Goiânia – Assim como Lázaro Barbosa, Leonardo Pareja também desafiou a polícia de Goiás há mais de duas décadas. A história do criminoso ousado e sedutor ficou nacionalmente conhecida e ele virou até documentário. Habilidoso e debochado, o jovem ironizava os agentes em todas as circunstâncias. “Eu não existiria se não fosse o perigo”, dizia ele em entrevistas.
Com a procura do serial killer Lázaro Barbosa, suspeito de chacinha e que tem mobilizado as polícias de Goiás e do Distrito Federal, vem à lembrança o caso de Pareja. Ele, em 1996, à época com 22 anos, chegou a fazer o então presidente do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) de refém durante uma rebelião cinematográfica. E sequestrou a sobrinha de Antônio Carlos Magalhães (ACM), na Bahia.
Claro, há diferença entre os criminosos.
Pareja era falante, sarcástico, se dizia mais inteligente que a polícia, e transformava parcela de suas vítimas em fãs. Jovem de classe média, tinha pinta de galã, fama de namorador. Estudou inglês, espanhol, violão, piano e programação de computadores. Lázaro só se destacava em português e nunca foi bem na escola.
Também não há notícias de que Pareja tenha assassinado alguém. Pelo menos, ele não respondeu por esse tipo de crime.
O jovem chegou a ser capa da revista Veja em 1996. A publicação afirmou que Pareja “fazia a polícia de boba”, mesma frase usada pelo governador do DF, Ibaneis Rocha, para se referir a Lázaro em entrevistas concedidas durante a semana.
Leonardo Rodrigues Pareja foi filho adotivo de um casal de classe média/alta de Goiânia. No entanto, na época em que entrou adolescência, a situação financeira da família decaiu. Assim, eles se mudaram de um bairro nobre para Aparecida de Goiânia, na região metropolitana da capital.
Foi lá que ele teve contato com o mundo do crime. Começou, ainda menor de idade, com pequenos delitos, como furtos e roubos. Foi pego pela primeira vez aos 15 anos e continuou sendo apreendido seguidas vezes. A primeira prisão, após ter 18 anos, ocorreu depois de uma série de roubos à mão armada a postos de combustíveis.
Ele se vangloriava do fato, dizendo que teria cometido 11 assaltos em poucas horas. Acabou preso dias depois. A partir daí, entrava e saía regularmente da cadeia. Em uma de suas fugas mais ousadas, chegou a escapar da Casa de Prisão Provisória de Aparecida de Goiânia, calmamente, pela porta da frente, aproveitando-se de uma confusão.
O roteiro mais conhecido de Pareja, no entanto, durou pouco mais de um ano: de setembro de 1995 a dezembro de 1996, quando foi morto na prisão, na região metropolitana de Goiânia. No período, ele assaltou um hotel no município de Feira de Santana (BA) e manteve uma adolescente de 16 anos como refém por três dias.
A jovem, era Fernanda Viana, sobrinha do então senador Antônio Carlos Magalhães.
Com o episódio, Pareja começou a ganhar fama ao negociar com a polícia coberto por lençóis, dificultando a atuação de atiradores de elite. Após libertar a garota, o criminoso fugiu em um carro que havia conseguido com as conversas. O veículo saiu de vidros cobertos por jornais e com outro refém, que também foi liberado pouco tempo depois.
Com esse perfil manipulador, passou um mês em fuga, atravessou três estados e se entregou em Goiás. Durante esse tempo, ele deu entrevistas para rádios e televisões, sempre em tom debochado e ousado. Ele até anunciava a ida a determinados locais, mas sempre dava um jeito de escapar das operações armadas pelas forças policiais.
Como no caso de Lázaro até agora, muitas vezes, na fuga da Bahia até Goiás, o criminoso esteve com a polícia a poucos passos dele, mas sem conseguir pegá-lo. No trajeto, Pareja roubou carros e percorreu alguns trechos a pé, se embrenhando no mato.
Posteriormente, ele contou que, em diversos momentos, chegou a ver policiais a poucos metros de distância, enquanto ele se escondia em meio à vegetação.
Preso no antigo Centro Penitenciário de Goiás (Cepaigo), atual Casa de Prisão Provisória (CPP), em Aparecida de Goiânia, na região metropolitana da capital goiana, Pareja passou a ser porta-voz dos detentos. Pedia melhorias no local e negociava com a direção do presídio. Em abril de 1996, ele comandou uma rebelião emblemática.
Pareja e outros 43 presos fizeram autoridades que vistoriavam o presídio reféns por sete dias. No grupo estavam coronéis da Polícia Militar do estado, delegados, promotores, advogados e o então presidente do TJGO, desembargador Homero Sabino de Freitas.
Alguns momentos da rebelião chegaram a ser transmitidos ao vivo em rede nacional. E isso em uma época onde a internet era inexistente para o grande público. Entre as cenas famosas da situação, está aquela em que o jovem subiu em cima da caixa d’água da penitenciária, com uma bandeira do Brasil, e tocou violão.
“Eram patriotas que estavam dentro da rebelião. Gritando por liberdade. Mas não só a liberdade do muro. A liberdade da vida, do ser humano dentro de um presídio. Para descontrair, eu cantei uma música do Zé Ramalho”, disse ele, antes da nova fuga.
O desfecho da ação revelou um Pareja ainda mais abusado. Ele fugiu do Cepaigo levando consigo o então presidente do TJGO, negociou um veículo Fiat Tempra, fez reféns, parou em um bar de Goiânia, deu autógrafos, comprou cigarros e bebidas.
Não satisfeito, pagou uma rodada de cerveja para os clientes do local antes de sair. Ele foi recapturado um dia depois, em um posto de combustíveis, em Porangatu, no norte goiano. Mas só porque resolveu se entregar.
Pareja acabou morto a tiros em dezembro de 1996, por colegas de presídio. Os responsáveis foram detentos próximos a ele. À época, a justificativa foi de que ele teria contado à direção sobre um plano de fuga. Contudo, existem controvérsias sobre a versão.
No dia do assassinato, munidos de lâminas, facas e uma pistola calibre 45, um dos homens deu um tapa no rosto de Pareja e disparou contra ele. Outros três presidiários foram mortos pelo grupo que depois se entregou aos policiais.
Em 2015, os cinco homens – Eduardo Rodrigues Siqueira , o Pigmeu; Eurípedes Dutra Siqueira; José Carlos dos Santos; Ivan Cassiano da Costa; e Raimundo Pereira do Carmo Filho – que mataram o criminoso famoso, foram condenados a mais 45 anos e 6 meses de reclusão.
Leonardo Pareja foi eternizado, virou filme e livro. O documentário Vida Bandida – Leonardo Pareja foi lançado em 1996, dirigido por Régis Faria e narrado por Reginaldo Faria. A película teve inspiração na obra Ensaio de uma vida bandida, lançado em 2008 por Leandro França. Ambos se tornaram sucessos.