14/09/2020 às 07h44min - Atualizada em 14/09/2020 às 07h44min

Saiba quem é o nome “terrivelmente evangélico” preferido dos pastores para o STF

William Douglas é juiz federal, escrito, coach e pastor. Defende princípios bíblicos nas relações de trabalho e igrejas abertas na pandemia

“Terrivelmente evangélico.” A expressão ficou famosa após ser antecipada, em julho de 2019, como pré-requisito pelo presidente Jair Bolsonaro para a escolha a ser feita para a vaga que se abrirá em novembro no Supremo Tribunal Federal (STF), com a aposentadoria do ministro Celso de Mello.

A promessa foi dada pelo presidente em julho de 2019, ao participar de um culto da bancada evangélica na Câmara dos Deputados. Na semana passada, com a aproximação da saída do decano do Supremo, marcada para novembro, quando ele completa 75 anos, lideranças religiosas trataram de comunicar a Bolsonaro o nome preferido do grupo.
Trata-se do juiz federal William Douglas Resinente dos Santos, atual titular da 4ª Vara Federal em Niterói (RJ). Ele já foi delegado de polícia e defensor público no Rio de Janeiro. Hoje, além da atuação como juiz federal, William Douglas é pregador na Igreja Batista e em outras denominações evangélicas.

O pedido foi feito pelo pastor Silas Malafaia diretamente ao presidente, em reunião no Palácio da Alvorada, e recebeu endosso de líderes de Assembleia de Deus, Igreja Batista, Igreja Fonte da Vida, Igreja Quadrangular, M12 e Igreja da Graça.

O nome de William Douglas agora disputa a preferência de Bolsonaro com outro jurista visto com bons olhos pela bancada evangélica, o hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça.

Coach

Fora do Judiciário, o nome do juiz federal também funciona como uma espécie de marca lucrativa, apresentada por meio do site williamdouglas.com.br. Lá estão seus sucessos de vendas como escritor, a exemplo da publicação “Como Passar em Provas e Concursos”, da Editora Impetus, da qual é sócio e membro do conselho editorial.

A mistura de crença e escrita faz parte da vida do juiz, que viaja o país em suas pregações. Outro livro de William Douglas é “As 25 Leis Bíblicas do Sucesso”. Com traduções para vários idiomas e cerca de 250 mil cópias vendidas, a publicação aponta a Bíblia como “o melhor manual sobre o sucesso já escrito até hoje”.

Na apresentação do livro, ele sustenta que o livro sagrado dos cristãos não trata apenas de religião, mas também de “valores fundamentais para se construir uma base sólida para a vida profissional”.
Nessa publicação, William Douglas tem a coautoria do ex-secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro Rubens Teixeira. Ele também é ex-diretor financeiro e administrativo da Transpetro, e foi denunciado em 2018 pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) por peculato e fraude em licitação, devido a um contrato sem concorrência entre a Transpetro e uma empresa de consultoria chamada Gênesis, no valor de R$ 1,5 milhão.

Os autores apontam no livro que os princípios presentes em passagens bíblicas foram determinantes no sucesso de grandes empresários, e citam trajetórias como a do investidor norte-americano Warren Buffett; a de Napoleon Hill, considerado um dos primeiros autores de sucesso de livros de autoajuda; e Jim Collins, conhecido por suas publicações na área de gestão.
O brasileiro Eike Batista também figura entre os exemplos a serem biblicamente seguidos. Eike construiu fortuna com empresas de exploração de petróleo, perdeu grande parte e acabou condenado a oito anos de prisão em regime semiaberto por manipulação do mercado financeiro.

O juiz informou que “atua como magistrado federal de carreira, liderando equipe que já recebeu diversos prêmios de reconhecimento, e também como professor, palestrante e escritor. Apesar de ser frequentemente citado por diversos coachs, ele não exerce essa atividade”, destacou.

Ao falar sobre suas parcerias nas publicações, ele informou que “é grato aos prefaciadores e coautores de suas obras, todos qualificados para tratar dos assuntos abordados”. “Os problemas que essas pessoas tiveram depois da publicação dos livros são assuntos particulares delas e que não concernem a William Douglas”, destacou, em nota enviada à reportagem.

Pandemia

Em julho deste ano, enquanto a pandemia de coronavírus em todo o país já apresentava índices alarmantes de infecção e de mortes, o juiz William Douglas se alinhava ao discurso do presidente Jair Bolsonaro contrário ao isolamento social como forma de prevenir a infecção. O pastor defendia a abertura das igrejas.
Em uma pregação na Assembleia de Deus, no bairro de Madureira, na zona norte do Rio de Janeiro, o juiz usou passagens da Bíblia para exemplificar a “sede” dos cristãos por estarem nos templos de forma presencial, comparando a necessidade com a de uma padaria.

