A palavra “partido” pode significar “grupo de pessoas com a mesma doutrina política”, quando usada como substantivo, ou “quebrado, que se partiu”, quando usada como adjetivo. Com o PSDB enfrentando um longa e grave crise que coloca até seu futuro em risco, é difícil dizer qual dessas duas definições se aplica melhor a uma das siglas mais tradicionais da política brasileira desde a redemocratização, na década de 1980.
A disputa pública entre dois nomes da legenda que pontuam baixo nas pesquisas, mas insistem em ser indicados como pré-candidatos à Presidência, os ex-governadores de São Paulo João Doria (SP) e do Rio Grande do Sul Eduardo Leite (RS), está jogando o PSDB em seu pior momento logo às vésperas de uma eleição que anuncia difícil, com dois pré-candidatos (Lula, do PT, e Bolsonaro, do PL) muito à frente dos demais.
Essa guerra interna, que teve seu ponto crítico nos últimos dias com o quase rompimento entre Doria e o presidente nacional do partido, Bruno Araújo, preocupa muito dirigentes, parlamentares e pré-candidatos tucanos a outros cargos, que enxergam na crise a forte possibilidade de a sigla diminuir ainda mais de tamanho, o que daria força a um ciclo vicioso que se reflete em porções cada vez menores dos fundos partidário e eleitoral.
Os tucanos, que elegeram 29 deputados federais em 2018, saíram da última janela de trocas partidárias com 23 representantes na Câmara, o que os deixou na oitava posição entre as maiores bancadas. Nas eleições federais anteriores, quando seus candidatos chegaram ao menos ao segundo turno da disputa pelo Palácio do Planalto e perderam para Dilma Rousseff (PT), em 2010 e 2014, o partido havia eleito bancadas de 53 e 54 deputados, respectivamente.
O encolhimento ocorre também nos estados. No momento, o partido só governa Mato Grosso do Sul, com Reinaldo Azambuja, e São Paulo, com Rodrigo Garcia, que era vice de Doria pelo DEM, mas se filiou recentemente ao PSDB para concorrer à reeleição pelo partido. O novo tucano, porém, entra na eleição em situação muito pior do que seus antecessores.
O PSDB ocupa o governo paulista desde 1995, numa dinastia que começou com Mario Covas e teve interrupções momentâneas quando vices de outros partidos ocuparam o cargo para os titulares disputarem a presidência da República. Este ano, pela primeira vez em décadas, o partido não entra favorito nessa eleição regional e ainda vislumbra a chance real de nem mesmo chegar ao segundo turno.
De acordo com levantamento de intenção de votos realizado pelo instituto Datafolha no início de abril, Garcia apareceu com 6% das intenções, em quarto lugar, atrás de Fernando Haddad (PT), que somou 29%, Márcio França (PSB), que ficou com 20%, e Tarcísio de Freitas (Republicanos) que alcançou 10%.
Como o PT ainda sonha com a adesão de França a seu projeto, há grandes chances de um candidato de esquerda estar no segundo turno. Para a segunda vaga, numa eleição que tende a reverberar a polarização nacional, o ex-ministro da Infraestrutura chega forte por ser apadrinhado do presidente Jair Bolsonaro, o que pressiona a campanha de Garcia.
Tentativa de estancar a sangria
Após dias de crise aberta, com Doria tendo excluído Bruno Araújo da coordenação de sua pré-campanha e visto o “aliado” ironizar suas ambições presidenciais, os dois conversaram por telefone na tarde de segunda-feira (18/4) e combinaram um cessar fogo, ao menos em público.
Eles combinaram, segundo interlocutores, que Doria manterá sua pré-candidatura oficial, mas que Araújo seguirá buscando, com União Brasil, Cidadania e MDB, um nome de consenso para ser lançado como terceira via.
O clima ruim, porém, continua, e aliados de ambos consideram que muito tempo e muita energia foram perdidos, num momento em que o partido já não tem nenhuma gordura para gastar.
As feridas estão abertas, e Doria, apesar de ser o pré-candidato oficial, está recluso e não tem agendas públicas previstas para os próximos dias. Enquanto isso, seus adversários internos agem sem o cuidado de articular nos bastidores.
O deputado federal Aécio Neves (MG), por exemplo, é partidário da escolha de Eduardo Leite como concorrente tucano ao Planalto e esteve em São Paulo neste início de semana para se reunir com os ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Michel Temer (MDB) e defender sua posição. A assessoria de Aécio fez questão de divulgar os encontros – e a defesa de Leite.
O ex-governador gaúcho está iniciando uma série de viagens pelo Brasil em busca de apoio para se viabilizar. A turnê paralela começa no Ceará, reduto político do senador tucano Tasso Jereissati, outro cacique que se opõe publicamente a Doria.
Colhendo o que plantou
Para o cientista político Sérgio Praça, professor e pesquisador na Fundação Getúlio Vargas (FGV), não há sinais de que o PSDB vá conseguir controlar sua crise e evitar as consequências eleitorais de uma “desintegração pública”.
“Vejo chances muito reduzidas de o partido retomar o porte que teve em suas primeiras décadas de vida”, avaliou ele.
O especialista avalia que os grandes problemas tucanos começaram após a derrota de Aécio para Dilma na eleição de 2014. “Algo se quebrou quando Aécio acusou o PT de fraudar as eleições. Naquele momento, o PSDB indicou que poderia virar um partido bem mais conservador, até antissistema. Isso não aconteceu, afinal, mas o processo deixou sequelas”, afirma Praça, que também vê Doria com muita culpa no clima interno ruim que se criou.
“Quando disputou as prévias para ser candidato à prefeitura de São Paulo, em 2016, Doria abusou do poder econômico e não foi punido pelo partido. Aquilo desagregou a legenda de vez”, analisa o especialista, que lembra ainda que o próprio Doria “plantou” a oposição interna que está colhendo ao articular (ainda que nos bastidores), em 2018, para tomar o lugar do então tucano Geraldo Alckmin na chapa ao Palácio do Planalto.
Na época, enfraquecido em casa apesar de ter uma grande coligação, Alckmin ficou com apenas 4,76% dos votos na eleição presidencial, (até aqui) o pior resultado eleitoral da história do partido.