O presidente Jair Bolsonaro apostou alto na eleição das mesas diretoras do Congresso – e ganhou. Com Arthur Lira (PP-AL) presidindo a Câmara e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o Senado, o Executivo poderá contar, num primeiro momento, com uma relação mais fluida com o Legislativo.
Pressionado pela pandemia de coronavírus e pela crise econômica, porém, o governo tem uma curta janela de oportunidade para destravar suas pautas e colher resultados antes que uma eventual pressão social comece a corroer as estruturas da aliança formada entre o Palácio do Planalto e os parlamentares do Centrão, analisam especialistas políticos
A queda na popularidade do presidente medida nas últimas pesquisas nacionais traz a reboque o aumento do volume dos pedidos de impeachment – um dos motivos da aliança de Bolsonaro com o grupo de parlamentares que criticava na campanha. Elegendo seus novos aliados para o comando das Casas Legislativas, o chefe do Executivo deixa mais distante, por ora, essa ameaça.
“Apesar de Rodrigo Maia (DEM-RJ) também não ter pautado esses pedidos, era uma ameaça que existia, e agora fica afastada, é o principal efeito positivo dessa vitória para o Bolsonaro”, avalia o cientista político Sérgio Praça, professor e pesquisador da Escola de Ciências Sociais do Fundação Getúlio Vargas no Rio.
“Outra vitória que o governo colhe é na possibilidade de pautar sua agenda. Com Maia, mesmo em pautas que avançaram, como a Reforma da Previdência, ideias do governo foram barradas. Com Lira, a expectativa é de que ele possa, se não facilitar, ao menos não dificultar”, completa o cientista político, que aponta, porém, o alto preço cobrado pelo Centrão como motivo de preocupação para o presidente.
“O Centrão venceu essa eleição talvez mais do que o Bolsonaro. Eles têm o mérito de terem se unido para apresentar um candidato ao Bolsonaro. Isso não é fácil, como vimos com o grupo do Rodrigo Maia na escolha do Baleia Rossi (MDB-SP). Então, eles viram que têm um poder e uma articulação grande. Por enquanto, esse poder está favorável ao governo federal”, analisa Praça.Para dar esse poder a Bolsonaro, o Centrão tem cobrado caro em emendas para obras e em cargos. Está prevista para as próximas semanas uma minirreforma ministerial para acomodar melhor a base que foi conquistada, mas precisa ser mantida. Entre os cargos de primeiro escalão que devem ser oferecidos a políticos, segundo negociações das últimas semanas, está o Ministério da Educação, que pode ser comandado pelo deputado federal João Roma (Republicanos-BA), também cotado para a pasta da Cidadania.
Os fatores que podem virar essa maré favorável ao governo no Congresso são a atual falta de reação econômica e um agravamento nas consequências da pandemia de coronavírus, que já tirou a vida de mais de 225 mil brasileiros.
“Não temos claro ainda qual é o tamanho da ira da sociedade”, afirma o cientista político Rui Tavares Maluf, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). “Ainda que não sejam a maioria, 42% defendendo o impeachment é um número expressivo”, complementa o pesquisador, referindo-se a levantamento do instituto Datafolha divulgado no fim de janeiro. Segundo a pesquisa, para 53% dos entrevistados, a maioria, a Câmara dos Deputados não deveria abrir um processo de impeachment.
Para Tavares Maluf, se o governo não conseguir viabilizar a vacinação contra o coronavírus, essa insatisfação deve aumentar tanto entre os cidadãos comuns quanto nos donos do capital, que só projetam uma retomada com fôlego se houver vacinação em massa. “A dimensão que a pandemia ganhou no Brasil é resultado de uma clara irresponsabilidade do presidente da República. Se não houver uma melhora nessa gestão, vamos ver o acúmulo de resistência a Bolsonaro, que já se manifesta até em setores da direita que saíram as ruas contra ele, vai crescer”, prevê o pesquisador, que lembra a traição dos parlamentares do Centrão à ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2016.
