Antes de a investigação contra os supostos desvios de dinheiro da Associação dos Filhos do Pai Eterno (Afipe), em Trindade, na Região Metropolitana de Goiânia, chegar à Polícia Civil e ao Ministério Público de Goiás, o Vaticano já tinha conhecimento e acompanhava de perto as denúncias contra o padre Robson de Oliveira Pereira, fundador e presidente da entidade. O religioso nega irregularidades.
A informação foi repassada pelo superintendente de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP), delegado Alexandre Pinto Lourenço, que apurou parte das denúncias e participou de uma reunião com dois representantes da Ordem Redentorista, em setembro de 2019, em São Paulo.
“Eles narraram que já tinham ciência e que estavam acompanhando as denúncias. Pelo que percebemos, eles tinham um conhecimento avançado da situação. Porém, não nos disseram se havia em curso alguma investigação interna pelo Vaticano”, afirma o delegado.
Segundo Lourenço, os possíveis atos ilegais praticados pelo padre com o dinheiro doado por fiéis do país inteiro chegaram ao Vaticano por meio de pessoas de dentro da Igreja Católica. O MP-GO e a Polícia Civil apuram neste momento desvios de R$ 120 milhões para compra de imóveis de luxo não ligados à atividade religiosa, entre eles, uma fazenda no valor de R$ 6,3 milhões e uma casa na praia de Guarajuba (BA), no valor de R$ 3 milhões.
Apesar da declaração do delegado, a Arquidiocese de Goiânia, responsável pelo Santuário do Divino Pai Eterno, em Trindade, reiterou que não recebeu informações sobre as denúncias. Em nota, disseram “nunca houve qualquer questionamento por parte do Vaticano em face da Afipe ou da pessoa do padre Robson de Oliveira e, se houve algum contato com o secretário de Segurança Pública, não foi com representantes do Vaticano”. No entanto, a Arquidiocese não responde pela Ordem Redentorista e recomendou que fossem procurados.
A Ordem Redentorista, que cuida da Congregação da Igreja Católica, foi procurada pela reportagem às 18h11, por e-mail, único instrumento disponibilizado pela arquidiocese, mas não recebeu um retorno até a publicação desta reportagem.
A assessoria do padre Robson de Oliveira afirmou em nota que “os conselheiros pertenciam à Congregação do Santíssimo Redentor. Eles não são emissários da Santa Sé. A carta recebida pela congregação fazia apenas suposições, todas refutadas na apuração. O padre Robson é o maior interessado na verdade e na transparência, tanto que já solicitou ao Ministério Público do Estado de Goiás para ser ouvido, o que ainda não foi agendado”.
O próprio padre pediu afastamento de suas funções à frente da Afipe e da igreja de Trindade ao alegar que quer colaborar com a investigação. No domingo (23), o arcebispo metropolitano Dom Washington Cruz suspendeu temporariamente o direito do padre de realizar celebrações.
Lourenço disse ao G1 que os redentoristas estiveram em São Paulo em outra oportunidade, possivelmente em 2018, para tratar das possíveis irregularidades.
“Essas duas vindas do Vaticano ao Brasil precederam a nossa entrada nas investigações. Na reunião em que participamos, no ano passado, eles demonstraram preocupações com os desvios de dinheiro, mas disseram que aguardariam os desdobramentos da nossa investigação para tomar qualquer providência”, comenta Lourenço.
Entenda o caso
No dia 21 de agosto, o MP deflagrou a Operação Vendilhões, que apura desvios de verba e lavagem de dinheiro na Afipe
A ação apura o uso de dinheiro da Afipe – em sua grande maioria doado por fiéis – na compra de fazendas, casas de praia e outros imóveis de luxo. O MP afirma que eram usados “laranjas” e empresas de fachada para a prática dos crimes
Um processo de extorsão sofrido pelo padre Robson originou a ação do MP. A Justiça afirma que um hacker extorquiu o pároco tinha um romance com ele e ameaçava expor casos
A investigação aponta que a Afipe movimentou cerca de R$ 2 bilhões na última década. Ao menos R$ 120 milhões teriam sido desviados
Fundador e presidente da Afipe, padre Robson se afastou do cargo por conta da operação. Ele era o responsável por gerir um orçamento de R$ 20 milhões mensais
Comportamento do padre durante as extorsões
A investigação que culminou na operação Vendilhões, realizada pela Polícia Civil e o MP, para coletar mais informações sobre a conduta do padre à frente da Afipe, começou com os episódios de extorsão, em 2017, sofridos por Robson de Oliveira por hackers que ameaçavam expor casos amorosos e ilicitudes no comando da igreja.
Naquela ocasião, o dinheiro usado para pagar pelo silêncio dos hackers saiu das contas da Afipe. Foram R$ 2,9 milhões empenhados. A defesa do padre afirmou que o recuso foi reconquistado e está em conta judicial aguardando a Justiça de Goiás para voltar para as mãos da associação.
Padre Robson admitiu que fez alguns repasses aos chantagistas sem o monitoramento da polícia. O intuito dos pagamentos, de mais de R$ 2,9 milhões, segundo o sacerdote, era evitar que fossem a público supostos casos amorosos dele.
A defesa do padre Robson disse que “reforça que todo o conteúdo das mensagens é falso, o que comprova que ele foi vítima de criminosos de altíssima periculosidade”. Salienta ainda que “os responsáveis já foram condenados pelo Judiciário e cumprem rigorosas penas. Por fim, destaca que o religioso “não tem e nunca teve nenhum patrimônio”.
Mas o delegado Alexandre Lourenço estranhou o comportamento do padre durante a investigação. Para ele, é “no mínimo suspeito” os pagamentos ocorrerem mesmo com a Polícia Civil atuando sobre o caso.
“Se ele não devia nada, por que insistiu e fez pagamentos mesmo sendo acompanhando por policiais civis? Pagamentos foram feitos de forma ocultada à investigação. É no mínimo suspeito. Algum problema existia no caso”, questiona o delegado.
Lavagem de dinheiro de fiéis
O MP-GO constatou que padre Robson e a Afipe usavam de “laranjas” e empresas de fachadas para desviar recursos oriundos de doações de fiéis e lavar dinheiro da entidade. O esquema foi alvo da Operação Vendilhões, deflagrada na última sexta-feira (21).
Na decisão que autorizou a operação, assinada pela juíza Placidina Pires, o MP narra uma série de depósitos, pagamentos e negociações da Afipe com empresas de comunicação, postos de combustíveis e, inclusive, políticos.
Crimes investigados:
Apropriação indébita
Lavagem de dinheiro
Falsificação de documentos
Sonegação fiscal
Associação criminosa