03/09/2020 às 07h27min - Atualizada em 03/09/2020 às 07h27min

De salários à lei de greve: reforma administrativa propõe novo serviço público

Bolsonaro anunciou que entregará texto da matéria nesta quinta-feira. No Congresso, tema divide parlamentares

Após adiamentos, pedidos de demissão na equipe econômica de inconformados com a demora, pressão externa e um longo período na gaveta, a entrega da reforma administrativa, prometida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para esta quinta-feira (3/9), enfim deflagra o processo para algo que o governo insiste desde muito cedo: criar um novo serviço público.

Mexer no mecanismo da estabilidade – mesmo que apenas para futuros servidores –, alterar progressão das carreiras e mudar estrutura dos salários, regulamentar lei de greve e arrochar avaliações de desempenho envolve interesses e variáveis que não combinam e colocam em lados antagônicos servidores, governo e parte do Congresso.

A discussão promete elevar a tensão e ser mais um termômetro da força de Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, no Congresso.

Para tentar diminuir a intensidade da briga, o governo prepara a divisão da proposta em ao menos três fases, deixando temas mais espinhosos para mais tarde – embora quais exatamente serão deixados para uma batalha seguinte só se saberá nesta quinta-feira (3/9).

Para se ter dimensão de como o assunto é radioativo, a entrega do texto-base foi adiada quatro vezes. Engavetada, desde janeiro a reforma está sob os cuidados do Palácio do Planalto e chegou a ser cogitada para apenas 2021.

Agora, o governo acredita na aprovação ainda em 2020. O texto sempre foi defendido por Guedes como um dos passos para destravar a economia nacional. O governo trabalha para criar um consenso entre parlamentares e técnicos para que o texto não seja desfigurado. Contudo, não está livre de cizânia.

Veja os principais pontos previstos para a reforma administrativa:
  • Estabilidade: fim da estabilidade para novos servidores, exceto em certos casos, para carreiras consideradas de Estado.
  • Carreiras: redução significativa do número de carreiras, que hoje ultrapassa 300. A estimativa é de que não passem de 30
  • Progressão: fim da progressão automática por tempo de serviço.
  • Contratação: criação de contrato de trabalho temporário e estímulo à contratação pela CLT por concurso.
  • Salários: aproximação entre os salários do funcionalismo e os do setor privado; redução dos salários de entrada e ampliação do prazo para chegar ao topo da carreira.
  • Lei de greve: regulamentação da lei de greve no setor público, prevista na Constituição, com normas dificultando paralisações.
  • Regras: criação de novo Código de Conduta para o funcionalismo.
  • Desempenho: regulamentação da avaliação de desempenho, também prevista na Constituição, e implantação de sistema adicional de avaliação, além do concurso, para certas carreiras.
  • Executivos: adoção de novo sistema de avaliação e seleção de altos executivos para o setor público.

Para o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público e que se coloca como defensor do funcionalismo público, a reforma projetada como está penaliza o servidor e prioriza somente o ajuste fiscal.

“É importante fazer uma discussão séria baseada em evidências, porque o que está em questão são os rumos do serviço público no Brasil. Se a reforma partir meramente do ajuste fiscal, já começa destinada ao fracasso. Não dá para pensar em cortes secos e lineares”, defende o parlamentar, que lidera um grupo de 235 deputados e seis senadores de 23 partidos.

Israel Batista defende que a reforma deve aperfeiçoar o funcionalismo e construir um consenso. “Não vamos aceitar precarização da relação de trabalho com contratos terceirizados, perda de direitos e remuneração, risco à estabilidade e caça às bruxas”, finaliza.

“Efeito eleições”

O debate promete deixar a Esplanada dos Ministérios e atingir também as eleições. Entidades que representam os servidores organizam uma campanha nacional contra a reforma. Deputados, senadores, prefeitos, vereadores e candidatos serão cooptados para debater o assunto.

“O governo chama de reforma administrativa, mas, na nossa visão, reforma é para melhorar. Quando reformamos a nossa casa, fazemos melhorias. Não me parece ser o intuito do governo”, critica o secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva. Ele completa: “Não se pode na campanha defender corte de direitos e depois dar tapinha nas costas dos servidores na eleição”.

Estabilidade e redução de salários são os pontos cruciais. “Faremos uma análise do conjunto da obra e acompanharemos como o Congresso irá tratar o tema. Vamos enfrentar o desafio da retirada de direitos”, pondera.

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Contratações temporárias

Outro fator crucial é a flexibilização de contratações temporárias. “Relativizar esse ponto, como parece ser a inclinação do governo, significa precarizar o serviço público, favorecendo a ingerência política e o aparelhamento da máquina pública por apaniguados partidários”, afirma o presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques.

Metrópoles mostrou que o governo federal pretende gastar R$ 1,5 bilhão com a contratação de 10,5 mil temporários por um prazo de 30 meses. No primeiro semestre deste ano, esse tipo de contratação superou em 33% a de estatutários. A medida é defendida por Guedes como forma de enxugar o funcionalismo público.

Pelo termômetro dos sindicalistas, o clima não está bom. “Há um grande temor em relação aos pontos adiantados”, conclui Rudinei.


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