“A opinião pública pesa. Se começam a se espalhar muito fortemente as manifestações, uma parcela dos deputados que apoiam, por sua própria sobrevivência ou por ordem ética, pode mudar de lado”, conclui o professor.
E esse acirramento das críticas ao governo deverá ser potencializado por uma oposição que deve tirar alguma força da derrota eleitoral, na opinião do especialista em direito eleitoral e político Acacio Miranda da Silva Filho.
“Ao menos na questão retórica, de discurso, a tendência é de que a oposição, principalmente a formada pelos partidos de esquerda, se acirre agora. O Rodrigo Maia servia como um pêndulo, dialogava, fazia uma interlocução que Arthur Lira não deverá fazer, então a oposição fica mais ferrenha”, avalia o jurista e analista político.
“E essa oposição mais ferrenha acaba repercutindo nos movimentos sociais e nas entidades que protestam contra o presidente. A insatisfação social caso se perceba uma blindagem que o líder do Legislativo possa fazer ao Executivo será crescente. O governo estará apanhando de fora para dentro, e isso acaba, claro, vazando para o Congresso e corroendo o apoio político”, conclui Silva Filho.
A eleição no Congresso foi marcada pela forte presença de manifestantes bolsonaristas na Esplanada dos Ministérios e nos arredores do prédio do Parlamento. Vindos de todas as regiões do país de ônibus, os militantes pediam a eleição de Arthur Lira e, como consequência natural, o encaminhamento de pautas conservadoras, encabeçadas pela proposta de adoção do voto impresso como um sistema paralelo ao das urnas eletrônicas.
Os bolsonaristas querem que o tema seja votado este ano para valer nas eleições presidenciais de 2022. A pauta é defendida pelo próprio presidente Bolsonaro, que comemorou a “cédula de papel” na eleição de Pacheco, e pelo seu entorno mais ideológico, mas não empolgou os novos aliados de Bolsonaro no Congresso.
E possíveis demoras na chamada pauta de costumes, lembraram todos os especialistas ouvidos pela reportagem, não poderão ser creditadas por Bolsonaro na conta da má vontade de Maia.
Outra frente que o governo poderá retomar com lideranças mais amigáveis no Congresso é a das reformas para racionalizar os gastos públicos. A pauta de Paulo Guedes, porém, concorre com as pressões também de dentro da base para aumentar os gastos públicos na área social, retomando o auxílio emergencial, que acabou em dezembro último. Bolsonaro tem repetido que é contra, porque não há espaço fiscal para o benefício.
No Senado, após vencer a eleição, Pacheco defendeu as reformas e disse que elas são instrumentos para a o desenvolvimento do país. Entre as pautas defendidas pelo governo estão as reformas administrativa e tributária. “Submeterei ao crivo do Parlamento as reformas necessárias para o desenvolvimento da economia”, prometeu.
Em seu primeiro discurso após a eleição, ele ainda disse que pretende criar na Casa a liderança da Oposição, estrutura que já existe na Câmara e que se equilibra com a figura da liderança do Governo.
A votação de ontem não reflete, necessariamente, a base do governo, mas dá alguma sinalização da força que Bolsonaro terá pelos próximos meses. No Senado, em votação secreta, Pacheco conquistou 57 dos 81 votos possíveis. A concorrente Simone Tebet (MDB-MS) teve 21 votos.
Na Câmara, além da votação que elegeu Lira com folga (302 de 504 presentes), o governo pode se fiar no histórico recente. Um levantamento da BBC Brasil mostrou que, ao longo do ano de 2020, o governo contou com o apoio, nas votações na Câmara, de em média 305 deputados — mais que os 171 votos necessários para impedir que a Câmara dê início ao processo de impeachment e quase os dois terços necessários para aprovar PECs. Em média, o governo conseguiu que sua orientação fosse seguida por 59,7% de 512 deputados em 2020.