*AYLÊ-SALASSIÉ F. QUINTÃO
As reformas não resolverão os problemas básicos do Brasil. São casuísticas, conjunturais e aparentemente provisórias. Não projetam nenhum futuro. Os efeitos das que estão em curso – previdência, trabalhista, política e até a terceirização – vão perdurar até que sejam corrigidos os prejuízos na economia e os impasses na política.
Casuísmo, acredita-se pragmaticamente, de longa duração. São necessárias, sim, como “travessia”. Mas para onde?
O problema brasileiro parece ser maior, mais grave e de natureza ainda indefinida. Envolve valores e identidade. Gradualmente, perdemos a autoestima. As raízes estão sendo desfiguradas.
Acreditando-se já globalizados, os brasileiros mantiveram apenas a preguiça macunaímica de ler e raciocinar. Daí os 7×1. Contenta-se em ironizar os tediosos debates improdutivos entre esquerda e direita, e esse espetáculo pantagruélico e indigesto que o Congresso e o Judiciário proporcionam ao País.
A educação forma politiqueiros, nunca empreendedores. Os saldos do FGTS são utilizados para pagamento de dívidas, e não em novos negócios. A Nação do futuro está à procura de empregos.
Tudo parece errante. Da conjuntura emerge um país engasgado com a politicagem, com o foro privilegiado e com a história mal contada da lista fechada.
Os esforços voltam-se para a manutenção do modelo neoliberal, da preservação de uma democracia resignada, palco do cinismo e do corporativismo, tolerando-se o comportamento irresponsável de atores sociais, cuja ação plural, sem limites, transforma o País em terra de ninguém, privilegiando velhacos e desfigurando instituições.
Naufraga-se num mar de interpretações jurídicas desvinculadas da realidade ou da responsabilidade com a Nação. Nesse cenário flutua o ideal patrimonialista acompanhado da corrupção, do caixa dois, da violência e do fracasso anunciado das políticas públicas.
Nos altos escalões do Estado, salários superdimensionados continuam a ser turbinados com vantagens, num claro desafio ao futuro. Indiferentes, pequenos grupos enclausuraram-se nas estruturas de Poder do Estado, sugando a essência e a natureza da brasilidade.
Na expectativa de, “pelos menos” corrigir rumos sem interromper os fisiologismos, o Governo escorrega em inconveniências. Sugere ignorar a corrupção, condenando a transparência das escandalosos megatividades criminosas, e promete entregar aos estados e municípios a política de seguridade.
São manifestações tão irresponsáveis quanto aquela de que existem dois brasis – um do Norte, outro do Sul . Corre-se o risco de resgatar autonomias e lutas regionais, desestruturando as instituições e lançando o País num tumulto, sem cronograma. Consegue-se assim perpetuar a condição de “protetorado”
Estamos todos numa fria. Aliás, há muito tempo. Não existe projeto de governo e muito menos de País.
Tudo é improvisado, inclusive os dirigentes, que emergem de oligarquias, picadeiros e de corporações de ofícios. As disputas se processam com o sentido de tirar vantagens privadas da coisa pública. Ignora-se que o exemplo de cidadania deve vir de cima, e constitui-se na base moral da autoridade.
A Nação parece estar mesmo se desmanchando”, constata o general Luiz Eduardo Rocha Paiva, doutor em planejamento e estudos militares, chefe da Assessoria Especial da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme).
Tudo “é fruto de rumos desastrosos na direção política, originados de institutos populistas, gestões econômicas irresponsáveis e insustentáveis e muita corrupção”.
Para ele, o sistema educacional arrasta-se, agredido nas suas bases, desenvolvendo uma cultura exótica , que “ desfigura a formação cívica, desvaloriza a História e as tradições nacionais, enfraquecendo princípios morais e éticos, que dão alma à cidadania”, afirma.
No seu entender, “a crise de valores contamina a instituição familiar e abala a imatura sociedade brasileira”. Entende que, por meio de convicções pessoais, formadores de opinião promovem a satanização das alas conservadoras, cujo “pecado maior é entender que o progresso útil é aquele proveniente do saber acumulado e plantado nas virtudes e nos valores”.
A crise brasileira está beirando os limites. Adverte o militar que, “a continuar o ritmo de deterioração econômica, moral e social, a tendência será …o comprometimento da unidade política do País”. Lembra que “a unidade nacional é cláusula pétrea para as Forças Armadas”..
O Brasil embarcou tardiamente na economia de mercado, no desenvolvimentismo e na democracia plena. Nos últimos 100 anos, aconteceram a revolução russa, a chinesa, a ocupação e o desmanche do leste europeu, a crise de 29, a I e a II guerra mundial, a recuperação da Europa e do Japão, a guerra do Vietnam, do Afeganistão, a do petróleo, o fim o comunismo, a industrialização, os nacionalismos, as viagens planetárias e a globalização.
Nesse percurso, o Brasil tentou substituir exportações, e mal chegou lá; acreditou ser global, e já está quase fora. O lugar conquistado pelo Brasil nesse cenário foi vulgarizado, e agora é desdenhado.
Perderam-se bilhões na economia, voz, voto e credibilidade em quase todos os foros. País jovem, do futuro: quem, qual, onde? A realidade parece reclamar por um projeto de Nação com outros atores, e não exclusivamente reformas.
* Aylê é Jornalista, professor.