Líderes de extrema direita ascenderam nos últimos anos com discursos antissistema e, por vezes, contra a democracia liberal. Alguns deles já deixaram o poder, como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, mas o legado de influência no debate público perdura e segue como tendência política em diversos países mundo afora.
O ano de 2022 reserva diversas disputas eleitorais para populistas da direita radical. Esse, inclusive, poderá ser um ano-chave para compreender a força do movimento no Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro, hoje no Partido Liberal, busca a reeleição em outubro tendo como principal rival, neste momento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, um expoente da esquerda latino-americana. Outros candidatos ao centro ou à direita ainda tentam se cacifar para enfrentar os dois.
Influenciado pelas estratégias de Trump, o mandatário brasileiro foi eleito em 2018 usando massivamente as redes sociais, com o discurso antissistema e propagação de desinformação, e manteve boa parte do eleitorado fiel com reiteradas declarações de desconfiança em relação às instituições. Bolsonaro não está sozinho ao seguir essa cartilha. São estratégias comuns a líderes da extrema direita pelo mundo.
Além de no Brasil, o espectro da direita radical rondará as eleições deste ano em Portugal, França, Hungria, Estados Unidos e Filipinas.
Portugal
Em meio ao impasse em relação à aprovação do Orçamento de 2022, o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, do Partido Social Democrata (PSD), de direita, dissolveu a Assembleia da República e convocou eleições legislativas para 30 de janeiro.
O Partido Socialista, do atual primeiro-ministro, António Costa, é o favorito na disputa, mas o Chega, de extrema-direita, liderado pelo deputado André Ventura — conhecido como Bolsonaro português – deve ampliar o número de assentos no Parlamento, tornando-se a “terceira força política” e sendo decisivo para formar uma coalizão.
Isso já é um feito considerável para um partido radical recém-criado – surgiu em meados de 2019 – em um país sem tradição de radicalismo de um lado ou outro do espectro político.
Na sondagem do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) e do Instituto de Ciências Sociais (ICS) para o Expresso/SIC, do último dia 30 de dezembro, o PS aparece com 38%, o PSD, de direita, com 31%, e o partido de Ventura, com 7%.
França
Por muitos anos, os Le Pen foram a maior expressão da extrema direita na França. Primeiro, com o pai, Jean-Marie Le Pen, e posteriormente com a filha, Marine Le Pen. Contudo, o jornalista Éric Zemmour – admirador de Trump – se apresentou com discurso antissistema e retórica racista e xenófoba, e ameaça tomar o lugar de Le Pen, o que já é considerado uma vitória do movimento de extrema-direita francês.
Entretanto, o atual presidente, Emmanuel Macron, de centro-direita, é o favorito para o pleito presidencial de abril. Segundo a Financial Times, Zemmour e Le Pen dividirão o mesmo eleitorado. E, em meio a essa disputa entre populistas da direita radical, a ex-ministra Valérie Pécresse, conservadora, pode surpreender nas urnas.
A eleição francesa não necessariamente tem uma ligação direta com o Brasil, mas Bolsonaro não tem uma relação amistosa com o mandatário francês e o fortalecimento da extrema direita francesa poderia render uma futura aliança para o brasileiro.
EUA
Dois anos após eleito presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, verá seu Partido Democrata enfrentar a eleição legislativa de meio de mandato em 8 de novembro sob a sombra de Trump. Será um pleito crucial para a governabilidade de Biden, mas também para sinalizar o cenário pós-Trump, ex-presidente norte-americano do Partido Republicano, que representou um marco na ascensão da extrema direita mundial.
Uma potencial derrota dos democratas na Câmara e no Senado pode sinalizar um cenário favorável a uma nova candidatura de Trump, em 2024. “Quatro anos desafiadores sob o governo de Biden podem dar a Trump os votos de que ele precisa para derrotar o atual ou outro democrata”, avaliam Ian Bremen e Cliff Kupchan, no relatório anual de risco para 2022 do Eurasia Group, consultoria muito influente.
“Outra presidência de Trump não marcaria o fim da democracia norte-americana, mas traria uma burocracia federal enfraquecida e ineficaz, desobediência civil em grande escala nos Estados Unidos e um retorno à sua política externa errática e isolacionista. Os riscos de um grande conflito global (intencional ou não intencional) aumentariam. Se o primeiro mandato de Trump não marcou um declínio profundo e permanente da posição global da América, seu segundo o faria”, acrescentam os analistas do Eurasia Group.
