08/11/2020 às 09h38min - Atualizada em 08/11/2020 às 09h38min

Igreja é acusada de enganar família por causa de terra em Corumbá

Dona Creuza e seu Zé moram no terreno desde 2008. Igreja reivindica posse após 22 anos sem ocupar local

TÁCIO LORRAN
METRÓPOLES

 

 

Era tarde do último dia 16 de setembro quando Cleiton das Neves Macedo, de 53 anos, avisou a mãe, a aposentada Creuza Raimunda Neves, a dona Creuza, de 75 anos, que a polícia estava na porta da chácara deles. O pedaço de terra se encontra em uma valiosa e disputada região em Corumbá de Goiás (GO). E as autoridades estavam lá para cumprir um mandado de despejo (imissão na posse) que fora autorizado pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO).

 Além dos dois policiais e de um oficial de Justiça, representantes do Estado, foram ao local o advogado Joabe Samuel Freitas de Souza, o pastor Carlos Disney e um funcionário – os três pertencentes à Igreja Presbiteriana de Anápolis (GO), que reivindica a posse da terra onde moram Cleiton, dona Creuza e o marido dela, José Gonçalves da Silva Irmão, o seu Zé, de 57 anos, desde 2008. Ou seja, há 22 anos.

Em seguida, chegou também um caminhão de mudanças para que a família se retirasse da chácara, que tem cerca de 50 hectares – o equivalente a 50 campos de futebol. Agitada, dona Creuza temia ali o fim trágico de uma duradoura batalha judicial contra a Igreja Presbiteriana, que os acusa de terem invadido o local.

“Eu falei: ‘Eu não saio. Se ficar uma muda de planta minha, eu não saio’. Aí me autorizaram a vir no dia seguinte para levar as coisas, mas o doutor André [Luiz] já tinha ido lá em Corumbá, com o seu Zé, e suspendeu a ordem. Foi a hora que o pastor Carlos ficou bravo”, relembra dona Creuza, sentada ao lado do companheiro, tímido, em uma cadeira de madeira, ao receber a reportagem do Metrópoles.

 O juiz de direito substituto em segundo grau Eudélcio Machado Fagundes aceitou recurso impetrado pela defesa do casal em desfavor da Igreja Presbiteriana Pioneira e anulou a reivindicatória de posse e ação rescisória que tinha sido aceita pelo juiz de direito Levine Raja Gabaglia Artiaga. A liminar está valendo até o julgamento final do recurso, ainda sem data para acontecer.

“Fomos enganados”

A defesa de seu Zé e dona Creuza, feita pelo advogado André Luiz, acusa o pastor Silas Vicente Bernardes, da Igreja Presbiteriana de Anápolis, de ter enganado o casal e feito com que assinasse um documento, em 2018, em que supostamente os dois autorizavam a devolução da posse da chácara à entidade cristã. O discurso apresentado pelo líder religioso, porém, era, segundo eles, de que a igreja estaria desistindo do terreno.

Segundo relato do casal, o pastor Silas Vicente se aproximou da família por volta de 2012. Passado alguns anos, em março de 2018, após ganhar certa familiaridade, teria convidado dona Neuza, que tem diabetes, para conhecer um médico em Anápolis. Ela foi ao local com o marido, acompanhados do líder religioso.

 No entanto, a defesa relata que, apesar de o encontro ter sido marcado na frente do Hospital Evangélico Goiano, dona Creuza e seu Zé não foram levados em nenhum momento para o tal médico citado pelo pastor Silas Vicente, mas, sim, a um escritório de advocacia, onde os dois teriam assinado um documento, inconscientemente, em que autorizavam a devolução da terra.

“A assinatura do acordo sequer foi presenciado por qualquer testemunha ou mesmo o procurador do apelante, não sendo informado ao requerente por qualquer meio que permita que se conclua que o requerente tenha sido regularmente informado de todo o seu teor, o que não ocorreu, mesmo porque, dificilmente se pode crer que espontaneamente o apelante analfabeto teria abdicado de todos seus direitos quanto a sua única propriedade e posse onde reside com sua família”, diz o advogado, no pedido de efeito suspensivo contra o mandado de imissão de posse.

Rurícola, José Gonçalves da Silva Irmão é analfabeto. Ele trabalhou, e trabalha, na roça, fazendo cerca, capinando mato e plantando o próprio alimento. Por sua vez, Creuza Raimunda Neves tem baixa visão. Após anos trabalhando como gari, hoje é aposentada e ganha R$ 660 – ela fez um empréstimo consignado para comprar um remédio e, por isso, não recebe nem mesmo um salário mínimo.

“Nós chegamos, e entramos num escritório. Ele [pastor Silas] entrou lá dentro e chamou. Eu pensei que era um médico, mas não era, era um advogado. Pegou uns papel lá, chamou um rapaz, e falou: ‘A senhora assina aqui porque nós vamos desistir da terra’. Aí assinamos. Quando a gente descobriu o que tinha assinado, era a gente desistindo do terreno e que a gente tinha que sair dia 19 de março”, diz dona Creuza, ao relembrar a data exata do ocorrido, sem qualquer ajuda extra – ficou na memória.

“Igual o ‘polícia’ falou no dia da ação de despejo, maldito o homem que confia no homem. A gente confiou nele [pastor Silas Vicente] e deu nisso. E de lá para cá tem essa guerra, vai embora e não vai”, prossegue a dona de casa, ao ajeitar os óculos de grau e arrumar o turbante azul que usa na cabeça encobrindo parte dos cabelos grisalhos.


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