05/12/2021 às 13h38min - Atualizada em 05/12/2021 às 13h38min

Senadores gastaram R$ 2,6 milhões em 6 anos com combustível para avião

Ciro Nogueira, atual ministro da Casa Civil, foi responsável por 42,1% de todos os gastos com combustíveis para aeronaves no período

Desde 2015, 12 dos 81 parlamentares do Senado Federal pediram reembolso de R$ 2,6 milhões gastos para encher o tanque de aeronaves particulares. A despesa foi toda paga com dinheiro da cota parlamentar mensal a que cada um tem direito para bancar o funcionamento do gabinete e facilitar o exercício do mandato.
 
Segundo o Guia do Parlamentar, a Casa prevê o ressarcimento entre as despesas para exercício do mandato (que vão de correio a passagens aéreas) de “combustíveis e lubrificantes”. Nesse item, estabelece apenas um limite para uma cota mensal – 300 litros de gasolina ou 420 litros de álcool. Não há, entretanto, restrições ou teto de valores que podem ser ressarcidos para esse tipo de despesa.
 
Com os reembolsos conseguidos, alguns dos parlamentares chegaram a receber, em apenas um mês, quantias que chegaram a quase R$ 71 mil. Foi o caso do atual ministro-chefe da Casa Civil, o senador licenciado Ciro Nogueira (PP-PI), que em julho de 2018 gastou R$ 93.419,30 via cota parlamentar – e 76,8% desse total foi para abastecimento de aviões.
 
Nogueira declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2018, ser detentor de 95% da aeronave PT-WSX, tipo BE20, fabricante Beech Aircraft, modelo B200, série BB1266, com ano de fabricação 1987, no valor de R$ 2.850.000.
 
Como revelado pelo Metrópoles, o parlamentar licenciado foi o que mais gastou recursos da cota parlamentar no primeiro semestre de 2021, um total de R$ 293.752,90 – 89,5% (R$ 263.195,81) destinados para aquisição de combustível para aeronaves.
 
O atual ministro-chefe da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro (PL) foi também o campeão de gastos em todo o período analisado pelo Metrópoles. Nogueira foi responsável pela maior fatia dos reembolsos de combustíveis para aeronaves; R$ 1,1 milhão foram usados desde 2015, um total de 42,1% de todos os gastos feitos pelos parlamentares na área.
 
Recentemente, foi revelado que o ex-parlamentar estaria abastecendo a aeronave da família com a cota do Senado por meio de sua mãe, a senadora Eliane Nogueira (PP-PI), que é suplente do filho. A parlamentar faz parte da lista dos que efetuaram pedidos de reembolsos este ano.
 
Após tomar posse na Casa, com a saída do filho para a Casa Civil, Eliane embolsou R$ 46.989,07 de cota parlamentar com combustível para avião. A prática é considerada ilegal, já que os recursos da cota parlamentar devem ser usados exclusivamente nas despesas dos senadores ou de seu gabinete, o que não inclui outros beneficiários.
 
Eliane Nogueira, entretanto, também utilizou da cota parlamentar para solicitar reembolsos para passagens de companhias aéreas. Ao todo, a senadora gastou o equivalente a R$ 31.070,05 em passagens após o dia 27 de julho deste ano, data em que Ciro foi nomeado ministro da Casa Civil.
 
O senador Acir Gurgacz (PDT-RO) ficou logo atrás de Nogueira nos gastos com combustível para avião desde 2015, e foi recebeu 40,1% do total de reembolsos para essa despesa no período. Ao todo, Gurgacz recebeu do Senado R$ 804.882,72, o segundo maior valor recebido pelos parlamentares.
 
Em 2002, Ministério Público abriu uma denúncia contra Gurgacz por ter supostamente fraudado uma operação financeira quando era diretor da empresa de viação Eucatur. Segundo a denúncia apresentada pelo Ministério Pública Federal (MPF), ele havia desviado a quantia de R$ 1,5 milhão, que deveria ter sido aplicada na renovação da frota de ônibus da empresa.
 