Bolsonaro se elegeu presidente do Brasil em 2018, na esteira da eleição de Trump e utilizando estratégias semelhantes às do norte-americano: redes sociais e discurso antissistema e negacionista foram os norteadores de ambos os mandatários. Desde a pré-campanha presidencial brasileira, a família Bolsonaro buscou criar e manter uma relação estreita com o norte-americano. Bolsonaro ficou conhecido como “Trump dos trópicos”.
Hungria
Os húngaros também vão às urnas em abril deste ano para decidir sobre a manutenção ou não do primeiro-ministro, Viktor Orbán, de extrema direita. Uma coalizão de seis partidos da oposição – de diversos espectros políticos – decidiu se unir para lançar candidato único contra o mandatário húngaro. A missão coube ao conservador Peter Márki-Zay que venceu as prévias do movimento contra a vice-presidente do Parlamento Europeu, Klara Dobrev, de esquerda.
À frente dos destinos do país desde 2010, Órban é uma “referência” para os Bolsonaro, como classificou o deputado Eduardo Bolsonaro, em seu discurso de despedida da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, em março passado.
O primeiro-ministro húngaro visitou o então recém-eleito presidente brasileiro em janeiro de 2019 e recebeu a visita de Eduardo Bolsonaro três meses depois. Órban prega um Estado iliberal, com controle da mídia e do Judiciário e ataques à comunidade LGBTQIA+.
No último dia 3 de janeiro, Trump defendeu a reeleição de Órban e o chamou de “grande líder”. A manifestação não é algo pontual. Afinal, a extrema direita mundial vem, nos últimos anos, fortalecendo uma rede de apoio entre si em diversos países.
Não à toa, Eduardo Bolsonaro tem visitado diversos líderes mundo afora, como Trump, Ventura e próprio Órban.
Filipinas
A situação nas Filipinas ainda é uma incógnita. A era Rodrigo Duterte na Presidência do país pode estar com os dias contados: 9 de maio. Impedido pela Constituição filipina – que só permite um mandato de seis anos – de disputar a reeleição, o mandatário, de extrema direita, cogitou disputar a Vice-Presidência, mas recuou e anunciou aposentadoria.
Contudo, a filha dele, Sara Duterte, concorrerá como candidata a vice-presidente na chapa encabeçada pelo senador Ferdinand “Bongbong” Marcos Jr, filho do ex-ditador Ferdinand Marcos. No país asiático, presidente e vice são eleitos de forma separada.
Duterte é uma das maiores representações do autoritarismo contemporâneo, com um governo militarizado, violência como ferramenta política e violação dos direitos humanos, entre outras coisas. O filipino é investigado formalmente pelo Tribunal Penal Internacional. Guardada as devidas proporções, Duterte e Bolsonaro costumam ser comparados por opositores do líder brasileiro.
Efeitos da extrema direita
Aline Burni, doutora em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadora no German Development Institute e membro do Observatório da Extrema Direita (OED), destaca que, independentemente do resultado das urnas, a extrema direita vem obtendo êxito por influenciar o debate político.
“Esses partidos têm ganhado apoio eleitoral em termos de adesão à sua plataforma. Eles foram aumentando o seu apelo aos seus projeto políticos. Não é por causa de perdas pontuais de candidatos ou partidos que pode-se falar que a corrente ideológica em si está enfraquecida ou condenada ao fracasso. Ao longo do tempo, houve adesão ao projeto, mas o maior ganho da extrema direita foi ter contaminado a plataforma de outros partidos – inclusive da esquerda – e o debate público”, avalia.
Burni pondera que outro efeito foi ter jogado o debate político para a direita. “A esquerda perdeu a sua viabilidade eleitoral. A competição como um todo foi sendo jogada para a direita do espectro político”, pondera.
Isso pode ser percebido nos principais adversários dos candidatos populistas da direita radical, na França, na Hungria e até no Brasil, onde o principal adversário de Bolsonaro, que é um candidato à esquerda, Lula, vem buscando um vice à direita ou à centro-direita, acrescenta a pesquisadora no German Development Institute.
A politóloga analisa que, passada a pandemia da Covid-19 – quando o tema da saúde pública foi proeminente –, a extrema direita voltará a pautar a agenda política. Ela frisa, porém, que mesmo sem ter conseguido manter os temas preferidos – como migração e segurança – na ordem do dia do debate, a direita radical manteve peso político relevante.
“Ela ter conseguido manter parcelas significativas do eleitorado, apesar da pandemia, mostra que é resiliente”, diz Burni. E isso é o que podemos esperar para o pós-2022.