Problema antigo no Distrito Federal, a apropriação indevida de terras permanece como crime de difícil combate. Nessa sexta-feira (27/8), seis integrantes de uma quadrilha especializada em grilagem e extorsão foram presos, no âmbito de uma operação deflagrada pela 8ª Delegacia de Polícia (SIA). O grupo agia na Estrutural e em áreas do Assentamento 26 de Setembro. Além dos crimes relacionados a loteamentos, os detidos tinham envolvimento com tráfico de drogas, porte de arma, roubo e até assassinatos ou tentativas de homicídio.
A ação durou cerca de 16 horas. Todos os suspeitos moravam na Estrutural. Por meio de ameaça, eles expulsavam a população de casa e invadiam os lotes. Depois, vendiam os imóveis e terrenos para novas vítimas, que compravam as propriedades acreditando estar em áreas regularizadas. A quadrilha conseguia enganar os clientes porque falsificava documentos, como escrituras públicas e certidões de cessão de direitos. “(A ação) era sempre com ameaça. A partir de um crime em julho, avançamos na apuração e pedimos ao Judiciário nove mandados: quatro de prisão, além de cinco de busca e apreensão. Todos foram cumpridos hoje (sexta-feira)”, detalha a delegada Jane Klebia, chefe da 8ª DP.
Em 8 de julho, a quadrilha invadiu uma casa e expulsou a moradora do imóvel. Depois, vendeu a propriedade em uma rede social. Os compradores desembolsaram R$ 85 mil e dois veículos, ainda não recuperados pela polícia. Nos endereços visitados na operação de ontem, os investigadores encontraram cocaína, crack, computadores, telefones, R$ 2 mil em espécie e documentos. Dois integrantes da organização criminosa estão foragidos.
A ocupação irregular de terras persiste no DF, ao menos, desde o fim do século 19, segundo o advogado de direito urbanístico Fernando Carvalho Dantas. Os registros da ação de grileiros no Planalto Central remontam a um período em que a delimitação da unidade federativa não existia. O especialista argumenta que, atualmente, a penalidade para esse tipo de crime é relativamente baixa, o que acaba por incentivar a prática. “No passado aconteceu, e o Estado foi leniente. Mas, até hoje, não se tem estrutura para manter a fiscalização. A grilagem é um crime contra a ordem urbanística cuja penalidade é baixa em relação ao ganho (para quem comete). É um problema que recai sobre toda a sociedade e gera uma série de consequências imprevisíveis”, ressalta.
Para Marcelo Sayão, advogado na área de direito imobiliário, falta acompanhamento das autoridades e endurecimento das punições. “O grileiro não é penalizado ao fim do processo. Ele é preso preventivamente, mas ganha liberdade para responder”, pontua. Outra preocupação de Marcelo envolve crimes comumente associados à apropriação indevida de terrenos, como de organização criminosa, delitos ambientais e estelionato. Uma das saídas, segundo Marcelo, passa pelo desenvolvimento de políticas públicas habitacionais, como formação de novos bairros ou construção de moradias populares. Ele lembra que a sociedade civil tem papel no combate à prática: “Antes de comprar qualquer imóvel, é preciso procurar um advogado para ter respaldo sobre a situação do local em questão, com tutela do Estado e da Justiça. Há muitas áreas em fase de regularização e, portanto, passíveis de compra e venda”, destaca.
Desobstrução
Dados da Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal) revelam que ocupações irregulares alcançaram 2,5 milhões de metros quadrados em 2020 — o que corresponde a 4,3% da área do Distrito Federal. No primeiro semestre deste ano, o total chegou a 500 mil m². De janeiro a julho, as ações de fiscalização resultaram em 3.022 autos de apreensão, embargo, infração, interdição e notificação, além de intimação demolitória ou descumprimento dela e ações fiscais. No mesmo período do ano passado, essa quantidade chegou a 8.769 (leia Ações em obras).
Quanto à desobstrução de construções e ocupações em áreas públicas ou de parcelamento irregular, houve 495 ações da DF Legal no primeiro semestre deste ano e 584 no mesmo período de 2020. Essas medidas incluem remoção de cercamento, de edificações de alvenaria ou madeira e daquelas não regularizáveis. A pasta atribuiu a queda nos resultados ao deslocamento das equipes para reforçar os trabalhos de fiscalização do cumprimento das medidas de proteção contra a covid-19.
Em 2020, Vicente Pires foi a região administrativa com mais ações de desobstrução (62), que envolveram obras irregulares e parcelamento de terras. Na sequência, aparecem Riacho Fundo 1 (49) e Gama (45). Neste ano, até junho, o Plano Piloto liderava o ranking, com 34 operações, seguido pelo Riacho Fundo 2 (23). Taguatinga e Vicente Pires dividem a terceira colocação (19). A secretaria atua por meio de monitoramento via satélite. Para denunciar, a população pode usar os canais Disque 162 ou ouvidoria.df.gov.br. A Polícia Civil também recebe informações, pelo telefone 197.