Ele chegou a ser condenado a 4 anos e 6 meses de reclusão em regime semiaberto.
 
O terceiro maior recebedor de reembolsos em combustíveis para aeronaves no período analisado é o ex-senador de Rondônia Ivo Cassol (PP-RO). Desde 2015, o também ex-governador recebeu R$ 288.088,42 para bancar combustíveis para uso em aviões particulares.
 
Cassol foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) por supostas fraudes em licitações na prefeitura de Rolim de Moura (RO), quando era prefeito do município. Com a condenação, teve os direitos políticos suspensos por seis anos.
 
Outros senadores conseguiram pedir reembolsos com grandes valores em uma única nota fiscal, como foi o caso do pagamento solicitado por Vicentinho Alves (PL-TO) em novembro de 2018. Naquele mês, o pecuarista e piloto comercial de aviões pediu, com apenas um único documento fiscal, o valor de R$ 15.245,80. Foi o maior valor pedido por um parlamentar apenas com uma única nota fiscal. Vicentinho Alves foi senador da casa entre 2011 e 2019.
 
Após o mandato, foi nomeado como secretário nacional de Infraestrutura Turística do Ministério do Turismo pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), ficando no cargo até agosto deste ano, quando pediu exoneração.
 
Atualmente, Vicentinho é o líder do partido em Tocantins. É dele também, a segunda maior nota fiscal apresentada, no valor de R$ 13.829,30, em 2017.
 
Os números fazem parte de um levantamento do (M)Dados, núcleo de análise de grande volume de informações do Metrópoles, com microdados do Portal da Transparência do Senado — canal oficial do órgão para divulgação dos gastos.
 
Os gastos podem ser ainda maiores, já que a informação do detalhamento do gasto feito pelo parlamentar não é padronizado no sistema do Senado e, desta forma, reembolsos solicitados para esse fim podem estar discriminados de forma incompleta no sistema.
Transparência
 
Questionado, o Senado afirmou que compete ao Serviço de Gestão da Ceaps – a Cota para o Exercício Parlamentar dos Senadores – verificar se reembolsos solicitados “preenchem os requisitos formais estabelecidos pela norma que disciplina o uso da Ceaps no âmbito do Senado Federal”.
 
O órgão, entretanto, não respondeu os pedidos de informações enviadas pelo Metrópoles sobre como funciona o controle interno e quais os métodos de monitoramento dos gastos pela cota parlamentar. Afirmou apenas que o ressarcimento está condicionado ao montante da cota que o parlamentar possui no momento da realização da despesa.
 
Para Lúcio Big, diretor-presidente do Instituto Observatório Político e Socioambiental (OPS), entidade de fiscalização de gastos públicos e defesa da boa gestão do orçamento público, as regras utilizadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal possuem brechas que permitem reembolsos desmedidos por parte dos legisladores.
 
“As regras que norteiam a verba indenizatória são repletas de falhas e brechas que permitem o uso desmedido e irresponsável do dinheiro público. O Senado tem se mostrado incapaz de colocar um freio em toda essa gastança”, critica o especialista.
 
Para Big, o item de reembolso possui um critério frágil de avaliação, que permite que reembolsos ocorram sem limites do orçamento: “As frágeis e bizarras regras não estipulam limites de gastos para a aquisição de combustíveis e lubrificantes, assim como ocorre com as demais despesas passíveis de reembolso pela verba. É uma verdadeira farra com o dinheiro de todos nós, pagadores de impostos”, conclui.
 
Sobre os gastos feitos por Ciro e Eliane Nogueira, o especialista chama a atenção para a falta de transparência dos gastos efetuados e a fragilidade do processo de avaliação de reembolsos.
 
“As regras deixam claro que utilizar o dinheiro público da verba indenizatória só pode ocorrer para o estrito uso de mandato. No entanto, com tantos abastecimentos e, consequentemente voos, fica até difícil saber como Ciro Nogueira ainda conseguiu marcar presenças em Brasília”, questiona.
 

 


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