24/04/2017 às 06h38min - Atualizada em 24/04/2017 às 06h38min

Natura abandona Marina Silva e diz que ela perdeu espaço

Empresa que esteve por trás da eleição de Marina Silva em 2014, a Natura praticamente abandonou a ex-senadora; “Infelizmente Marina perdeu espaço. Ela é um recurso ético e moral do país, mas depois da eleição se acomodou e perdeu visibilidade e liderança”, disse Pedro Passos, um dos sócios da empresa, em entrevista publicada neste domingo.

Agenda Capital

Pedro Luiz Passos, um dos donos da empresa de cosméticos Natura e colunista da Folha, acredita que é preciso preservar o governo Temer e as reformas que vêm sendo implementadas até a eleição de 2018. “Temos de cumprir a lei. Mas, se for legalmente possível preservar a agenda, o país sairá ganhando. Mexer nisso agora seria muito doloroso.”

 

O empresário tem medo de que a descrença na política provocada pela delação da Odebrecht favoreça o surgimento de “outsiders”. “Temos que tomar cuidado com gestores ou xerifes”, afirmou.

 

Folha – As delações da Odebrecht foram devastadoras para os políticos. Qual é o impacto para o Brasil?

 

Pedro Luiz Passos – Estamos no meio do furacão, mas o sentimento geral é de uma revisão de cabo a rabo, que não vem poupando a classe política ou os empresários. Foram expostos erros de gerações. É complicado porque pode dar a sensação de que todos os políticos têm o mesmo padrão de comportamento.

 

Os executivos da Odebrecht relatam caixa dois para a campanha de todos os cinco ex-presidentes vivos. Não são todos iguais?

 

Sem dúvida uma grande parte da classe política está contaminada, mas vamos sair mais fortalecidos desse processo. Novas lideranças estão surgindo, embora ainda não a nível nacional.

 

Pagaremos uma conta dura, porque tem impacto no desenvolvimento e na economia por anos, mas vejo sinais de que o eleitor está em busca de novas lideranças.

 

Que sinais são esses?

 

A população parece mais consciente de que não é com jeitinho que vamos corrigir o país. As discussões sobre as reformas são conturbadas, mas trazem informação para a população. O eleitor amadureceu e aprendeu com a crise que o Estado não pode prover tudo. Coincidentemente estamos no fim de um ciclo recessivo. A melhora vai ser lenta, mas pode ser consistente.

 

Duas questões ainda me preocupam: o risco de as investigações tornarem o país disfuncional e o governo não conseguir implementar as reformas mínimas.

 

Para manter as instituições funcionando, é preciso preservar o governo Michel Temer mesmo depois das denúncias que atingiram seus principais auxiliares?

 

Em primeiro lugar, temos de cumprir a lei. Não dá para preservar ninguém se a lei disser ao contrário, mas, para o país, seria difícil enfrentar mais uma transição de curto prazo.

 

É complicado perder o governo atual, que tem todas essas fragilidades de ter sido atingido por denúncias, mas, por outro lado, conta com uma boa equipe econômica. Uma equipe que diz de maneira clara a agenda que o país precisar enfrentar.

 

Se legalmente for possível preservar essa agenda até 2018, o país sairá ganhando. Mexer nisso agora seria muito doloroso.

 

Já foram feitas muitas mudanças na reforma da Previdência. Continua valendo a pena?

 

Acho que ainda vale a pena porque toca em pontos que eram tabu no Brasil.

 

Estamos colocando uma idade mínima para aposentadoria, apesar das exceções, e uniformizando um pouco as privadas e públicas.

 

Talvez não seja a reforma definitiva. Pode ser que daqui a dez anos vamos precisar de uma nova rodada, mas vai na direção correta.

 

Há um ano, as expectativas eram muito ruins, com risco-país altíssimo, dólar a R$ 4 e preços represados. Começo a ver sinais de melhora em vários setores, até na indústria.

 

Nas eleições municipais, saiu fortalecida a figura do gestor, em vez do político. O que senhor acha disso?

 

Não vamos fazer política com os antipolíticos, mas com os bons políticos. Tenho impressão de que essa mensagem de não sou político, mas gestor, é mais comunicação do que essência.

 

Precisamos de gente que entenda o que é a democracia, um partido político, o funcionamento dos três Poderes. E isso é a vivência que dá. Temos que tomar cuidado com gestores ou xerifes. “Outsiders” não têm funcionado na política brasileira.

 

O prefeito João Doria aparece como alternativa para 2018. Qual é a sua opinião sobre ele?

 

É um sujeito inteligentíssimo, dedicado e competente na sua vida empresarial, mas precisa ainda transitar pela política. Ele necessita dessa vivência antes de dar novos passos na área pública.

 

Especular com nomes agora para 2018 é prematuro porque estamos no meio do furacão. O que sinto é que o eleitor está buscando valores como ética e competência.

 

Há possibilidade de uma figura polêmica, como Jair Bolsonaro, ganhar as eleições?

 

Quando fizemos a redemocratização, tínhamos muitas alternativas importantes, como Ulysses Guimarães. Mas foi uma eleição que revelou Fernando Collor. Logo essas alternativas podem se tornar competitivas. Espero que, para o bem do país, elejamos nomes com consistência. Qualquer atalho pode dar confusão.

 

Marina Silva é uma das poucas lideranças que não aparecem na “lista do Fachin”, mas sumiu do debate político. Qual é a sua avaliação sobre ela?

 

Infelizmente Marina perdeu espaço. Ela é um recurso ético e moral do país, mas depois da eleição se acomodou e perdeu visibilidade e liderança.

 

Sem necessariamente concordar com suas ideias, acho que ela poderia estar ajudando nessa discussão que vivemos hoje. Mas não sei se é possível ela voltar a ter voz ativa.

 

Qual é a responsabilidade dos empresários nessa crise?

 

Total. Foi um casamento de interesses entre corrupto e corruptor, que tomou enorme proporções.

 

Se tivéssemos um Estado menor e mais transparente, muita coisa teria sido evitada. À medida que agigantamos o Estado nos setores financeiro, industrial, na infraestrutura, agravamos um sistema que já vinha corrompido.

 

Por enquanto a investigação sobre os corruptores está praticamente restrita às empreiteiras. Outros setores também corromperam políticos?

 

Não tenho informações precisas, mas, se outros setores buscaram esse tipo de solução, tem que ser apurado. Se aparecem indícios de negociações pouco republicanas em outros setores, temos de investigar.


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