Mesmo em meio à fritura (que ainda nem bem teve o fogo desligado) do ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) priorizou encontros com o chefe da equipe econômica do governo a reuniões com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.
Durante a pandemia do coronavírus, os dois têm travado uma queda de braço por respeito ao teto de gastos públicos (saiba mais abaixo). Enquanto Marinho prega e pressiona o Palácio do Planalto por mais investimentos governamentais – como obras, por exemplo – fora do teto de gastos públicos, Guedes mostra enorme resistência ao assunto.
No mês passado, o ministro da Economia criticou auxiliares do presidente que, segundo ele, aconselham Bolsonaro a “furar” o teto de gastos como forma de se fortalecer na disputa pela reeleição. De acordo com Guedes, se fizer isso, o presidente se aproximará de uma “zona de impeachment”.
De acordo com , com base na agenda presidencial de 11 de março a 11 de setembro (data em que a pandemia do coronavírus completou seis meses) Bolsonaro se encontrou 87 vezes com Paulo Guedes, e apenas 28 com Marinho – os encontros podem ter sido individuais ou coletivos.
Marinho e Guedes estiveram juntos, no gabinete do presidente Bolsonaro, em apenas cinco oportunidades.
Durante esse período, Bolsonaro se reuniu mais com o ministro da Economia no primeiro trimestre da pandemia, quando teve 46 encontros com Guedes.
No segundo trimestre, a diferença foi pequena – 41 reuniões –, mas que reflete o processo de fritura ao qual o chefe de equipe econômica foi submetido (entenda mais abaixo). Já Marinho se encontrou 18 e 11 vezes, respectivamente no mesmo período.
A regra do teto de gastos foi criada em 2016, ainda durante a gestão de Michel Temer (MDB), por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC).
De acordo com a regra, durante 20 anos as despesas da União só podem ser o equivalente ao gasto do ano anterior corrigido pela inflação.
A PEC aprovada pelo Congresso também estabelece que o texto pode ser revisto após 10 anos.
No entanto, em razão da pandemia do coronavírus, alguns grupos políticos têm pressionado o governo para alterar a regra, para permitir que a União gaste mais do que o limite atual.
Segundo esses grupos, a ideia seria que, com a mudança, o governo aumente os investimentos públicos e impulsione a economia do país.
Após a declaração do ministro Paulo Guedes sobre Bolsonaro ser conduzido para uma “zona de impeachment”, caso viesse a furar o teto de gastos, o presidente se reuniu com políticos e ministros para dizer que o governo respeita o teto e quer “responsabilidade fiscal”.
No dia seguinte, no entanto, durante uma transmissão ao vivo nas redes sociais, Bolsonaro disse que “a ideia de furar o teto de gastos existe” e indagou: “Qual o problema?”.
“A ideia de furar o teto existe, o pessoal debate, qual o problema? Na pandemia, temos a PEC [proposta de emenda à Constituição] de guerra, nós já furamos o teto em mais ou menos R$ 700 bilhões”, declarou Bolsonaro.
Em linhas gerais, a “PEC do Orçamento de Guerra” autorizou o governo federal a excluir, das metas fiscais, os gastos extraordinários motivados pela pandemia do coronavírus. Na prática, o texto fez com que a União, ao gastar mais, não desrespeitasse a regra do teto e incorresse em crime de responsabilidade fiscal.
Há três motivos para o descontentamento do presidente Bolsonaro com o ministro Paulo Guedes. São eles:
O Pró-Brasil é um conjunto de medidas econômicas e sociais para que o país retome a economia em meio à pandemia do coronavírus.
O Renda Brasil, que integra o pacote, é uma proposta que está sendo preparada pelo governo em substituição ao Bolsa Família e poderá pagar até R$ 300 aos beneficiários. Mas Guedes tem dito a Bolsonaro que, para chegar a esse valor, é preciso cortar deduções de saúde e educação do Imposto de Renda.
Além disso, pela proposta da equipe econômica, haveria uma revisão de programas considerados “ineficientes”, como abono salarial, salário-família, seguro-defeso e Farmácia Popular.
A proposta não agradou o presidente, que suspendeu os dois projetos durante evento do governo em Minas Gerais. “Não posso tirar de pobres para dar a paupérrimos. Não podemos fazer isso aí”, disse.
A proposta de reforma administrativa é elaborada pelo governo federal desde 2019 e é considerada prioritária pela equipe econômica para equilibrar as contas públicas do país.
Em fevereiro deste ano, Bolsonaro chegou a anunciar que o envio da proposta seria feito após o feriado de Carnaval, mas acabou recuando. O mercado financeiro sentiu a demora.
A demora do governo em enviar o texto ao Congresso fez com que Paulo Uebel, agora ex-secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, pedisse demissão do cargo em agosto.
Uebel era um dos integrantes da equipe de Guedes que trabalhava mais arduamente na elaboração da proposta, mas deixou o governo no mês passado diante da falta de definição sobre o futuro da proposta.
Dias após ao impasse, o governo enviou a proposta ao Congresso no início do mês.