Meio-dia de uma sexta-feira. Como de costume, a avenida da QSC 19 de Taguatinga estava movimentada de pedestres e carros, o que não impediu a ação de assassinos que, com uma pistola com seletor de rajada, mataram, com mais de 15 tiros, Wesley do Espírito Santo, de 42 anos, no local onde trabalhava, em uma loja de som automotivo, na tentativa de esconder a identidade. O homem é apontado como um dos maiores traficantes de cocaína do Distrito Federal e foi preso em 2013 em uma mega-operação da Polícia Civil (PCDF) que interceptou um caminhão com 110kg de escama de peixe e pasta base de cocaína que vinha de Ponta Porã (MS).
O Correio Braziliense teve acesso com exclusividade aos processos e investigações conduzidas pela Coordenação de Repressão às Drogas (Cord), sob a coordenação do delegado Alexandre Gratão, à época da prisão do traficante. Os documentos detalham, por meio de fotos, denúncias, áudios, ligações, mensagens e confissões dos autores como funcionava a quadrilha, que se articulou por cerca de 1 ano e quatro meses para um só objetivo: lucrar com a venda de entorpecentes na capital, especialmente a cocaína, uma das drogas mais caras (leia o esquema criminoso).
O assassinato de Wesley, vulgo Macarrão, permeia dúvidas. Preso desde 2013 e condenado a maior pena da história da capital, em mais de 45 anos de prisão, o criminoso cumpria regime semiaberto e havia saído do Centro de Progressão Penitenciário (CPP) em 13 de outubro, pois tinha conseguido uma carta de emprego para trabalhar na loja de som onde instalava e consertava os equipamentos. No dia do crime, em 22 de outubro, Wesley chegou pela manhã no estabelecimento. Foi por volta de 12h que um homem de capuz aproveitou o momento que Macarrão mexia no celular e atirou.
“Foram mais de 15 tiros”, disse uma testemunha sob condição de anonimato ao Correio. Os disparos quebraram as vidraças da loja e acertaram a cabeça, o ouvido e o peito de Wesley, que ficou com a massa encefálica exposta. Antes mesmo da chegada do Corpo de Bombeiros Militar (CBM-DF), ele estava morto. “Vi ele fuzilado. Não sabemos o que aconteceu. Atirou e saiu como se nada tivesse acontecido”, relatou a testemunha.
As investigações estão à cargo da 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Centro), que apura o caso em sigilo. Ao que se sabe, houve, pelo menos, a participação de outros três homens, além do executor. Os homicidas estavam em um carro preto e, até o fechamento desta edição, não foram localizados. “Estamos no encalço para capturá-los", disse o delegado-chefe da unidade, Josué Ribeiro.
O esquema criminoso
Uma denúncia anônima e detalhada feita em junho de 2012 foi o pontapé para o início das investigações que levaram à prisão e condenação de 11 pessoas envolvidas no abastecimento de drogas na capital. O declarante alegou que Wesley usava dois carros para distribuir os entorpecentes, um Hyundai e um Nissan, e fazia a entrega nas segundas-feiras e sextas-feiras na casa de uma mulher, conhecida como “Ana do pó”.
As negociações para trazer o caminhão com cocaína de Ponta Porã (MS) ao DF começaram em março de 2012 até junho de 2013, data da prisão dos envolvidos. Líder do grupo, Wesley era o responsável por firmar contratos diretos com fornecedores de drogas da região de Mato Grosso do Sul, na divisa com o Paraguai. Uma fonte policial que participou diretamente da operação da Cord contou ao Correio que Macarrão era ligado a uma ala do Primeiro Comando da Capital (PCC) — facção oriunda de São Paulo — de Ponta Porã e Paraguai. Wesley fazia questão de negociar as drogas diretamente com os traficantes e viajava, pelo menos, duas vezes por mês para articular e buscar os entorpecentes no Mato Grosso do Sul.
A quadrilha era formada com as seguintes pessoas: Wesley do Espírito Santo (o cabeça), Leandro Rodrigues dos Santos, Leonardo Magno de Jesus, Alexandre Costa de Souza, Landstaynner Barros Gusmão, Ana Cláudia do Espírito Santo de Jesus (irmã de Wesley), Gisele Vasconcelos Gomes, Paulo Sérgio Gonçalves, Marcelo Barrionuevo da Costa, Rosane Ferreira, Vidal Cueto, Hudson de Castro (veja Quem é quem).
No início de 2013, Macarrão viajou para Ponta Porã para dar início às articulações com Marcelo Barrionuevo, morador do Mato Grosso do Sul. Os dois trocaram mensagens sobre a contratação de um motorista que ficaria responsável por dirigir o caminhão carregado de drogas. Wesley ordenou que o condutor não tivesse passagens criminais e nem problemas com a carteira de habilitação. Uma forma de despistar a polícia. Na troca de mensagens, em 29 de janeiro de 2013, Marcelo pergunta: “Quanto vai pagar o menino?''. Wesley responde: “Vinte e cinco por viagem”, referindo-se a R$ 25 mil. No dia seguinte, Marcelo diz que encontrou um “senhor da hora”, que já tinha feito um serviço do tipo antes. “Aí é firma de que?”, pergunta Wesley. Marcelo responde: “Grãos de soja e que vai mais para esse lado.”
