A violência que expõe moradores ao medo e à insegurança também afeta a saúde pública do Distrito Federal. Profissionais da área, hospitais e centros clínicos entraram na mira de assaltantes. Os crimes assustam servidores, mudam a rotina de trabalho, paralisam o atendimento a pacientes e prejudicam serviços básicos. No Paranoá e no Itapoã, foram ao menos três casos de agosto de 2016 a fevereiro deste ano. Na ocorrência mais recente, bandidos renderam uma equipe de atenção domiciliar durante o atendimento na casa de um paciente. Em 26 de setembro, assaltantes abordaram um vigilante dentro do Hospital Regional do Paranoá e levaram a arma dele. E, ao longo do ano passado, o centro de saúde da região administrativa foi assaltado cinco vezes.
Em 2 de fevereiro, profissionais faziam o atendimento a um paciente na residência dele, no Itapoã, quando dois assaltantes abordaram a equipe, por volta das 16h30. Um deles, com uma pistola, rendeu o motorista. O segundo entrou na casa e anunciou o roubo. Aparentando também estar armado, ele levou os celulares dos servidores. Depois, a dupla fugiu com os pertences pessoais e R$ 200 do motorista. Assustada, a dona da casa desmaiou.
Desde então, os pacientes do Itapoã atendidos em casa estão desassistidos. Ao todo, são 69 pessoas acompanhadas pelos profissionais nas duas regiões. Mas apenas os do Paranoá continuam a receber as visitas. Em cinco anos como servidora da saúde, uma das profissionais, que tem medo de ser identificada, nunca tinha passado por nada semelhante. A postura dela e da equipe mudou. “Na hora, a minha reação foi entregar o celular logo para ele ir embora. Agora, prestamos mais atenção quando descemos do carro, o motorista evita ficar no veículo e sempre pedimos para a família trancar o portão da casa.”
Ela ressalta, ainda, que, quando as equipes pedem o apoio da Polícia Militar, recebem sempre a informação de que não há efetivo suficiente. “Estou sentindo pelas famílias que ficam desassistidas. Vemos o prejuízo que elas estão tendo, mas a gente precisa pensar, também, na nossa segurança. Queremos prestar o melhor serviço, mas a sensação é de insegurança e saber que não temos nem o apoio da polícia. Não temos a quem recorrer e isso nos deixa inseguros”, lamentou a servidora.
Outro servidor que integrava a equipe repensa se vai ou não continuar com o trabalho. Por enquanto, ele permanece na função, atendendo os pacientes do Paranoá, mas a abordagem criminosa deixou sequelas. “Fico muito assustado e receoso com o trabalho, porque é uma situação de risco que estamos sujeitos em uma área ou região violenta”, relatou.
Assaltos
O roubo a um vigilante no Hospital Regional do Paranoá também assustou profissionais de saúde. O crime aconteceu por volta das 9h15 de 26 de setembro de 2016. O hospital tem acesso livre, apesar de uma parte do estacionamento ser restrito a funcionários. Depois do ocorrido, a direção tomou medidas para tentar controlar quem entra e sai da unidade. O acesso de visitantes está sendo regulado com crachás, enquanto a empresa de vigilância providencia detector de metais, e é feita uma revista, com autorização dos visitantes, quando se desconfia de algo.
Enfermeira do hospital há sete anos, uma servidora conta que esse foi o primeiro episódio de violência dentro da unidade desde que trabalha no local. Ela acompanhou o vigilante para registrar ocorrência na 6ª Delegacia de Polícia (Paranoá) e lembra-se que, quando chegou ao trabalho naquele dia, os suspeitos estavam no estacionamento. “Pareciam dois adolescentes. Eles estavam rondando o local e, quando entrei no hospital e cheguei à porta da minha sala, escutei a gritaria. Na hora, achei que fosse algum paciente discutindo com o vigilante, mas ele saiu correndo para não entregar a arma e a dupla o jogou no chão, conseguiu puxá-la e saiu correndo”, relembrou.
O Centro de Saúde nº 1 da região também tem sido alvo de criminosos. Assim como no HRP, o objetivo dos assaltantes é, quase sempre, levar a arma dos vigilantes. Na última ocorrência, em 31 de agosto, uma dupla armada rendeu dois seguranças. O crime aconteceu por volta das 19h. Os assaltantes fugiram levando uma das armas de um dos vigilantes.
Desde os episódios, os vigias que trabalham nas unidades de saúde da região não fazem mais a segurança armados. A decisão ocorreu após reunião com o Conselho de Saúde e Segurança. O entendimento é que a arma é o principal alvo dos assaltos. A Secretaria de Saúde ressaltou que, depois da medida, percebeu uma diminuição no número de furtos. O órgão ainda destacou que solicitou o aumento da segurança ostensiva nas áreas próximas das unidades básicas de saúde e nos locais onde as equipes de Atenção Domiciliar trabalham.
Em nota, a Polícia Militar garantiu que as duas localidades recebem o policiamento conforme as características e as especificidades. Além disso, confirmou que a corporação não tem carros exclusivos para acompanhar as equipes de saúde, mas disse que os profissionais podem agir como “qualquer cidadão e entrar em contato com a polícia via 190”.
Desassistidos
A equipe de atenção domiciliar do Paranoá atende pacientes da própria região, do Itapoã e da área rural da cidade. Ao todo, 69 pacientes são beneficiados por 10 equipes na região de Saúde Leste: 41 no Paranoá e 28 no Itapoã. Todos da segunda localidade estão sem receber visita domiciliar. Os profissionais têm se disponibilizado para prestar atendimento ambulatorial e fornecer orientações, no setor e por celular, às famílias e aos cuidadores dos pacientes desassistidos.
Atendidos em casa
A internação domiciliar é uma modalidade de atenção realizada por uma equipe multiprofissional, formada por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, nutricionista, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e assistente social, que presta assistência a pessoas com quadros clínicos graves, porém estáveis. A equipe tem a função de treinar familiares e cuidadores para prestarem os cuidados com o paciente no domicílio. Em todo o DF, estima-se que seja atendida uma média de 1,6 mil pacientes. Eles são avaliados por meio de um instrumento de classificação assistencial próprio da Atenção Domiciliar, baseado na Portaria nº 825 de 2016, do Ministério da Saúde.