“Vem cá, amigo, você está sentindo falta de padaria? [Não, porque elas seguiram abertas, como serviço essencial] Se faltasse, você ia sentir falta?”, questionou.
O juiz ainda usou o mesmo argumento do presidente de que a Constituição garantia o direito das pessoas em se reunirem nos templos, ou seja, o princípio da liberdade religiosa, ignorando as circunstâncias apontadas na época pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que indicou o isolamento social.
“Mas o templo, que é onde nos reunimos, é um lugar protegido pelos Direitos Humanos e pela Constituição, é atividade essencial, não pode ser fechado por ninguém. Isso é um direito civil. Eu não estou falando de religião, eu estou falando de direito constitucional. Temos o direito de nos reunir, está na Constituição, e temos que conhecer os nossos direitos”, defendeu.
“Cristão é mais cobrado”
Em seus sermões e nas redes sociais, não é raro William Douglas exibir sua proximidade com o poder em Brasília, tanto comentando fatos políticos quanto falando de suas viagens à capital federal. Na mesma pregação, em julho, ele comentou as inconsistências descobertas no currículo do então indicado para comandar o Ministério da Educação após a saída de Abraham Weintraub, Carlos Alberto Decotelli.
Cinco dias após ser nomeado para cargo pelo presidente, Decotelli entregou uma carta de demissão, maneira encontrada pelo governo para encerrar a crise criada com uma série de inconsistências no currículo divulgado por ele, que é cristão da Igreja Batista e pai de filhas que são missionárias.
“Eles são mais rigorosos com a gente. Quando teve um problema agora, de um cristão que foi nomeado para o ministério e tinha uma falsidade no currículo, bateram muito mais porque era cristão… Às vezes chega a ser injusto, porque batem muito mais porque você é cristão”, disse o juiz perante os fiéis.

O juiz conta com a simpatia do bolsonarismo, ao ponto de ser tietado pelo filho do presidente Eduardo Bolsonanro (PSL-SP) em um voo de Brasília para o Rio em 2019. “Satisfação encontrar num voo o Prof. e Juiz William Douglas @Site_WD . Só de 1º colocado ele foi nos concursos CPOR/RJ (Infantaria), juiz de direito/RJ, defensor público/RJ, delegado PC/RJ e vestibular direito UFF”, elogiou o deputado.

Estado laico

O tema da relação entre religião e Estado é muito presente nos discursos de William Douglas. Em palestra proferida em 2016, ele defendeu a presença de símbolos religiosos nas repartições públicas, e já falava sobre a necessidade de uma bancada evangélica forte na política, assegurando aos fiéis que o Estado laico, princípio constitucional, “não pode ser entendido como Estado sem religião”.

“Os senhores sabem que existem muitas pessoas querendo impedir que existam bancadas religiosas e bancadas que representam religião na política e no Congresso. Parte disso talvez seja culpa das bancadas religiosas, que têm se comportado de uma forma não religiosa”, avaliou. “O fato é que existe hoje gente dizendo que os Estado é laico, não pode ter cruz nas repartições públicas. No entanto, a corte europeias de direitos humanos já disse o seguinte, que a cruz é o símbolo da paz”, disse. “Aquela cruz que está ali diz que esse país teve colonização cristã”, apontou.

No pensamento apresentado por William Douglas, o fato de o Brasil ter sido colonizado por cristãos é que “garantiu tanta liberdade”: “É por isso que homossexuais não são lançados dos altos dos prédios. É por isso que as mulheres não usam burca. É por isso que elas podem entrar na política e no governo, e por isso que nós não deixamos que crianças com 9 ou 10 anos se casem ou virem vítimas de exploração sexual”, disse o pastor, que reclamou que toda essa liberdade agora é usada para atacar os cristãos.
“Foi com os cristãos que nós conquistamos um país com tanta liberdade”, apregoou.

Ataques
Na mesma palestra, o pastor dirigiu críticas públicas ao então deputado Jean Wyllys, homossexual e militante de direitos humanos alvo costumeiro de ataques bolsonaristas. Para William Douglas, Jean só chegou onde chegou porque estudou graças aos cristãos. “O próprio deputado Jean Wyllys, que tanto bate nos cristãos, estudou em uma comunidade eclesial de base, ele estudou em uma escola católica. Se ele pôde chegar onde chegou é porque havia ali um cristão.”

 
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