Atrapalha também a resistência do Poder Judiciário, que já considerou inconstitucional uma lei prevendo o voto impresso em 2015, quando a previsão era de que a mudança custasse R$ 2,5 bilhões para as eleições dos 10 anos seguintes.
Membros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já avisaram a políticos que, ainda que a PEC seja aprovada, um ano seria pouco para desenvolver o novo sistema e comprar todos os equipamentos necessários. O presidente da Corte, Luís Roberto Barroso já se manifestou dizendo que o voto impresso "seria inútil" para conter as dúvidas sobre fraudes, além de muito caro. Não há cálculos atualizados sobre o custo.
Pelo texto proposto por Bia Kicis, o eleitor seguirá votando na urna eletrônica, mas ela terá uma impressora acoplada, na qual a pessoa poderá ver o voto impresso antes de apertar a tecla confirma.
O eleitor não sai da sessão com o comprovante, o papel fica numa urna lacrada e os votos são guardados para eventuais auditorias ou recontagens se houver questionamentos sobre o resultado da eleição.
A partir daí, começam as dúvidas – para além do custo. Quem poderia questionar resultados? Sob quais argumentos? Haveria recontagem de 100% dos votos? Ou uma auditoria em uma porcentagem deles? Quem recontaria, humanos ou máquinas? Ainda que ninguém peça, haverá auditoria em parte dos votos? Quantos?
Essas e outras questões seriam debatidas, idealmente, por meio de leis ordinárias regulamentando a emenda constitucional, mas os bolsonaristas buscam colocar tudo no texto da PEC para ganhar tempo e atender às demandas do presidente, que tem feito ameaças do tipo “sem voto impresso [em 2022], é sisnal de que vai ter eleição".
Nesta segunda-feira (31/5), a comissão especial terá mais uma audiência pública para debater a viabilidade do voto impresso a partir das 14h. Em outra audiência. no último dia 20, especialistas convidados pelos deputados mostraram como ainda há mais dúvidas do que certezas sobre o tema.
O engenheiro Amílcar Brunazzo, especialista em segurança de dados e voto eletrônico, que acompanha o processo eleitoral desde 2000 e participou de várias auditorias, como a que o PSDB pediu sobre a eleição nacional de 2014 e que não achou indícios de fraude, falou primeiro. Ele afirmou por videoconferência que não tem como dizer que o sistema já foi fraudado, mas que não tem como garantir que não tenha sido. “Eu acho que há falhas de segurança, mas o sistema não tem transparência suficiente pra se detectar fraudes”, afirmou ele, que defende a impressão do voto como forma de dar confiança ao sistema. “Hoje o eleitor não tem como ver o voto dele, o registro”, afirmou.
O especialista em direito eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul Ângelo Soares Castilhos também participou e disse considerar legítima a preocupação com a segurança, mas defendeu o atual sistema e informou que ele é auditável, inclusive pelos boletins que cada urna produz após o fim da votação, com a totalização de votos para cada candidato.
Castilhos mencionou as dificuldades técnicas. “Se for fazer uma recontagem de 100% dos votos, podemos ter o cenário caótico que existia até os anos 1990, com muitas pessoas trabalhando por muitos dias para fazer recontagens. E quem guarda o guarda? Se três equipes fizessem contagem e recontagem de determinada sessão, teria-se três resultados ligeiramente diferentes, ainda que por poucos votos. Contagem, quando tem intervenção humana, dificilmente vai se eximir de erros”, defendeu.
“Além disso, a impressão pode ser potencial geradora de tumultos, porque é sabido que a impressora é a peça mais sensível em qualquer contexto informatizado. E também precisamos pensar nos mesários, que são cidadãos voluntários. Precisamos ter o cuidado de não impor ônus excessivo a essas pessoas, e fatalmente teremos conflitos de eleitores exaltados com problemas que esse sistema poderá trazer”, argumentou ainda o especialista do TRE-RS.
A deputada Bia Kicis disse que aceita negociar uma auditoria parcial, mas insiste que todas as urnas imprimam os votos (e que se audite uma porcentagem deles). Segundo ela, se parte das urnas não imprimir, permanece o temor de fraudes de um software malicioso. “O software é inteligente, saberá se a urna está imprimindo”, disse ela na sessão.
No TSE, como forma de lidar com o avanço do debate, também já se discute aumentar o número de urnas auditadas para tentar contornar a vontade dos bolsonaristas. Até as últimas eleições, em 100 urnas pelo país o eleitor tinha também o voto impresso e havia a conferência ao final. Agora, a ideia é fazer o processo em mais urnas.
Na comissão na Câmara é admitida a hipótese de uma porcentagem das urnas imprimir os votos. Pela ideia, todas as urnas seriam aptas a imprimir, mas apenas uma porcentagem de urnas sorteadas receberia o equipamento, reduzindo custos e facilitando a operação.
Apesar da defesa do PDT de um voto auditável, a ideia de mudar a Constituição agora, em meio à pandemia, para responder a denúncias sem provas do presidente Jair Bolsonaro não empolga a maioria dos partidos.
O líder do PT na Câmara, deputado Bohn Gass (PT-RS), votou pelo voto impresso em 2015, mas agora vê a questão como “um debate fora de hora”.
“Bolsonaro tem medo de perder a eleição e está buscando uma justificativa para manter seu discurso de perseguição, copiando mais uma vez o Donald Trump. O Congresso sabe disso e não permitirá”, prevê o petista.
As definições sobre a adoção ou não do voto impresso, sobretudo para 2022, acontecerão nos próximos três meses.