Após adiamentos, pedidos de demissão na equipe econômica de inconformados com a demora, pressão externa e um longo período na gaveta, a entrega da reforma administrativa, prometida pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para esta quinta-feira (3/9), enfim deflagra o processo para algo que o governo insiste desde muito cedo: criar um novo serviço público.
Mexer no mecanismo da estabilidade – mesmo que apenas para futuros servidores –, alterar progressão das carreiras e mudar estrutura dos salários, regulamentar lei de greve e arrochar avaliações de desempenho envolve interesses e variáveis que não combinam e colocam em lados antagônicos servidores, governo e parte do Congresso.
A discussão promete elevar a tensão e ser mais um termômetro da força de Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, no Congresso.
Para tentar diminuir a intensidade da briga, o governo prepara a divisão da proposta em ao menos três fases, deixando temas mais espinhosos para mais tarde – embora quais exatamente serão deixados para uma batalha seguinte só se saberá nesta quinta-feira (3/9).
Para se ter dimensão de como o assunto é radioativo, a entrega do texto-base foi adiada quatro vezes. Engavetada, desde janeiro a reforma está sob os cuidados do Palácio do Planalto e chegou a ser cogitada para apenas 2021.
Agora, o governo acredita na aprovação ainda em 2020. O texto sempre foi defendido por Guedes como um dos passos para destravar a economia nacional. O governo trabalha para criar um consenso entre parlamentares e técnicos para que o texto não seja desfigurado. Contudo, não está livre de cizânia.
Para o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Serviço Público e que se coloca como defensor do funcionalismo público, a reforma projetada como está penaliza o servidor e prioriza somente o ajuste fiscal.
“É importante fazer uma discussão séria baseada em evidências, porque o que está em questão são os rumos do serviço público no Brasil. Se a reforma partir meramente do ajuste fiscal, já começa destinada ao fracasso. Não dá para pensar em cortes secos e lineares”, defende o parlamentar, que lidera um grupo de 235 deputados e seis senadores de 23 partidos.
Israel Batista defende que a reforma deve aperfeiçoar o funcionalismo e construir um consenso. “Não vamos aceitar precarização da relação de trabalho com contratos terceirizados, perda de direitos e remuneração, risco à estabilidade e caça às bruxas”, finaliza.
O debate promete deixar a Esplanada dos Ministérios e atingir também as eleições. Entidades que representam os servidores organizam uma campanha nacional contra a reforma. Deputados, senadores, prefeitos, vereadores e candidatos serão cooptados para debater o assunto.
“O governo chama de reforma administrativa, mas, na nossa visão, reforma é para melhorar. Quando reformamos a nossa casa, fazemos melhorias. Não me parece ser o intuito do governo”, critica o secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva. Ele completa: “Não se pode na campanha defender corte de direitos e depois dar tapinha nas costas dos servidores na eleição”.
Estabilidade e redução de salários são os pontos cruciais. “Faremos uma análise do conjunto da obra e acompanharemos como o Congresso irá tratar o tema. Vamos enfrentar o desafio da retirada de direitos”, pondera.
Outro fator crucial é a flexibilização de contratações temporárias. “Relativizar esse ponto, como parece ser a inclinação do governo, significa precarizar o serviço público, favorecendo a ingerência política e o aparelhamento da máquina pública por apaniguados partidários”, afirma o presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques.
O Metrópoles mostrou que o governo federal pretende gastar R$ 1,5 bilhão com a contratação de 10,5 mil temporários por um prazo de 30 meses. No primeiro semestre deste ano, esse tipo de contratação superou em 33% a de estatutários. A medida é defendida por Guedes como forma de enxugar o funcionalismo público.
Pelo termômetro dos sindicalistas, o clima não está bom. “Há um grande temor em relação aos pontos adiantados”, conclui Rudinei.