Nesses dois anos e sete meses de governo Bolsonaro, sempre que algum aliado se desgarrou do governismo ou criticou suas pautas, como os deputados federais Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (DEM-SP), a base mais fiel do presidente acusou a pessoa de ter “surfado na onda do conservadorismo” apenas para se eleger. Agora, com a iminente nomeação do senador Ciro Nogueira (PP-PI) como ministro da Casa Civil simbolizando o abraço definitivo do chefe do Executivo a um Centrão que já acusou de fisiológico e de “tudo o que não presta”, parte da militância mais radical começa a ver no próprio Bolsonaro a figura de um “falso conservador”.
Seria exagero dizer que há um rompimento do grupo com Bolsonaro, até porque os brasileiros que se identificam como conservadores e interagem nas redes sociais não têm outra liderança forte para seguir, mas a chegada do presidente nacional do Progressistas ao coração do governo parece ser um ponto crítico de uma série de decepções: as demissões dos ministros Abraham Weintraub, Ernesto Araújo e Ricardo Salles, que foram os mais duros golpes na chamada “ala ideológica” do governo até agora.
As críticas à nomeação do senador piauiense, que responde a três inquéritos no STF, vêm de apoiadores de peso de Bolsonaro. O presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, que está atraindo para o partido várias personalidades da extrema direita, postou nas redes o já célebre vídeo de entrevista de Ciro Nogueira em 2017, na qual o futuro ministro diz que Bolsonaro “tem um caráter fascista” e elogia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Editor de um dos maiores portais na internet que apoiam o governo, o Crítica Nacional, o articulista Paulo Eneas tem criticado cada movimento do governo para afastar os aliados mais ideológicos, principalmente os ligados ao escritor Olavo de Carvalho. Na sexta (23/7), ele postou um “antes e depois” de Bolsonaro, que na primeira foto aparece com seu assessor Filipe Martins, o próprio Olavo, Ernesto e seu filho e deputado Eduardo e, na segunda, com os caciques do Progressistas, Ricardo Barros, Ciro Nogueira e Arthur Lira.
Notório defensor do governo Bolsonaro, ou “passador de pano” do governo na linguagem das redes sociais, o empresário e investidor Leandro Ruschel não endossou a ida de Ciro Nogueira para o governo. O influenciador bolsonarista seguido por mais de meio milhão de perfis no Twitter, porém, não deu muita atenção ao tema e, depois da última quarta (21/7) voltou seus esforços virtuais a militar pelo voto impresso e cobrar a China pela disseminação do coronavírus.
Postagem crítica à nomeação de Ciro Nogueira
Cotada na campanha para a posição de vice na chapa de Bolsonaro, a deputada estadual por São Paulo Janaína Paschoal também protestou ao longo da semana. “Não consigo ver lógica nesta reforma ministerial que se anuncia. O presidente se distancia de suas bases, de suas pautas e promessas de campanha, em troca de uma ilusória segurança no cargo. Melhor enfrentar”, cobrou a jurista que ajudou a redigir o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
“O que os apoiadores mais ferrenhos do presidente não estão entendendo é que a Casa Civil é o Governo! Nenhum outro Ministério seria tão simbólico! Um senhor escreveu nos comentários: ‘o presidente é um grande estrategista, é estratégia!’ Desculpem, eu vejo como rendição!”, completou ela no post, criticando quem está passando pano.
Passando pano
Apesar dessas críticas de personagens importantes, parcela relevante dos “bolsonaristas raiz” segue defendendo cada ação do presidente. Esses militantes se apegam a mantras como “a política é a arte do possível” e se recusar a avaliar a possibilidade de que Bolsonaro tenha aberto mão de seus princípios.
Entre esses defensores está o influenciador digital Allan dos Santos, editor de outro importante portal bolsonarista, o Terça Livre. Em transmissão de seu canal na última quinta-feira (22/7), Santos disse que não gosta de Ciro Nogueira nem apoia sua nomeação para o governo, mas entende que Bolsonaro segue sendo a principal esperança dos conservadores, se não a única.
“Temos que lembrar que o Brasil não tem propriamente um movimento conservador, teve um momento em que as pautas conservadoras convergiram na eleição de um representante”, disse ele, ecoando um discurso comum nas falas do guru Olavo de Carvalho, para quem a direita conservadora não estava preparada para chegar ao poder e deveria investir num trabalho de base para difundir suas ideias em ambientes virtuais e físicos, como as universidades.
Assim como Leandro Ruschel, Allan do Santos também tentou não falar muito do assunto Centrão e tem guiado sua militância virtual em uma disputa judicial com o Google para manter no ar o canal do Terça Livre, acusado pela plataforma de descumprimento das normas pela propagação, por exemplo, de negacionismo em relação ao coronavírus.
Nada de novo no WhatsApp
O mesmo “apagamento” ocorre em grupos bolsonaristas de WhatsApp acompanhados pela reportagem. Nesses espaços de divulgação de pautas da extrema direita, a aliança de Bolsonaro com o Centrão é quase um não assunto. A maioria das divulgações segue se dedicando a atacar o ex-presidente Lula e outras figuras da esquerda, fenômeno que se intensificou com a subida do petista em pesquisas eleitorais – que têm mostrado que, se a eleição fosse hoje, Bolsonaro seria derrotado por Lula com folga.
A entrega do núcleo do governo ao Centrão é uma tentativa de reverter um cenário de crescente isolamento político, mas, como disse o vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), na manhã de sexta-feira (23/7), a sinalização pode confundir parte do eleitorado.
“O eleitor que é o eleitor do presidente Bolsonaro, que é uma parcela entre 25% e 30% da população, olha a pessoa independente do partido em que ele está. Agora outra parte dos eleitores que também votaram no presidente Jair, por uma questão mais programática, de visão de futuro do país, esses podem até se sentir um pouco mais confundidos. Vai depender, obviamente, das ações daqui pra lá”, analisou o general.