19/12/2020 às 05h53min - Atualizada em 19/12/2020 às 05h53min

Senador Irajá paga empresas investigadas pela PF com cota parlamentar

Parlamentar também enfrenta acusação de estupro e pagará indenização às famílias de 2 mortos em acidente com ônibus dirigido por funcionário

Após ser denunciado por estupro no fim de novembro, o senador Irajá Abreu (PSD-TO) prepara-se para enfrentar um processo no qual, afirma, provará sua inocência. O político é acusado por uma modelo de 22 anos de tê-la estuprado. Um boletim de ocorrência foi registrado pela mulher, em São Paulo, que afirmou ter sido dopada, levada a um flat, no Itaim Bibi, e abusada por ele. Por se tratar de investigação de crime contra a dignidade sexual, o processo segue sob segredo de Justiça.

Essa não é, porém, o único problema judicial sério no histórico do político. Levantamento feito pelo Metrópoles aponta que o filho da senadora Kátia Abreu (PP-TO) usa desde 2013, quando era deputado federal, verba parlamentar para contratar gráfica investigada pela Polícia Federal em um esquema de corrupção que teria custado R$ 54 milhões aos cofres públicos de Tocantins entre 2015 e 2017.

O político tem sido personagem recorrente no Metrópoles – e sempre pelo mesmo motivo, o uso de carro oficial do Senado Federal para frequentar luxuosa academia no Setor de Clubes Sul, em Brasília, o que, no artigo 4º da Lei nº 1.081, de 13 de abril de 1950, é “rigorosamente proibido”.

Ele também brigou na Justiça, durante 7 anos, para não pagar indenização a quatro crianças que ficaram órfãs, depois que seus pais morreram em acidente que teve como culpado, segundo a Justiça, o motorista de um ônibus pertencente ao senador, que à época era deputado federal.

Entenda a seguir as confusões judiciais em que está metido o senador, que acaba de ser o relator da recém-aprovada Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021 (LDO), base para o futuro orçamento do país.

Gasto com gráfica

Hoje senador, Irajá, desde 2013, quando exercia o primeiro mandato como deputado federal, gasta parte da cota parlamentar com empresas investigadas pela Polícia Federal.

Em 7 anos, o político já desembolsou quase meio milhão de reais com a Prime Solution, a Copiadora Exata e a WR Gráfica e Editora, todas empresas gráficas de Tocantins investigadas na Operação Replicantes, deflagrada em novembro de 2019 por supostos crimes de peculato, fraudes em licitações, desvio de recursos e lavagem de dinheiro durante a gestão do ex-governador Marcelo Miranda (MDB). O esquema teria custado R$ 54 milhões aos cofres públicos entre 2015 e 2017.

A Prime Solution, para qual o senador pagou R$ 110 mil desde que assumiu a cadeira no Senado Federal, tem como sócio administrador Clésio Antunys Pereira Mendonça, que foi indiciado pela PF por ser laranja no esquema criminoso.

As investigações, no entanto, apontaram que tanto a Prime quanto a Exata e a WR fazem parte de um mesmo grupo, chamado de Exata, pertencente ao empresário Franklin Douglas Alves Lemes, preso em novembro de 2019. Ele só conseguiu deixar a prisão em janeiro deste ano após pagar fiança de R$ 1 milhão.

Lemes é acusado de lavagem de dinheiro, desvio de recursos e ameaças contra jornalistas. A denúncia contra ele foi aceita pela Justiça no dia 6 de janeiro de 2020.

Apesar das investigações, o senador continua fazendo negócios com a empresa. Por mês, ele paga R$ 5 mil para a gráfica, que aluga 5 impressoras para o político (3 da marca Brother e 2 HP).

Procurados, os advogados do grupo Exata disseram, em nota, que “todos os contratos mantidos pelo grupo são regidos pela estrita legalidade e passíveis de auditagem a qualquer momento. Também deixam claro que tanto Franklin quanto seus funcionários estão à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários”.

 

Em nota, a assessoria do senador afirmou que “a investigação citada refere-se a contratos entre a Secretaria de Educação do Estado do Tocantins em um governo com o qual o senador nunca teve qualquer ligação política e que aliás foi opositor durante a gestão. A opção pela contratação das empresas se deu sempre com base em tomada de preço e valor de mercado de Palmas para prestação de serviços como a impressão de informativos para a divulgação da atividade parlamentar. Todos os serviços contratados foram prestados e entregues. Importante ressaltar que essas empresas não foram declaradas inidôneas pela Justiça e nem impedidas de contratar com o serviço público”.

Batalha judicial

Um ônibus transportava funcionários de uma das fazendas de Irajá, em Gurupi (TO), em 28 de abril de 2012, quando o condutor não respeitou a preferência da via e bateu em cheio na traseira de uma moto, que levava piloto e um passageiro na garupa.

