O Supremo Tribunal Federal (STF) tem 469 julgamentos sem conclusão devido a pedidos de vista. De acordo com levantamento feito pelo Metrópoles a partir do Portal da Transparência da Corte, algumas ações estão à espera de um desfecho há 16 anos – na época, da composição atual, apenas os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia já integravam a Corte.
Os processos tratam dos mais diversos temas: assuntos previdenciários, improbidade administrativa, liberação de armas, julgamentos de políticos – incluindo processos contra presidentes da República de diferentes épocas.
Os pedidos de vista mais antigos são de 2006. Um deles ocorreu em uma ação de autoria do Partido dos Trabalhadores (PT), em 1997, quando o presidente da legenda era José Dirceu. O processo trata de acusação de improbidade contra o governador de Santa Catarina à época, Paulo Afonso Evangelista Vieira, conhecido no meio político como Paulo Afonso.
Os argumentos apresentados pelo PT ao STF se baseiam em processo de impeachment provocado por escândalos de corrupção e desvio de verbas públicas em Santa Catarina.
No entanto, em 2006, a ADI nº 1.634 teve um pedido de vista do ex-ministro do STF Ayres Britto. Ele devolveu o processo em 2012, mas o assunto segue sem resolução por não ter sido colocado em pauta. No sistema do tribunal, inclusive, a relatoria da ação ainda está sob atribuição do ministro Eros Grau, que deixou a Suprema Corte há mais de uma década, em 2010. A cadeira do magistrado gaúcho foi assumida por Luiz Fux, atual presidente da Corte.
Quando um ministro pede vista de um processo e se aposenta ou deixa a Corte, o caso passa para o magistrado que o suceder.
Como funciona
Assim como o mais antigo processo com pedido de vista, outras 468 ações judiciais estão paradas na Suprema Corte, aguardando votação. Entre elas, 277 foram retiradas da pauta do plenário para análise mais detalhada de algum ministro. Outros 90 processos tramitam na Primeira Turma; já na Segunda Turma, 102 ações aguardam retorno à pauta e consequente desfecho.
De acordo com o artigo 134 do regimento interno da Corte, os ministros têm 30 dias, a contar da publicação da ata do julgamento, para devolver a vista.
A regra não prevê a devolução automática da vista após o transcurso do prazo, embora haja propostas de mudança regimental nesse sentido. Após o retorno do pedido de vista, o processo aguarda nova inclusão na pauta de julgamentos.
Doutor em direito do Estado pela USP, o advogado Renato Ribeiro de Almeida poupa crítica aos magistrados e, sobre o excesso de pedidos de vista, ressalta a necessidade de se repensar a própria estrutura do Supremo. “Todo ano, os 11 ministros se ocupam de uma infinidade de processos”, afirma.
“Os processos chegam facilmente no STF, que tem uma sobrecarga inimaginável e que deveria se limitar a discutir grandes questões constitucionais, como na Suprema Corte dos Estados Unidos. Aqui no Brasil, a pessoa ingressa na primeira instância, perde; vai para a segunda, depois para o STJ e, por fim, ainda tenta a sorte no STF”, complementa.
Armas
Entre os membros com mandato vigente na Suprema Corte e considerando dados até o dia 18 de dezembro de 2021, o ministro com o maior número de pedido de vistas é o decano, Gilmar Mendes. O magistrado mais antigo do STF tem 158 pedidos de mais prazo para análise de processos. O segundo na lista é Alexandre de Moraes, com 85 pedidos. Mesmo tendo tomado posse apenas em 5 de novembro de 2020, o ministro Nunes Marques está em terceiro lugar, empatado com Dias Toffoli, com 48 processos pendentes cada.
Um dos processos parados pelos vaivéns de pedido de vista é o que trata de posse, compra, registro e tributação de armas e munições.
A ADPF nº 581 começou a tramitar em 2019, sob a relatoria da ministra Rosa Weber. A ação, impetrada por cinco partidos políticos, pede julgamento de 14 processos sobre atos do governo federal relacionados ao tema. Entre eles, quatro questionam decretos de 2019 que facilitam a compra de armas. Cinco tratam de decretos editados pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), em 2021.
Os julgamentos foram interrompidos uma vez, em abril de 2021, após pedidos de vista do ministro Alexandre de Moraes.
Em 8 de setembro, o magistrado devolveu os processos. O ministro Nunes Marques, no entanto, interrompeu novamente o julgamento, no dia 17 do mesmo mês. O novo pedido de vista veio após o voto de Alexandre de Moraes, que considerou que Bolsonaro cometeu “desvio de finalidade” ao editar a portaria que não passou pelo Congresso.