08/08/2020 às 06h57min - Atualizada em 08/08/2020 às 06h57min

​“Há pessoas fortes envolvidas” diz major da PMDF afastado após Caso Naja

Comandante afastado do Batalhão Ambiental Joaquim Elias Costa Paulino afirmou ao Metrópoles que foi usado como "bode expiatório"

MIRELE PINHEIRO
METRÓPOLES

 
Afastado preventivamente das atividades externas, por suspeita de atrapalhar as investigações da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) que apura esquema de tráfico internacional de animais, o major Joaquim Elias Costa Paulino, comandante do Batalhão Ambiental da Polícia Militar do DF (PMDF), afirmou ao Metrópoles que foi usado como “bode expiatório”. Segundo ele, foi para proteger e privilegiar integrantes do alto escalão da corporação que ele se tornou alvo.
 
As apurações tiveram inicio após Pedro Henrique Santos Krambeck Lehmkuhl, 22, ser picado por uma cobra Naja que criava clandestinamente em casa, no Guará. O estudante de medicina veterinária é suspeito de fazer parte de uma organização criminosa que trazia animais exóticos ilegalmente para o país.
 
O padrasto de Pedro é Clovis Eduardo Condi, que também é suspeito de envolvimento no crime de tráfico de animais. Condi é irmão do subcomandante-geral da corporação, Claudio Fernando Condi.
 
“Fiz o meu trabalho. Eu sei que por trás disso há uma rede grande de tráfico de animais, que atua não só no Brasil. Há pessoas poderosas envolvidas. Eu representava uma ameaça porque cumpria o meu dever. Apreendi mais de 10 cobras e ia continuar apreendendo. Tentaram me atingir achando que eu era a parte mais fraca, mas a verdade vai aparecer e eles vão descobrir que miraram no mais forte”, desabafou o policial.
 
Elias complementa afirmado que as cobras apreendidas, que pertencem a Pedro, caracterizavam tráfico. “Eram vários exemplares. Tinha serpente repetida, não é coisa de colecionador, caracteriza comércio ilegal”, destacou. Ainda de acordo com Elias, chama atenção o fato de o padrasto do jovem, um oficial da PM, não ter sofrido qualquer sanção.
 
“Quando você convive com seus irmãos, sabe dos gostos e do caráter dele. Será que ninguém sabia que o rapaz criava mais de 10 cobras em casa? Incluindo uma Naja que, particularmente, eu nunca tinha visto aqui no Brasil nem nos países que já visitei”, questionou.
 
Sobre o trabalho feito à frente do batalhão ambiental, sobretudo no dia da apreensão da Naja, o major define como exaustivo. “Passaram o meu telefone para um rapaz (Gabriel Ribeiro, amigo de Pedro). Ele me ligava dando informações desencontradas de onde iria deixar a cobra. Passamos o dia inteiro rodando. Ele ligava e depois desligava o celular. Teve uma hora que chegou a afirmar que estava tão desesperado que ia sumir com a cobra ou soltar o animal no mato”, relatou o major.
Segundo o policial, as buscas duraram o dia inteiro e, chegou um momento que ele cessou a procura e voltou ao batalhão. Foi quando o jovem ligou novamente e afirmou que ia deixar no shopping.
 
“Fiquei preocupado com medo de alguém pegar, de recolher achando que era lixo, da cobra conseguir sair da caixa e colocar outras pessoas em perigo. Porém, eu também queria prender esse rapaz. Pedia para ele permanecer por perto. A Polícia Civil disse que cheguei um minuto depois que ele saiu. Se eu soubesse quem ele era tinha prendido. Sequer imaginei que tinha essa diferença no tempo”, completou.
 
O major segue afastado das ruas e aguarda a conclusão das investigações conduzidas pela Corregedoria-Geral da PMDF, Ministério Público Militar e Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT).
 
Por meio de nota enviada ao Metrópoles, nessa quarta-feira (5/8), a PM confirmou que afastou o major Elias Costa e o capitão D. Rocha do BPMA.
“A PMDF informa que os policiais foram movimentados para a área administrativa. Tal ação foi solicitada pelo Departamento de Controle e Correição da PMDF, visando dar transparência às apurações”, afirmou a corporação por meio de nota.
Suspeitas
Imagens do circuito de segurança do Shopping Pier 21 obtidas pela 14ª Delegacia de Polícia (Gama) colocam policiais do BPMA em evidência. Relatórios que fazem parte do inquérito, obtidos com exclusividade pelo Metrópoles, levantam suspeita de que eles tenham agido supostamente para proteger os alvos da Operação Snake.
 
Segundo os documentos, as gravações mostram o momento em que o também estudante de medicina veterinária Gabriel Ribeiro, 24, amigo de Pedro, deixa a cobra Naja no estacionamento do estabelecimento comercial. Uma equipe da PM aparece no local em menos de um minuto e recolhe o animal.
 
A serpente estava dentro de uma caixa de plástico, próximo a um barranco, nas redondezas do shopping, no Setor de Clubes Sul. O fato ocorreu em 8 de julho, um dia após Pedro ser picado pela Naja. O rapaz foi levado ao Hospital Maria Auxiliadora, no Gama, e chegou a ficar internado, em coma.
 
No dia seguinte à apreensão da cobra, os policiais militares retornaram à 14ª DP com mais 16 serpentes. Todos os animais pertencem a Pedro Henrique e não tinham documentação. Estavam escondidos dentro de uma baia de cavalo em um haras do núcleo rural Taquara, em Planaltina.
 
“Mais uma vez, a PMDF apresentou os animais arrecadados sem conduzir ninguém à delegacia. Sendo que, coincidentemente, após poucos instantes, compareceu a esta circunscricional ‘espontaneamente’ o filho do dono do haras e também amigo de Pedro Henrique e Gabriel Ribeiro”, diz o inquérito conduzido pela Polícia Civil. O rapaz foi ouvido e confirmou ter permitido que Gabriel escondesse as serpentes de Pedro no local.
 
Segundo o depoimento dos policiais militares que apreenderam os animais, a empreitada ocorreu após uma denúncia anônima. Os PMs narram que receberam um ponto de referência e acabaram encontrando um haras. No imóvel, foram recebidos por um capataz, que indicou o local onde estavam as cobras. Os militares alegaram que não foi preciso conduzir a testemunha até a delegacia “pelo fato de residir ricamente naquele local”.
 
“Diante desse cenário, percebe-se que, desde o início da investigação, a autoridade policial responsável pela apuração vem encontrando severas dificuldades no tocante à obtenção de provas, o que decorre, lamentavelmente, da conduta praticada por policiais militares, especialmente o padrasto de Pedro, coronel Clovis Condi, e os policiais lotados no BPMA/PMDF comandado pelo major Elias Costa”, diz um dos trechos dos relatórios.

Tráfico
Segundo a PCDF, a partir dos elementos colhidos durante as investigações, foi possível verificar, pela grande quantidade de animais apreendidos, que “Pedro Henrique é traficante de animais silvestres e não mero colecionador.”
 
A afirmação é corroborada por mensagens de texto trocadas entre o jovem e a mãe dele. Em uma delas, o universitário passava pela cidade de Ibotirama (BA) e trazia consigo uma cobra. Ele também mantinha contatos de outros traficantes de animais.
 
A suspeita é que o Pedro tenha sido trazido a Naja kaouthia que criava como animal de estimação para o Distrito Federal a partir de uma licença irregular, emitida por uma servidora do próprio Ibama, que já foi afastada do cargo.
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