29/01/2022 às 03h14min - Atualizada em 29/01/2022 às 03h14min

Médico é preso por negar atendimento antecipado a delegado com Covid

Caso ocorreu em Cavalcante. De acordo com o policial, médico estaria em exercício irregular da profissão e desacatou a autoridade

Goiânia – O médico Fábio Marlon Martins França, que atende em Cavalcante, região da Chapada dos Veadeiros (GO), foi preso no fim da tarde de quinta-feira (27/1) após confusão com o delegado da cidade, Alex Rodrigues da Silva. Segundo testemunhas, o policial, que testou positivo para Covid-19, queria ser atendido com antecedência, à frente dos pacientes que já esperavam, e o profissional de saúde negou o atendimento.

O médico foi autuado em flagrante pelos crimes de exercício irregular da profissão, desacato, resistência, desobediência, ameaça e lesão corporal. Na manhã desta sexta-feira (28/1) a Justiça mandou relaxar a prisão e soltar Fábio França. O caso é apurado pela corregedoria da Polícia Civil.

Covid
Segundo testemunhas, o delegado chegou em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) de Cavalcante com sintomas gripais na manhã de quinta. Ele realizou um teste rápido para detectar Covid. Mais tarde, quando o resultado já estava disponível, ele voltou para checar e descobriu que estava com a doença.

O policial teria, então, solicitado que o médico que estava de plantão, no caso Fábio França, o atendesse. No entanto, foi informado que não seria possível fazer isso imediatamente, pois haviam outras pessoas à espera e que o atendimento era por ordem de chegada.

O delegado então saiu da UBS e voltou mais tarde, acompanhado de dois agentes policiais. Houve uma discussão e o médico saiu do local preso em flagrante. A primeira justificativa foi de que ele exercia a profissão irregularmente por não ter registro no Conselho Regional de Medicina.

Mais Médicos
No entanto, a Prefeitura de Cavalcante informou que Fábio França faz parte do programa Mais Médicos, do Governo Federal, e que, neste caso, não é exigido o registro no CRM para exercer a medicina. Então, a situação dele estaria regular. O município explicou ainda que o médico atende na cidade desde novembro de 2016 e que nunca teve nenhum tipo de reclamação.

De toda maneira, o profissional foi algemado. De acordo com os policiais civis, ele reagiu à prisão e os desacatou. O médico foi levado para a delegacia da cidade e, de lá, encaminhado para o presídio de Alto Paraíso de Goiás, ainda na noite de quinta. Ele dormiu na cadeia.
 
Em nota a Prefeitura de Cavalcante lamentou o episódio e manifestou “profunda insatisfação com as ações desproporcionais cometidas por agentes da Polícia Civil contra o médico”.
 
Conforme a nota, assinada pelo prefeito da cidade, Vilmar Souza Costa, o Vilmar Kalunga, e a secretária de saúde, Gessiele Batista Dias Fernandes, os dois acompanharam o caso de perto desde o começo, prestando apoio ao profissional.
 
Segundo eles, o médico “é bastante querido pela população e colegas de trabalho e não há nenhum registro que desabone a sua conduta até o momento. A situação está sob investigação e temos convicção de que tudo será devidamente esclarecido e esse triste episódio não marcará a carreira do Doutor,  disseram.
 
Versão da polícia
Também por meio de nota, a Polícia Civil de Goiás deu a sua versão do caso. A corporação explicou que o delegado esteve no consultório com sintomas de Covid-19 na manhã de quinta. Daí, no decorrer do dia, nas visitas que fez ao posto médico para tratar de seus exames, e em decorrência da forma em que o profissional o atendia, o delegado foi informado de que o médico estaria atuando de tal maneira por insegurança, dado ao exercício profissional irregular praticado.
 
A polícia informa que foram realizados levantamentos técnicos sobre o registro profissional do “suposto médico”.  Constatou-se, então, que o registro do médico junto ao Conselho Regional de Medicina de Goiás (Cremego) estava cancelado.
 
O delegado então procurou o médico para esclarecer o fato, quando  teria se alterado e ofendido o policial e equipe. Tais fatos, conforme a polícia, poderiam ser confirmados por testemunhas no local, inclusive uma enfermeira. O médico foi preso e encaminhado à delegacia.
 
A Delegacia-Geral de Polícia Civil informou que determinou o acompanhamento do caso pela gerência de correições e disciplina. Acrescentou, ainda, que a corregedoria da Polícia Civil de Goiás acompanhará o caso em toda sua extensão.
 
“A PCGO reafirma seu compromisso com os cidadãos, colocando-se sempre no mesmo nível que os demais goianos e nunca corroborando com atitudes de abuso de autoridade”, explica a nota.
 
Soltura
O médico, entretanto, não chegou a ficar nem 24h detido, apesar de todas as justificativas da Polícia Civil para a sua prisão. Ele foi solto na manhã desta sexta por ordem de decisão do juiz Fernando Oliveira Samuel.
 
Na saída da cadeia, em Alto Paraíso, o médico foi recebido pelo prefeito de Cavalcante, Vilmar Kalunga, e por vereadores e pessoas da cidade, que foram prestar solidariedade. O profissional de saúde disse que não se arrepende do que fez. “Todos têm que ser iguais. Temos protocolos e temos que cumprir isso, independente do cargo”, afirmou.
 
Ele acrescentou que não é pelo fato de uma pessoa ter um cargo superior que irá passar à frente de outras pessoas que já aguardavam atendimento na UBS.
 
“Se esse é o preço para eu pagar, então que me prenda novamente, porque toda vez que acontecer isso eu vou fazer a mesma coisa. Não me arrependo de nada”, frisou.
 
 Decisão
Conforme a decisão judicial que determinou a soltura do médico, em uma análise preliminar, Fábio França estaria com a razão. “Aparentemente, tudo pode ter ocorrido por conta de algum tipo de insatisfação por parte do delegado de polícia quando necessitou de atendimento médico. E as condutas narradas no processo parecem indicar a ocorrência de legítima defesa ante uma conduta possivelmente ilegal por parte dos agentes públicos das forças de segurança envolvidos no caso”.
 
O juiz Fernando Oliveira Samuel destacou ainda que caso a autoridade policial tivesse suspeita de algum crime praticado pelo médico, conforme alegado pelo delegado, que fosse iniciada uma investigação.
 
“Porém, nada justificaria no caso a condução coercitiva do profissional de saúde no momento que estava a atender o público. Ao que parece, [o delegado] realmente pode ter abusado de suas funções públicas usando do cargo que ocupa para dar vazão a uma insatisfação quanto ao atendimento realizado anteriormente”, frisou.
 
Nesse sentido, o juiz entendeu desnecessário o flagrante, determinando o relaxamento da prisão do médico.
 
O magistrado também determinou a notificação do Ministério Público de Goiás para analisar algum eventual crime praticado pelos policiais. Também determinou que a Corregedoria da Polícia Civil fosse oficiada sobre o caso para apuração de eventual falta funcional do delegado Alex Rodrigues.


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