Quando o jurista André Mendonça escutou, 24 horas depois que o ministro Marco Aurélio de Mello passou à condição de aposentado, a confirmação da promessa que o presidente Jair Bolsonaro fizera a grupos de eleitores evangélicos de que teriam representação no Supremo Tribunal Federal (STF), pensou ter superado a parte mais difícil do processo. Afinal, notório saber jurídico nunca lhe foi problema — problema mesmo era vencer a forte concorrência de Augusto Aras, reconduzido à Procuradoria-Geral da República, do ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e ainda conviver com a hipótese de ser surpreendido por um nome de fora da disputa. Porém, já são quase três meses desde que seu nome foi anunciado, em 13 de julho, e o caminho rumo a mais alta Corte do país, antes ensolarado, tornou-se turvo e imprevisível.
Mendonça, que é pastor protestante, até tirou um período para se preparar à vaga. Deixou o comando da Advocacia-Geral da União (AGU) e retomou os estudos apenas com a intenção de ficar ainda mais afiado para a sabatina no Senado. Era preciso, também, visitar os gabinetes dos senadores para cabalar votos, sobretudo os dos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça, o que foi feito. Esteve com o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP), próximo de Bolsonaro e ouviu dele que não havia empecilhos. Céu de brigadeiro.
Mas os dias passam e a data da sabatina não sai. Mendonça, por questão de princípios, voltou aos quadros da AGU, que dirigiu antes de assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública. E não abandonou o projeto de ocupar a 11ª cadeira do STF.
O que, então, acontece para que o processo esteja emperrado? A explicação é de que há, nos bastidores do Congresso, uma junção de interesses de grupos políticos atuando no vácuo do desinteresse de Bolsonaro em trabalhar o nome do ex-ministro. Mendonça é visto como um jurista técnico, mas de perfil indefinido. Não se sabe como atuará no Supremo, se ao lado dos garantistas — como o do decano Gilmar Mendes e o de Ricardo Lewandowski — ou dos ministros sensíveis aos sinais da sociedade — como Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
O que esses grupos políticos — que reúne gente da direita, do centro e da esquerda — gostariam é que o próximo ministro do STF tivesse um espírito claramente antilavajatista, para que o fantasma punitivista não renasça, sobretudo se uma candidatura presidencial do ex-juiz Sergio Moro, de volta ao Brasil para decidir seu futuro político, encorpar e conquistar aquela parcela do eleitorado desapontada com Bolsonaro. Dos nomes que estiveram sobre a mesa do presidente da República para a sucessão na cadeira que outrora Marco Aurélio ocupou, apenas Aras se manifestou explicitamente contra a Lava-Jato. Tanto que um dos seus primeiros atos à frente da PGR foi desfazer a força-tarefa de Curitiba.
Jogando parado
A principal barreira no caminho de Mendonça é Alcolumbre. Ele tem apresentado a vários senadores um dossiê em que constam detalhes de uma antiga reunião com o procurador Deltan Dallagnol, ex-chefe da Lava-Jato de Curitiba, na qual se comprometera a abraçar propostas que eram caras à força-tarefa. Esse encontro é dos tempos em que o jurista estava no comando da AGU.
E por quê o presidente da CCJ não marca a sabatina? Fontes no Senado dizem que é porque ele não tem certeza de que o nome do ex-ministro da Justiça será rejeitado, como querem os grupos antilavajatistas, que ainda desejam ver Aras na 11ª cadeira do STF — apesar de ter tomado posse no segundo mandato à frente da PGR na última quinta-feira.
Sem um pingo de boa vontade para abrir o calendário e marcar a sabatina de Mendonça, Alcolumbre colheu a irritação dos pares — e, por isso, foi instado a marcar a reunião na comissão. Mesmo assim não se moveu. Em reação, no último dia 16, os senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) protocolaram um mandado de segurança no STF contra o presidente da CCJ. No último dia 21, o ministro Ricardo Lewandowski deu 10 dias para que o senador pelo Amapá explique as razões para a omissão. Assim, uma possível data passou para a primeira semana de outubro. Mas o calvário de Mendonça pode se prolongar mais.
“O senador Alcolumbre é incapaz de apontar um motivo republicano sequer para essa demora. O mandado de segurança foi apresentado para garantir o andamento normal do processo de sabatina e votação. E já está surtindo efeito, na medida em que o STF cobrou de Alcolumbre explicações”, comentou o senador Alessandro Vieira.
“Não posso falar sobre o Alcolumbre sem ter o motivo que o faz segurar a sabatina. Logicamente, ele deve ter um outro nome de preferência, que não é o mesmo do presidente da República. Só que não adianta, a sabatina tem que acontecer. Eu vou votar contra o nome do André Mendonça”, acrescentou o senador JOrge Kajuru. Ele foi o primeiro a fazer esta declaração, dois meses atrás. “Mas não é justo não ter a sabatina e demorar esse tempo recorde. Nunca aconteceu isso. Minha intenção e do Alessandro foi recorrer ao Supremo, do mesmo jeito que fizemos para a CPI da Covid, porque a gente sabia que ela não iria existir no Senado sem o nosso mandado. A gente fez o mesmo, agora, para que haja a sabatina”, emendou.
Mas, se no Senado e no Palácio do Planalto, o horizonte apresenta nebulosidade para Mendonça — apesar da pressão dos grupos evangélicos, inclusive sobre Bolsonaro —, no STF, também não estão favoráveis. Apesar do bom trânsito — foi corregedor-geral, adjunto do procurador-geral da União e diretor do Departamento de Patrimônio e Probidade a convite do ministro Dias Toffoli, egresso da AGU —, nos bastidores da Corte, comenta-se que o currículo do ex-ministro da Justiça está maculado por ter jogado a Lei de Segurança Nacional contra críticos do presidente da República e do governo. O único efeito positivo do gesto de Mendonça, ao abrir inquéritos contra políticos e jornalistas utilizando um dispositivo legal do final da ditadura militar, foi provocar o sepultamento da LSN pelo Congresso, cuja revogação foi assinada pelo presidente da República em 2 de setembro. Algo que não foi capaz de fazer com que os ministros do Supremo o vissem com simpatia. (Colaborou Tainá Andrade)
13 de julho
foi a data da indicação oficial de André Mendonça pelo presidente Jair Bolsonaro. São quase 90 dias de hiato desde o anúncio