Especializado cada vez mais no tráfico, o criminoso decidiu comprar o próprio caminhão para cortar os gastos com o frete. Foi nessa empreitada que a irmã de Wesley, Ana Cláudia, estreou a participação. Empresária, ela intermediou a negociação do veículo com um vendedor de Curitiba (PR). Macarrão pagou R$ 170 mil à vista pela compra. O motorista contratado foi Landstaynner Barros Gusmão, morador de Ponta Porã. Em depoimento à época, ele relatou que estava desempregado e com contas a pagar. Contou que recebeu a proposta de conduzir um caminhão com carga de fumo.
Quando passava com a carga próximo ao Engenho das Lajes, na divisa de Goiás, o motorista foi abordado por policiais e disse ter se surpreendido com a quantidade de cocaína encontrada em um fundo falso criado por Willian. Como mostra imagem obtida pelo Correio, o compartimento na traseira do veículo serviu para armazenar os entorpecentes. Com Landstaynner, os agentes apreenderam, ainda, R$ 7 mil, dinheiro pago como parte do pagamento pelo transporte da droga.
Caminhão comprado por Wesley para o transporte da droga
(foto: Material obtido pelo Correio)
Marcelo, que era como braço-direito de Wesley nas negociações e intermediações com os fornecedores de drogas, alegou que conheceu o traficante em 2010 em Ponta Porã. Na ocasião, Marcelo topou um serviço de um dos comparsas de Wesley, o qual receberia R$ 12 mil pelo transporte da droga. Os 12kg de pasta base que veio para Brasília foi colocado da seguinte forma: o pneu do estepe era aberto e a droga era introduzida.
Ao chegar em Brasília, Marcelo deixou a droga em uma chácara do tio de Wesley, próxima ao Gama. Segundo o relato de Marcelo, em 2010, Macarrão trouxe mais drogas ao DF. Para o comparsa, Wesley fez propostas para ele continuar no esquema do tráfico, oferecendo percentuais na venda ou movimentação dos caminhões, que, também, fariam fretes e transportariam as substâncias.
Prisão
Em 16 meses, a PCDF reuniu elementos contundentes que comprovaram a prática criminosa e deflagraram, em 2 de junho de 2013, a operação Makar, que custou mais de R$ 200 mil. O caminhão foi interceptado na BR-060 com 78kg de escama de peixe, onde a grama custa cerca de R$ 80, e 32kg de pasta base de cocaína. Segundo as investigações, o público alvo dessa droga eram as classe média e alta do DF e a venda poderia gerar um lucro de R$ 5 milhões.
“Foi uma grande operação na época e a maior entre vários anos. Ele era o cabeça. A gente conseguiu sequestrar vários bens dele. Inclusive, na casa dele encontramos um colar avaliado em R$ 65 mil”, detalhou o delegado que coordenou as investigações na época, Alexandre Gratão.
No mesmo dia, os policiais civis cumpriram mandados de busca e apreensão na casa dos presos. Na residência de Wesley, foram apreendidos três carros, incluindo uma caminhonete, R$ 149 mil, oito relógios de marca de luxo, um cordão de ouro avaliado em mais de R$ 65 mil, uma espingarda calibre 5.5 e um revólver calibre .38.
Colar apreendido na casa de Wesley. A joia foi avaliada em mais de R$ 65 mil
Colar apreendido na casa de Wesley. A joia foi avaliada em mais de R$ 65 mil
(foto: Material obtido pelo Correio)
Ana Cláudia, irmã de Wesley, também presa, escondia duas armas em casa. Paulo Sérgio, por sua vez, tinha uma pistola, com 13 munições. Já Gisele, responsável por arrecadar dinheiro para Wesley, tinha uma pistola e 13 cartuchos.
Quem é quem
Ana Cláudia do Espírito Santo
Intermediou o caminhão para realizar o transporte da droga
Condenada a 25 anos e 6 meses
Marcelo Barrionuevo
Intermediava contatos para a aquisição de drogas em Ponta Porã
Condenado a 21 anos e 9 meses
Leandro Rodrigues dos Santos
Adquiria droga de Wesley para revenda
Condenado a 26 anos
Landsteynner Bairros
Motorista contratado para transportar a droga
Condenado a 21 anos
Gisele Vasconcelos
Arrecadava dinheiro para Wesley e disponibilizava conta bancária
Condenada a 21 anos
Alexandre Costa de Sousa
Cobrador de dívidas e distribuição de drogas
Condenado a 9 anos
Leonardo Magno
Condenado a 1 ano
Paulo Sérgio Gonçalves
Aliciava pessoas para o tráfico
Condenado a 12 anos
Rosane Ferreira
Viabilizava o transporte da droga
Condenada a 21 anos
Vidal Cueto
Contratado para conduzir o caminhão
Condenado a 21 anos