24/07/2020 às 07h55min - Atualizada em 24/07/2020 às 07h55min
Exclusivo: testemunha afirma que estudante picado por naja traficava cobras
Testemunha ouvida pela polícia afirma que Pedro Henrique comprava e vendia cobras. Servidora do Ibama é investigada por conceder, ilegalmente, documentos para o transporte de animais a pessoas próximas, inclusive a amigo de estudante picado
Uma suposta quadrilha formada por estudantes de medicina veterinária e servidores públicos é alvo do inquérito policial que apura um esquema de tráfico internacional de animais exóticos e silvestres. O documento, ao qual o Correio teve acesso com exclusividade, revela que, uma das testemunhas ouvidas pela polícia, confirmou, em depoimento, que Pedro Henrique Santos Krambeck Lehmkuhl, de 22 anos, estudante atacado por uma naja, comprava e vendia cobras exóticas desde 2019.
Ontem, a Justiça Federal da 1ª Região acatou o pedido do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para afastar uma servidora suspeita de conceder, ilegalmente, licenças para o transporte de animais desse tipo. Os beneficiados eram pessoas próximas, inclusive Gabriel Ribeiro de Moura, 24, amigo de Pedro Henrique.
Desde a data do incidente, em 7 de julho, a 14ª Delegacia de Polícia (Gama) e o Ibama vêm deflagrando operações de buscas e apreensões nas casas dos suspeitos. Estima-se que Pedro Henrique esteja ligado há, pelo menos, 18 serpentes exóticas, entre elas a naja kaouthia. O suposto esquema criminoso teria suporte da mãe dele, a advogada Rose Meire Candido dos Santos, do padrasto, o tenente-coronel da PMDF Clóvis Eduardo Condi, e de outros três amigos de Pedro, incluindo Nelson Junior Soares Vasconcelos e Gabriel (preso na quarta-feira por atrapalhar as investigações e ocultar provas). Todos são estudantes de medicina veterinária e, conforme o Correio apurou, estudam na mesma faculdade, no Gama. A reportagem ligou diversas vezes para o escritório de Bruno Rodrigues, advogado de defesa da família de Pedro, mas ele não atendeu às ligações.
Em depoimento, um dos conhecidos de Pedro afirmou saber que o estudante mantinha cobras em casa e que o jovem comprava e vendia as serpentes. A testemunha relatou que Gabriel Ribeiro tinha ficado encarregado em esconder as cobras e completou ressaltando que os dois são “imaturos, mas articulados, descolados e, visivelmente, engajados com o tema de animais silvestres. A mãe e o padrasto de Pedro compareceram à delegacia em 16 de julho para prestar esclarecimentos. Documento do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) mostra que os dois alegaram desconhecimento da existência da cobra na residência. O casal pagou uma multa no valor de R$ 17 mil por crimes ambientais.
Envolvida
Há fortes indícios de que a servidora do Ibama afastada do cargo por determinação judicial esteja envolvida com os fatos investigados pela polícia relacionados à organização de tráfico internacional de animais silvestres. Adriana da Silva Mascarenhas é lotada no Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (Cetas) do órgão. Com base na decisão da Justiça, ela é acusada de conceder uma licença irregular a Gabriel Ribeiro, em 12 de fevereiro de 2019. O termo, assinado pela funcionária, autoriza a entrega de uma cobra jiboia-arco-íris, nativa do Brasil, ao jovem. Porém, ele não tinha autorização para criá-la.
O modelo de licença do Cetas segue as recomendações das Divisões Técnico-ambientais (Ditec). É comum, por exemplo, expedições de licenças para o transporte de animais silvestres que necessitam de atendimento veterinário externo, deslocamento entre unidades do Ibama e para a destinação, seja até a soltura no ambiente natural ou para um cativeiro legalmente admitido. Entre os locais aptos a receberem esses animais estão o Zoológico de Brasília e hospitais veterinários.
Fora isso, é vedada a autorização de licença para outros meios. No caso da servidora, o Ibama considerou que, além de violar gravemente a legislação de regência, ela demonstra a intenção em conceder o documento infringindo a norma legal, uma vez que, “à época dos fatos, era responsável pelo Cetas, possuindo larga experiência da função”.
Autorizações ilegais
O Correio apurou que Adriana da Silva autorizou, também, a entrega de outras quatro cobras de espécie corn snake, dos Estados Unidos. As licenças foram emitidas em 13 de fevereiro de 2018 e em 19 de fevereiro de 2019, respectivamente. Ficou comprovado que a prática ilegal cometida pela servidora havia beneficiado pessoas próximas, como a manicure dela, que recebeu um mico-estrela, e a amiga do namorado, que conseguiu a autorização para a criação de dois papagaios.
Em declaração ao órgão, a manicure alegou que ela e Adriana são amigas e que o animal foi entregue como uma forma de ajudá-la no enfrentamento a uma depressão. No caso da outra mulher, a justificativa era a vontade de ter papagaios.
A servidora está afastada das funções até a conclusão das investigações. Ela está proibida de comparecer nas dependências do órgão, salvo para prestar depoimento em processo disciplinar, bem como o impedimento para acessar sistemas do Ibama. Na sexta-feira passada, o instituto afastou um outro funcionário, também lotado no Cetas, por suposto envolvimento no caso da naja. Até o fechamento desta edição, a reportagem não havia localizado a defesa de Adriana Mascarenhas. O espaço está aberto para manifestação.
Serpente norte-americana
Após ser um dos alvos da Operação Snake, deflagrada pela PCDF na quinta-feira passada, Nelson Júnior prestou depoimento na delegacia e afirmou que havia recebido uma serpente, corn snake, de presente.
Habeas corpus
» A advogada de defesa de Gabriel Ribeiro (amigo de Pedro Henrique), Amanda Bedaqui, informou à reportagem que entrou, ontem, com um pedido de habeas corpus.
» O jovem está na carceragem da Divisão de Controle e Custódia de Presos (DCCP), onde ficam os presos provisórios. Ele deve permanecer no local até domingo.