Os números confirmam o termômetro das ruas: na capital do país, na última segunda-feira (04/05), apenas 43% da população cumpria o isolamento social. Para se ter uma ideia, esse índice chegou a 65,5% em 22 de março, perto do percentual recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 70%.
Não raro, é possível ver situações que justifiquem o índice de quase 60% dos que ignoram as medidas de combate ao avanço da doença no Distrito Federal.
A equipe do Metrópoles percorreu diversas regiões administrativas a fim de verificar se as medidas dos órgãos de saúde estão sendo adotadas. A reportagem flagrou dezenas de ambulantes expondo seus produtos em calçadas da Ceilândia, clientes se espremendo em estabelecimentos comerciais de Taguatinga e até festas privadas no Guará.
Em Ceilândia, vários grupos de pessoas jogavam dominó e baralho em pracinhas de uso coletivo.
Embora muitas pessoas estivessem usando máscara, poucas respeitavam a orientação da OMS de manter o distanciamento de pelo menos 1,5 metro uma das outras.
No Guará II, até pagode regado a cerveja teve de ser desmontado pela Polícia Militar do DF (PMDF). O evento era realizado na Quadra 44. Os organizadores foram conduzidos à delegacia e os convidados obrigados a voltar para suas casas.
Durante o fim de semana, como mostrou o Metrópoles, jovens bebiam e fumavam maconha no Deck Sul, o que resultou em abertura de investigação pela Polícia Civil do DF (PCDF). Enquanto isso, o Itapoã servia de palco para a festa batizada de Sexta-feira Maldita da Xereca, também desmobilizada pela PMDF.
Imagens do DF:
A aparente falta de preocupação com a Covid-19 por parte dos moradores do DF ajuda a compreender os boletins diários da Secretaria de Saúde: após 62 dias do 1º caso registrado em solo candango, Brasília ultrapassou a barreira de 2 mil pessoas infectadas. Os números fechados dessa quarta-feira (06/05) indicavam 2.078 contaminados e 35 mortes.
Até mesmo a Fercal, que se mantinha ilesa ao coronavírus, passou a computar o primeiro morador com a Covid-19.
A queda na taxa de isolamento coincide, ainda, com o aumento de ocorrências de perturbação da paz. Durante o mês de abril de 2020, a PMDF foi acionada 495 vezes. Em abril de 2019, foram 190 registros. Ou seja, neste ano, o incremento foi de 160%.
A corporação também teve de atuar em 1.315 ocorrências por queixa de som alto neste mês. No mesmo período de 2019, foram 1.048.
O motorista Enes Costa, 51 anos, reside em Ceilândia. A volta do movimento intenso de pessoas nas ruas da cidade causa preocupação para o baiano radicado no DF. “Na minha visão, sinceramente, a gente deveria continuar com o isolamento”, resume.
A autônoma Sonia Maria Teixeira, 46, também percebeu a volta das aglomerações na cidade que tem a maior quantidade de mortos por Covid-19: 5 no total. “Tem gente aqui em Ceilândia que não está respeitando o isolamento social”, conta. Para ela, é difícil se manter em quarentena, mas considera um sacrifício necessário. “Às vezes, a gente sente necessidade de se aproximar de alguém querido, mas não tem jeito agora”.
Alerta dos especialistas
Ao Metrópoles, o infectologista Alexandre Cunha, do Hospital Sírio-Libanês de Brasília, reforçou a importância dos brasilienses continuarem reclusos durante a pandemia. “As medidas de distanciamento, neste momento, são as únicas que se mostraram eficazes para conter a disseminação rápida do vírus”, explica.
O médico ressaltou que o isolamento faz-se necessário, uma vez que estudos em busca da cura para a Covid-19 ainda não estão finalizados. “Uma vacina não estará disponível entre 1 ou 2 anos e os tratamentos que são alardeados como cura são experimentais”, pontua.
Cunha defende a quarentena por enxergar nela a única forma de se evitar o colapso no sistema de saúde do DF. “Se o número de infectados simultaneamente for muito grande, pode gerar uma sobrecarga no sistema; e essa sobrecarga pode fazer com que haja óbitos evitáveis, inclusive entre jovens. É o que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos”, compara.
O profissional de saúde comentou a possibilidade de reabertura de atividades não essenciais durante a pandemia. “Essas decisões têm de ser tomadas por organismos técnicos, baseados em dados estatísticos epidemiológicos, sempre pensando que a economia é importante para o país. Mas, também, pensando que, se a gente deixar todos circularem livremente, corre-se o risco de o nosso sistema de saúde não suportar”, analisa.
A infectologista Ana Helena Germóglio, do Hospital Águas Claras, atribui o crescimento recente no número de casos confirmados na capital ao não cumprimento das medidas impostas pela OMS. “As pessoas estão aderindo às máscaras, mas apenas isso não resolve o grave problema que se apresenta”, completa.
Movimento de pessoas no Taguacenter:
Ela destaca que a população precisa se esforçar para conter o avanço da Covid-19. “Todas as ações não farmacológicas de contenção da disseminação só funcionam se forem usadas em conjunto. Mas está comprovado que a melhor medida ainda é o isolamento social”.
Do ponto de vista da infectologista Joana D’arc Gonçalves, o DF dificilmente conseguirá novamente atingir os altos índices de isolamento social, como em 22 de março, quando marcou 65,5%. “Infelizmente, teremos que pagar esse preço”, lamenta.
O que diz o GDF
Segundo o GDF, a PMDF e a Secretaria DF Legal continuam a fechar estabelecimentos abertos sem autorização, incluindo festas.
“Em caso de festas e outras aglomerações, a PMDF tem orientado a população quanto à permanência em casa e às medidas de proteção individual para evitar contaminação. Portanto, em caso de denúncias, os interessados devem ligar no número 162”, afirmou o governo em nota enviada ao Metrópoles.
A Secretaria de Saúde do DF também reforçou a importância do isolamento social. Para a pasta, a quarentena é necessária a fim de achatar a curva de crescimento epidemiológica na cidade.
“Outras providências para reforçar no combate ao coronavírus e conter o avanço da Covid-19 podem ser adotadas a qualquer momento pelo Governo do Distrito Federal a partir da publicação de decreto do governador Ibaneis Rocha”, conclui a nota.