Banco Central.
Dezembro/2019
Bolsonaro sancionou o pacote anticrime e manteve o trecho referente à criação do juiz das garantias (que existiria somente para supervisionar a fase de investigações), algo que já havia sido criticado por Moro reiteradas vezes. Ele mesmo afirmou que defendeu o veto ao trecho. O ministro não foi atendido, mas depois o STF suspendeu a medida.
Janeiro/2020
O presidente falou em recriar o Ministério da Segurança Pública, que foi unido ao Ministério da Justiça no início do governo e entregue a Moro. Falar em desmembrá-la foi uma sinalização de esvaziamento do ministro. Diante da controvérsia e da crise criada, a ideia não vingou.