A escalada de tensão dentro do Ministério Público Federal começou em 27 de junho, quando a procuradora Lindora Araújo, braço direito de Aras, foi à Procuradoria da República no Paraná e solicitou dados da Lava-Jato que estavam em poder dos integrantes da operação em Curitiba. O grupo — há seis anos à frente das diligências que pararam o país e abalaram as estruturas da política nacional — estranhou o pedido e recorreu à Corregedoria do órgão para relatar o caso. Contrariado, Aras foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ter acesso às informações e conseguiu. As decisões do chefe do MP geraram uma divisão interna rápida e profunda.
A Procuradoria-Geral da República (PGR), sediada em Brasília e chefiada por Aras, tem poder de alterar estruturas e regras no MPF, inclusive para mudar a composição de equipes. O lado da corda representado por ele e por procuradores contrários aos métodos usados na Lava-Jato é, institucionalmente, mais forte. No entanto, qualquer decisão que provoque modificações profundas precisa passar pelo Conselho Superior do MPF. E é lá que está a resistência mais forte à gestão Aras. Dos 10 integrantes — além do PGR, que preside o conselho —, os subprocuradores Nicolao Dino, Nívio de Freitas Silva Filho, José Adonis Callou de Sá e Luiza Cristina Fonseca Frischeinsen representam a barreira para que o chefe do MP tenha passe livre no conselho. Além disso, os quatro são apoiadores da Lava-Jato e têm influência sobre os demais integrantes, o que cria um ambiente de resistência ao que procede do PGR.
Na última terça-feira, Aras afirmou que está na “hora de corrigir os rumos para que o lavajatismo não perdure”. Ele fez referência à operação que corre desde 2014 e que mira um gigantesco esquema de corrupção montado nas diretorias da Petrobras e de suas subsidiárias e que contou com larga participação de empreiteiras e políticos da mais alta cúpula da República.
Três dias depois, na sessão do Conselho, Dino leu a carta assinada por ele, Nívio Filho, Adonis Sá e Luiza Frischeinsen, na qual rechaçaram as declarações do PGR. “A fala de S. Exa. (Aras) não constrói e em nada contribui para o que denominou de ‘correção de rumos’. Por isso, não se pode deixar de lamentar o resultado negativo para a instituição como um todo — expressando, por que não dizer, nossa perplexidade —, principalmente, por se tratar de graves afirmações articuladas por seu chefe, que a representa perante a sociedade e os demais órgãos de Estado”, diz um trecho do manifesto.
Aras reagiu de forma ríspida e inesperada às críticas dos colegas. “Coragem nunca me faltou, e neste sentido, quero começar a dizer ao conselheiro Nicolao Dino — pessoa com que eu sempre tive excelente relacionamento profissional e pessoal — que não me dirigi em um evento acadêmico, se não pautado em fatos e provas. Fatos que se encontram sob investigação na corregedoria e no Conselho Nacional do Ministério Público”, ressaltou. “Cabe a eles apurarem a verdade, a extensão, a profundidade, os autores, os coautores e os partícipes. Acostumei-me a falar com provas e tenho provas. E essas provas estão depositadas em órgãos competentes”, emendou.
A força-tarefa em Curitiba também tem o apoio de equipes da Lava-Jato no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília e de procuradores influentes no Pará e em Minas Gerais. Chefiada por Deltan Dallagnol, a operação do MPF do Paraná tornou-se uma espécie de porta-voz das forças-tarefas. Os procuradores ganharam milhões de seguidores nas redes sociais, influência política e o apoio do ex-ministro Sergio Moro, que foi juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba. Ao longo dos anos, as equipes também colecionaram acusações de violação do devido processo legal, de atuação em conjunto com Moro e de divulgação de provas e de denúncias com interesses políticos.
Todas essas suspeitas, que provocaram ações das defesas dos réus no Supremo e reclamações no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), foram reunidas, agora, por Aras. Ele alega ter provas de irregularidades, inclusive, da existência de um banco de informações sobre 38 mil pessoas. Os dados seriam tão complexos que ocupam um espaço de 350 terabytes nos computadores. Essa capacidade seria suficiente para armazenar 87,5 milhões de fotos tiradas de uma câmera de 12 megapixels, ou 175 mil horas de vídeo. As informações prometem causar uma reviravolta no MPF nos próximos meses, inclusive, resultar no afastamento de procuradores.
A advogada Hanna Gomes destaca que os efeitos da crise podem levar a ações na Justiça, inclusive no âmbito de processos em andamento ou já encerrados. “Existe um real enfraquecimento do órgão, considerado que é único, com atuação em todo o território brasileiro. A Lava-Jato não é um órgão autônomo e deve prestar as informações à Procuradoria-Geral. Existe, sim, a possibilidade de prejuízo para investigados e processados”, argumenta. “Isso pode dar margem a suspeitas de extravagância de competências com a coleta de dados e informações sem indícios de crime. Pode gerar uma visão, para os defensores e os envolvidos, sejam testemunhas ou investigados, de enfraquecimento e provocar ações sobre essas condutas.”
Desde sexta-feira, declarações do procurador-geral da República, Augusto Aras, causam revolta nos grupos de discussão do MPF. A maioria das críticas é feita por procuradoras, que acusam Aras de machista e defendem a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, alvo de ataque. Aras afirmou: “Quero dizer, doutor Nicolao (Dino, subprocurador), que o senhor não vai gostar de nenhuma fake news sobre a sua família. E muito menos a doutora Luiza, que talvez não tenha família, mas, talvez tenha. Doutor Adônis muito menos. Mas enquanto eu estava aqui eu estava recebendo uma ataque à minha família”. Uma das procuradoras disse que “a fala do PGR, referindo-se a Luiza como uma pessoa ‘sem família’, me soou profundamente machista, agressiva e misógina”.