Ciente do peso renovado dos militares na política, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem buscado estabelecer um diálogo com os fardados visando o pleito de 2022. Até aqui, encontrou resistências. O principal termômetro de Lula é Nelson Jobim, que foi seu ministro da Defesa de 2007 a 2010, permanecendo no cargo mais oito meses em 2011 sob Dilma Rousseff (PT).
Outros aliados têm sido deslocados para a missão, como o ex-governador e ex-senador Jorge Viana (PT-AC).
Entre todos, como aconteceu em almoço entre um influente general da reserva e um terceiro emissário há dois meses em São Paulo, o tópico Lula gera igual reação: apesar de respeito institucional pelo ex-presidente, hoje à frente na corrida eleitoral para 2022 segundo o Datafolha, não querem conversa com ele agora.
Isso não significa, ressaltam oficiais da reserva e da ativa ouvidos, qualquer óbice caso ele seja eleito em 2022. Oficiais da ativa têm o mesmo discurso, afirmando que prestarão continência a qualquer eleito, descartando ameaça a uma eventual posse de Lula.
O temor foi compartilhado por aliados de Lula em conversas com políticos do PSDB e do PDT, embora sempre vendo no centro do problema o presidente Jair Bolsonaro.
Para os mais otimistas, o simples fato de o óbvio respeito constitucional ser evocado já é boa notícia em tempos de uma Presidência dada à retórica golpista.
A resistência a Lula, arrefecida nos mandatos do petista (2003-10) pelo grande investimento em reequipamento proporcionado pela pujança do ciclo de commodities, voltou a se elevar nos meios militares no governo Dilma.
Dois fatores concorreram para isso: a tentativa de tirar de comandantes a prerrogativa de escolha nas promoções e a condução de Dilma na Comissão Nacional da Verdade.
Os fardados consideram a comissão parcial por só ter apontado os crimes da ditadura de 1964, e não os da luta armada à esquerda, como pactuado ainda no governo Lula.
Com isso, o impeachment de Dilma, o clima de implosão da política tradicional com as descobertas da Operação Lava Jato e a intenção declarada do então comandante do Exército Eduardo Villas Bôas de aumentar a presença institucional dos militares na vida pública, o caldo engrossou.
O enfraquecimento político do governo Temer levou a uma voz mais ativa dos militares, que assumiram o Ministério da Defesa, desde a criação em 1999 com um civil à frente, e com grande influência do general Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional).
Em 2018, o processo escancarou-se com o famoso tuíte de Villas Bôas pressionando o Supremo Tribunal Federal a não evitar a prisão de Lula.
A candidatura de Bolsonaro, militar indisciplinado visto como parvo pelos generais, fora apadrinhada por um círculo influente de generais da reserva, o hoje ministro Augusto Heleno à frente. Logo, como o próprio Villas Bôas escreveu em livro, o oficialato todo embarcou nela.
E não saiu quando o capitão reformado chegou ao Planalto, com uma inédita militarização de cargos civis que está no centro de tantas crises de lá para cá, como na gestão do general da ativa Eduardo Pazuello na Saúde.”
Desde 2020, o serviço ativo busca afastar-se de Bolsonaro, embora seja indistinguível no mundo político o papel dele e dos militares no governo. Com o discurso golpista ganhando corpo, parte da cúpula militar quer distância regulamentar do Planalto.
Isso não quer dizer que não haja bolsonaristas nela, e certamente o viés majoritário é de centro-direita. Em conversas reservadas, ouve-se mais sobre a dita terceira via em 2022 do que sobre entusiasmo com uma volta de Lula.
A reportagem conversou com um experiente líder político centrista que tem falado com comandantes militares. Sua impressão foi a mesma, adicionando que ele vê Bolsonaro isolado, apesar dos rugidos de Walter Braga Netto (Defesa) contra a CPI da Covid ou em favor do voto impresso.
Essa pauta, aliás, explicita o dilema dos militares. Como em temas caros ao bolsonarismo, como defesa de valores conservadores e desconfiança do mundo político e jurídico, há concordância no pensamento médio dos fardados.
Mas até aqui não se ouvem atores centrais sugerindo que não possa haver eleição caso o Congresso enterre a ideia, como disse Bolsonaro.
Militares são usualmente refratários a regimes de esquerda, seja pelo embate na ditadura brasileira, seja pelo contínuo apoio dado por Lula a regimes como o cubano.
Não passou despercebido o fato de o petista ter minimizado os protestos na ilha comunista –a ver como ecoará a inflexão sobre a Nicarágua. Lula sabe dessa animosidade e gostaria de azeitar as relações com os militares.
Na linha de frente de consultas, nomes como o ex-titular da Defesa Fernando Azevedo, demitido em abril, e do general de quatro estrelas da reserva Etchegoyen.
Na semana passada, ambos jantaram na casa de Jobim, com o ex-chefe de Azevedo na Presidência do STF, Dias Toffoli, o banqueiro André Esteves (BTG Pactual) e outros.
Jobim é amigo de Etchegoyen há décadas, mas a presença do sempre discreto Azevedo é reveladora, por seu papel no governo Bolsonaro. Mas comensais ouvidos pela reportagem disseram que o encontro foi meramente social, não político.
Etchegoyen é um dos símbolos da volta dos militares por seu papel no governo Temer, e é um dos generais mais consultados por políticos para medir a temperatura militar.
Ele é presença constante em think tanks dedicados à segurança, e em grupos de conversa com políticos de centro, das gestões Temer e Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Já Azevedo é uma adição nova ao círculo e, segundo amigos, está preocupado com o rumo do embate do presidente com o Judiciário. Poucos generais têm seu conhecimento do processo decisório do governo, além da interface com o serviço ativo e com o Supremo por seu contato com Toffoli.