Esse pagamento a Witzel em 2018 consta na declaração de Imposto de Renda do governador, em análise pela Procuradoria-Geral da República no âmbito da Operação Placebo. A banca do secretário recebeu no mesmo período R$ 225 mil de firmas do empresário Mário Peixoto, segundo a investigação.
O dinheiro repassado a Witzel pelo escritório de Tristão, à época coordenador de sua campanha eleitoral, foi uma das justificativas usadas pelo então candidato para explicar como doou R$ 215 mil de recursos próprios para sua campanha mesmo tendo declarado à Justiça Eleitoral não ter dinheiro em conta.
O valor doado correspondia a mais da metade do patrimônio declarado, de R$ 400 mil, composto apenas por uma casa até hoje não vendida.
Quando questionado sobre a origem dos recursos, sua assessoria respondeu que “Witzel presta consultoria jurídica e recebeu, além de honorários, luvas [pagamento pela entrada numa sociedade] para ingressar em dois escritórios de advocacia, um no Rio de Janeiro e outro no Espírito Santo”.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo durante a campanha, Witzel afirmou que um dos escritórios a que se associou era o de Tristão. Ele inclusive disse que auxiliou o advogado na análise da defesa da Atrio Rio, uma das empresas da família de Peixoto, numa ação contra a Secretaria de Educação do estado.
“Ele [Tristão] me apresentou a petição para que eu analisasse, se estava adequada. Entendi que estava e que haveria possibilidade de sucesso”, afirmou Witzel na ocasião.
Em entrevista à CNN Brasil na última quarta-feira (27), Witzel negou que tenha sido sócio de Tristão.
“Nunca fui sócio do Lucas Tristão. O único escritório em que fui sócio foi do Medina Osório [Advogados], ex-ministro da AGU [Advocacia-Geral da União]. Agora, o Lucas foi meu aluno. Em várias oportunidades ele vinha conversar comigo sobre processos que não estavam na minha jurisdição”, disse Witzel.
Os registros da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Espírito Santo mostram que o escritório de Tristão não teve mudança societária durante a campanha.
O relacionamento entre Tristão e Peixoto também foi evidenciado por interceptação telefônica feita pela Polícia Federal com autorização judicial. O filho de Mário, Vinicius Peixoto, contou para sua mãe que o secretário furou a quarentena em abril deste ano para visitar o empresário em casa.
Witzel foi alvo da Operação Placebo, que apura suspeitas sobre o contrato para a construção de um hospital de campanha contra o novo coronavírus e sobre a relação de Witzel e seu entorno com um empresário investigado desde a gestão Sérgio Cabral (MDB).
Uma das investigadas é a primeira-dama, a advogada Helena Witzel, que firmou contrato com a DPAD Serviços Diagnósticos. A empresa é ligada, segundo a Procuradoria, ao empresário Mário Peixoto, preso na Operação Favorito, deflagrada há duas semanas.
O contrato previa o pagamento de 36 parcelas mensais de R$ 15 mil por serviços advocatícios. Os pagamentos começaram em agosto de 2019, segundo comprovantes obtidos pela investigação. Há a suspeita de que o repasse seja uma propina paga ao governador, por meio de um contrato fraudulento.
Witzel disse que o valor foi “fruto de trabalho jurídico, muito antes de ser governador”. “O valor foi recebido e devidamente declarado no Imposto de Renda, sendo fruto de trabalho jurídico, muito antes de ser governador”, disse Witzel, em nota.
Ele não explicou, porém, porque declarou durante a eleição ser sócio de Tristão e ter usado a entrada no escritório como justificativa para a doação de recursos próprios para sua campanha.
“O valor doado por Wilson Witzel à sua própria campanha é fruto de honorários que ele recebeu como advogado e a doação está dentro do previsto na legislação eleitoral. As contas da campanha foram aprovadas por unanimidade no TRE-RJ. Wilson Witzel nunca foi sócio de Lucas Tristão e jamais advogou para empresas de Mário Peixoto”, diz a nota do governador.
O secretário de Desenvolvimento Econômico não comentou o caso. O advogado Alexandre Lopes, que defende Peixoto, disse que não existe relação ilícita entre o empresário e o governador.
“Qualquer acusação neste sentido é absolutamente descabida e irreal. Questões políticas não se misturam com questões jurídicas. Investigações policiais devem ter como norte a imparcialidade.
Nenhuma empresa vinculada a Mário Peixoto contratou com o Governo do Estado, na área de saúde, durante a epidemia de Covid-19″, disse o advogado.