12/10/2021 às 06h15min - Atualizada em 12/10/2021 às 06h15min

Motoristas de apps defendem alternativa à CLT para garantir direitos

Representantes das empresas de aplicativo também criticam a proposta que corre no Senado Federal

Tramita no Senado um projeto de lei no qual motoristas de aplicativo são classificados como “trabalho intermitente”, regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O projeto, no entanto, não foi bem recebido pela classe, que conta com 1,1 milhão de trabalhadores no Brasil.
 
Segundo o senador Acir Gurgacz (PDT-RO), autor da proposta, o intuito é exigir o fornecimento de seguro aos condutores nos casos de morte acidental e danos estéticos e morais, exceto nas situações nas quais houver intenção ou culpa.
 
“O principal objetivo do projeto é proteger essa categoria de trabalhadores, principalmente, em razão da jurisprudência brasileira, que ora entende que são relações autônomas, ora são empregatícias”, explica.
 
A falta de regulamentação é, de fato, alvo de debate entre os motoristas. Ao menos 75 projetos estão em tramitação no Congresso sobre o tema. A discussão é ampla, uma vez que influencia profundamente os dois lados desta relação: empresas e trabalhadores.
 
Assim, ainda não há consenso sobre o que deve ser prioridade e quais consequências uma regulamentação pode ter para ambas as partes. Algumas decisões judiciais, no entanto, já são tomadas.
 
No início deste mês, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) determinou que motoristas de Uber não têm vínculo empregatício com as empresas. No entanto, os tribunais seguem tomando decisões que contrariam isso, como o caso em que a Justiça condenou a Uber a indenizar a mãe de um motorista morto durante o trabalho.
 
Na semana passada, os diretores do iFood João Sabino (diretor de políticas públicas) e Lucas Pittioni (diretor jurídico) afirmaram que o debate para regulamentar o trabalho por aplicativo está avançando no governo federal. A empresa defende uma nova legislação que assegure direitos aos entregadores, como aposentadoria e ganhos mínimos.


“O motorista tem que ter a consciência de que ele precisa, pelo menos, pagar o INSS. No meu entendimento, essa questão de vínculo seria mais para pagar tributo”, afirma.
 
Para Maurício Corrêa, a solução estaria em um diploma com previsão de trabalho sob demanda. “Defendo que haja uma solução intermediária com o reconhecimento de um modelo híbrido, com direitos que deverão ser observados pela empresa. Entendo que não há vínculo de emprego nestas situações, mas patamares mínimos que dizem respeito à dignidade da pessoa devem – e podem – ser observados.”

 
As principais críticas são que o trabalho de motorista de aplicativo não é um emprego comum e que a relação empregatícia também não. Regulamentar com base em leis já existentes não é a melhor escolha, de acordo com representantes da área.
 
“A situação não se resolve com conceitos antigos de empregado e empregador neste caso. Claro que não estamos diante de um “empresário”, mas, tampouco, estamos diante de um empregado naqueles moldes clássicos da CLT”, explica o advogado Maurício Corrêa de Veiga. “É necessária uma reflexão que nos liberte de uma visão binária de que o serviço somente pode ser prestado de forma autônoma, por conta e risco do trabalhador, ou através de uma relação empregatícia.”
 
Continuar sem uma legislação própria, contudo, também não é solução. “Atualmente, há a possibilidade de se declarar o vínculo de emprego e automaticamente reconhecer todos os direitos trabalhistas, ou negar o vínculo. É tudo ou nada, sem a possibilidade de um meio termo. A mera aplicação da CLT seria fechar os olhos para uma realidade”, afirma o advogado.
 
A crítica também é apoiada pela Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), que representa empresas como Uber, Cabify e 99. A entidade afirma que as mudanças não devem desconsiderar o avanço tecnológico e enquadrar os novos modelos em formatos analógicos.
 
Para alguns representantes do setor, uma regulamentação nos moldes da CLT pode acabar afastando as empresas do Brasil. O advogado Ronaldo Tolentino explica que esse processo já aconteceu em outros países.
 
“O reconhecimento de vínculo entre o aplicativo e o trabalhador pode acabar sendo de uma incompatibilidade tamanha que você acaba com o próprio serviço. Como já aconteceu em alguns países da Europa, por exemplo, a Espanha, onde a Uber decidiu encerrar as suas atividades devido à incompatibilidade com a legislação local. E parece que esse exemplo não se limita à Espanha, mas a outros países da América Latina também.”
 
O termo incompatibilidade também entra no vocabulário das empresas. Segundo a Amobitec, colocar os motoristas de aplicativo sob a classificação de “trabalho intermitente” pode causar mudanças nos modelos de negócios das companhias.
 
“O contrato intermitente implica a existência de subordinação entre as partes, o que acabaria com a liberdade dos profissionais de ligar ou desligar os aplicativos quando desejam, permitindo a imposição de dias, horários e duração pré-determinada de jornadas de trabalho”, destacou a entidade em nota. “Neste novo modelo proposto, o contratante precisa enviar um chamado informando com antecedência o turno e duração da jornada e, caso o profissional aceite, mas não cumpra o chamado, precisa pagar uma multa de 50% de seus ganhos ao contratante.”
 
Marcelo Chaves, representante do sindicato de motoristas da Uber de Brasília, diz que é mais importante para os trabalhadores autônomos ter um repasse maior do que maior regulamentação. Já as garantias em caso de doença dependeriam da contribuição do trabalhador à Previdência, posição defendida também pela Amobitec.

 

“O motorista tem que ter a consciência de que ele precisa, pelo menos, pagar o INSS. No meu entendimento, essa questão de vínculo seria mais para pagar tributo”, afirma.
 
Para Maurício Corrêa, a solução estaria em um diploma com previsão de trabalho sob demanda. “Defendo que haja uma solução intermediária com o reconhecimento de um modelo híbrido, com direitos que deverão ser observados pela empresa. Entendo que não há vínculo de emprego nestas situações, mas patamares mínimos que dizem respeito à dignidade da pessoa devem – e podem – ser observados.”

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