21/08/2020 às 07h42min - Atualizada em 21/08/2020 às 07h42min

Artistas do DF classificam como “censura” projeto de lei que proíbe nudez

A CLDF decidiu, em 1º turno, proibir pornografia e atores nus em performances e fotografias. Comunidade artística discorda da medida

Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) decidiu em 1º turno, na última terça-feira (18/8), proibir pornografia e atores nus em performances, fotografias, textos, desenhos, pinturas e vídeos no Distrito Federal. Agora, a apreciação do texto, de autoria do presidente da Câmara, Rafael Prudente (MDB), segue para 2º turno na próxima semana.

Mesmo que a decisão final ainda não tenha sido tomada, necessitando passar pelo crivo do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), artistas de Brasília já repercutem a decisão dos distritais. Em conformidade, integrantes da comunidade ouvidos pelo Metrópoles afirmam que o ato é parte de uma “censura e retrocesso” à liberdade de expressão de profissionais da cultura, como performistas, pintores, fotógrafos e outros.

“Antes de atrapalhar a vida profissional de um artista, atrapalha a condição constitucional que temos, que é sobre liberdade de expressão enquanto ser humano e sociedade. As pessoas podem escolher estar em contato ou não com aquele trabalho. Agora, restringir o sentimento de vida, de visão, ter parlamentares que querem chefiar aristas é só mais um sintoma deste país horroroso, onde a gente está de fato deturpando o que é emergência”, diz ao Metrópoles o ator e performer Jonathan Andrade.

Já Diego Bressani, também artista do DF, comenta que o texto em discussão na CLDF é um “retrocesso medonho e assustador”. “É a moral religiosa interpretando lei e isso é muito sério. É doentia a relação das pessoas com o próprio corpo. Ver a nudez como um tabu é assustador. Nós não vamos parar de fazer. Há quantos mil anos que a arte trabalha o corpo humano no mundo? Não vai ser um ‘deputadozinho’ de Brasília que vai proibir isso”, garante.

O projeto de Lei nº 1.958/2018 que, se aprovado, determinará multa de R$ 5 mil, surgiu após uma exposição em São Paulo, em que um homem nu era tocado por uma criança. No mesmo período, no Rio de Janeiro, mulheres introduziram objetos religiosos no corpo.

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Projetos do Fundo de Apoio à Cultura

O artista Kazuo Okubo, por exemplo, se viu afetado diretamente pelo projeto de lei. Desde o começo do ano passado, o fotógrafo monta o projeto O Inventário, que chegou a causar uma grande polêmica entre mulheres e coletivos feministas. A intenção é reunir imagens de vaginas de mulheres cisgênero e transexuais. Acontece que o trabalho recebeu, em 2016, verba do Fundo de Apoio à Cultura (FAC). O artista comentou que não sabe se poderá expôr o resultado, mas garantiu que não vai parar de produzi-lo.

“Se a lei for aprovada, eu vou ter dificuldade de colocar [o projeto] na rua, já que são fotografias que retratam a vulva feminina. Eu não me importaria de colocar uma censura para maior de idade em uma exposição e vai quem quer. Quem não se agrada, se agride, tem opção de não ir. Agora, não expor eu acho um absurdo”, assegura Okubo.

Questionados sobre o projeto de lei para artistas que conseguiram verba pública em seus trabalhos, mesmo que exponham nudez, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) do DF disse que só vai avaliar a questão caso a legislação seja, de fato, aprovada. “Neste momento, a pasta não tem o que declarar sobre a proibição, uma vez que essa votação segue ainda seu rito [lesgislativo]”, comentou em nota enviada ao Metrópoles.

Assim como Okubo, Bressani e Andrade acreditam que as consequências para a sociedade, se a medida for aprovada, são muito maiores do que os impactos econômicos nos artistas, que podem ficar sem trabalho.

“Eu tenho trabalhos focados no universo da nudez, mas são muito distintos, minhas obras são em muitas vertentes, sempre esteve livre de ter ou não nudez. A parte econômica é inevitável, mas não consegui parar para pensar sobre isso. Sinto que não seja o mais importante”, reflete Jonathan.

Preservação da família

Em discussão na CLDF, que terminou o 1º turno com sete votos favoráveis e seis contrários, parlamentares citaram a preservação da família. “Não nos omitiremos diante de atos que possam causar constrangimento aos cidadãos de diversas idades, crenças e costumes. Objetivo primordial desta matéria, ora submetida à apreciação desta Casa de Leis, é a promoção do bem-estar e a preservação da família constitucionalmente protegida”, colocou Rafael Prudente.

Quanto ao tema, os artistas entrevistados pelo Metrópoles citaram que não cabe à parlamentares definirem o que é a formação de uma família.

“Eu sou família. Quando se tem uma fala em defesa da família, de que família estamos falando? Essa família padrão não existe. Não é sobre o lugar de chocar ou polemizar, a diferença sempre choca quem não quer enxergar. Uma sociedade que não encara uma diversidade temática, expressiva, de subjetividade, está censurando e condenando nosso direito de nos olharmos de forma muito mais empática”, garante Jonathan Andrade.

A nudez está na arte, porque a arte é sobre a vida, é sobre a sociedade. Uma das questões é o corpo no mundo, a partir das minhas ações, das roupas que visto e do meu corpo

DIEGO BRESSANI

Caso aprovado em 2º turno, o projeto de lei precisa ainda passar por sanção ou veto do governador Ibaneis Rocha. Se vetado, a CLDF poderá, mesmo assim, derrubar a proibição.


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