 

O motorista do ônibus não tinha carteira de habilitação e era menor de 21 anos. Outro funcionário da fazenda chegou a ser apresentado por uma advogado de Irajá à polícia como o responsável pelo acidente, mas a tentativa não vingou, como consta no processo, e o funcionário que realmente conduzia o ônibus foi condenado na área criminal por homicídio doloso. Ele teve a pena convertida em prestação de serviços à comunidade.

DIVULGAÇÃO
Imagem divulgada à época do acidente

“O laudo pericial elaborado pelo Instituto de Criminalística do Estado do Tocantins é estreme de dúvidas no sentido de que o acidente automobilístico que ceifou a vida das vítimas Gilmar Pinto da Silva e Domingos Pereira da Silva foi causado pelo veículo automotor tipo ônibus pertencente ao réu/apelante Irajá Silvestre Filho e conduzido por um funcionário seu”, descreveu o ministro Antonio Carlos Ferreira, em sua decisão sobre o recurso levado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2019.

Cada um dos homens tinha dois filhos pequenos, na época do acidente. As famílias ficaram em situação de “extrema necessidade”, segundo o advogado das vítimas, Jorge Barros Filhos. “Eu cheguei a tirar dinheiro do meu bolso para eles pagarem gás e comida”, relata o defensor. O advogado também acusa Irajá de ter fechado um acordo pelas suas costas, com as vítimas, após 7 anos de idas e vindas na Justiça.

“Ele devia mais de R$ 1 milhão às duas famílias em valores atualizados. Este ano, sem eu saber, o advogado dele procurou as famílias, que são muito humildes, e ofereceu pagar R$ 150 mil para cada, com argumento de que eles mandavam na Justiça do Tocantins, ou era isso ou nada. As famílias aceitaram por medo de ficarem sem nada”, afirma Barros Filho.

Irajá foi condenado em primeira e em segunda instância a indenizar as famílias em R$ 50 mil cada e a pagar pensão de dois salários mínimos a cada filho dos homens que faleceram, até que eles atingissem os 18 anos, mas recorreu até o STJ e apontou que as vítimas tinham culpa pelo acidente, segundo consta no processo. O STJ manteve a condenação e, desde 2013, ele paga pensões às crianças.

A Justiça concedeu antecipação de tutela, ou seja, determinou que Irajá pagasse pensão antes mesmo da sentença em definitivo, porque o que estava em questão era a garantia de alimentos das crianças que ficaram sem os pais, os principais provedores daqueles lares. “Em se tratando de colisão entre o direito aos alimentos e à vida com o direito patrimonial, aqueles devem sobrepor-se a este pela importância e em virtude da ponderação de valores.”

O relator no STJ decidiu que:

“Deve ser majorado para R$ 60 mil a indenização fixada por danos morais em favor especificamente de cada um dos autores/apelantes que são filhos das vítimas fatais, tendo em vista que o valor estipulado na sentença não atende à tríplice função (punitiva, pedagógica e compensatória) da indenização por danos morais, bem como não compensa a dor imensurável decorrente da perda de seus respectivos genitores, suportada pelos demandantes/recorrentes ainda na infância”.

Quando o STJ manteve a condenação, em 2019, o advogado Jorge Barros Filho entrou com uma ação para o cumprimento da sentença. “A Justiça penhorou alguns bens dele, alguns imóveis. Mas Irajá entrou com ação rescisória e disse que não tinha conhecimento desse inquérito. Como não sabia se o processo vinha desde 2012?”, questiona o advogado.

O advogado chama de “vergonhosa” a decisão do TJTO, que, em 2020, acatou o argumento e desbloqueou os bens do senador. “Foi então que, para a minha surpresa, Irajá fechou acordo com meus clientes e o juiz homologou esse acordo recente. Ele ainda vai pagar as indenizações parceladas”, diz Barros Filho. O advogado diz que o processo continua, pois ele ainda não recebeu seus honorários.

Por meio da Assessoria de Imprensa, o senador Irajá Abreu informou que o processo retornou para a origem e foi suspenso por decisão do TJTO:

“No dia 21 de setembro de 2020, as partes homologaram um acordo e os valores estão sendo pagos desde então. Importante ressaltar que de 2013 até a homologação do acordo o senador Irajá pagou uma pensão mensal para as duas famílias envolvidas na ação, calculada com base na renda que os dois homens recebiam em vida. Além disso, continuará pagando essa pensão para um dos filhos citados desses homens até ele completar 18 anos. Importante ressaltar também que o senador não era o motorista do ônibus no momento do acidente”, declarou.


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