Acontece que o dromedário, de 2 metros de altura e 300 quilos de peso, também não gosta de ser testado para o coronavírus.
Grunhe e se debate. Três funcionários o seguram pelo pescoço, focinho e cauda, enquanto um veterinário em jaleco azul rapidamente realiza o teste.
"Tirar uma amostra do animal é difícil porque nunca se sabe o que pode acontecer (...) se você fizer errado, pode ser pior porque ele pode bater, te morder", explica Nelson Kipchirchir, veterinário da reserva natural de Kapiti.
Nesta manhã (15/4) nublada, um dos cuidadores recebeu um coice durante a coleta de amostras - nasal e de sangue - realizadas em 10 dos 35 dromedários de Kapiti.
Nesta imensa planície de 13.000 hectares pertencente ao International Livestock Research Institute (ILRI), cuja sede mundial está em Nairóbi, coexistem animais silvestres e rebanhos de gado, dedicados à pesquisa.
O ILRI começou a estudar os dromedários do Quênia em 2013, um ano após o surgimento de um vírus preocupante na Arábia Saudita: o MERS-CoV, o coronavírus que causa a síndrome respiratória do Oriente Médio.
Com a pandemia de covid-19, o mundo descobriu a extensão das zoonoses, os vírus transmitidos por animais e que representam 60% das doenças infecciosas humanas, segundo a OMS. A gama é ampla: morcegos, pangolins, aves...
No caso do MERS-CoV, segundo a OMS, o vírus foi transmitido às pessoas por meio do contato próximo com esse ruminante, levando a uma epidemia que causou centenas de mortes em todo o mundo entre 2012 e 2015, principalmente na Arábia Saudita.
O vírus causa sintomas semelhantes aos da covid-19 (febre, tosse, falta de ar e um leve resfriado em dromedários), mas é muito mais letal, matando uma em cada três pessoas doentes.
No Quênia, o dromedário faz muito sucesso. Os consumidores apreciam seu leite e carne, e os pastores nômades em regiões áridas estão satisfeitos com sua adaptação ao aquecimento global.
"O dromedário é muito importante", diz Isaac Mohamed, um dos cuidadores de Kapiti.
"Em primeiro lugar, não morrem em caso de seca. Em segundo, podem ficar 30 dias sem beber", explica este homem magro do extremo norte, na fronteira da Etiópia e da Somália, áreas onde abundam os camelídeos.
Embora tenha cerca de 3 milhões, o Quênia ainda não conhece bem esse animal.
Nos laboratórios do ILRI em Nairóbi, a bióloga Alice Kiyong'a recebe regularmente amostras de dromedários de diferentes regiões do Quênia. Usando uma pipeta, reagentes e máquinas, analisa cada um para a presença de MERS, inicialmente transmitido pelo morcego.
Uma investigação de 2014 revelou a existência de anticorpos contra MERS em 46% dos dromedários estudados, mas apenas em 5% das pessoas (dos 111 cuidadores de camelos e trabalhadores de matadouros, foram 6 positivos).
"O MERS que temos atualmente no Quênia não é facilmente transmitido aos humanos", em comparação com o MERS mais contagioso da Arábia Saudita, conclui.
Tal como acontece com a covid-19, os pesquisadores estão obcecados com a possibilidade de que possam aparecer variantes que tornem o MERS do Quênia mais contagioso para as pessoas.
"É exatamente como com a covid, (...) surgiram variantes, como a B.1.1.7 (na Inglaterra). É o mesmo com o MERS: o vírus muda o tempo todo", enfatiza Eric Fèvre, especialista em doenças infecciosas no ILRI e na Universidade de Liverpool (Reino Unido).
"Adoraria ter uma bola de cristal e poder dizer se algum dia será extremamente perigoso para as pessoas, ou se será com algumas mutações genéticas. Acho que o importante é manter um esforço de vigilância (...) porque assim estaremos preparados quando isso acontecer", acrescenta Fèvre.
Em 2020, o Grupo de Especialistas em Biodiversidade da ONU (IPBES) alertou que as pandemias serão mais frequentes e mortais no futuro devido ao aumento do contato entre animais selvagens, rebanhos e pessoas em razão da destruição do meio ambiente.