Ao usar de seu direito Constitucional, oq eu para alguns significa desafiar via decreto uma decisão criminal do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro (PL) agiu para estancar uma erosão em sua base de apoio que vinha se agravando à medida em que ele entregava poder, cargos e verbas aos aliados do Centrão. Com o perdão presidencial ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), militantes mais radicais, que chegaram a ameaçar um rompimento eleitoral, estão voltando para as fileiras do bolsonarismo.
Bolsonaristas mais ideológicos, liderados pelos deputados federais Carla Zambelli (PL-SP) e Carlos Jordy (PL-RJ), já se mobilizam para retomar as ruas em manifestações no dia 1º de maio, para apoiar a subida de tom do presidente e dar lastro popular a essa pressão renovada ao STF. Essa militância estava se afastando de Bolsonaro desde que ele recuou das ameaças que fez durante atos com pauta antidemocrática em 7 de setembro do ano passado.
A trégua com o Supremo ajudou Bolsonaro a consolidar sua aliança com o Centrão, mas melindrou aliados de primeira hora do que ficou conhecido como “ala ideológica”, como os ex-ministros Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, e Abraham Weintraub, da Educação.
Weintraub (PMB), aliás, tentou se tornar líder de uma espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro, e trabalha para lançar candidatura ao governo de São Paulo que seja uma alternativa à chapa oficial do bolsonarismo, liderada pelo ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Essa dissidência vinha preocupando o entorno do presidente às vésperas do início oficial da campanha. E a retomada radical foi um movimento que contou com o apoio até da ala mais pragmática dos governistas, que estão cientes da importância dessa militância aguerrida, sobretudo na campanha digital.
Por enquanto, a movimentação de Bolsonaro está dando resultado. Desde a graça concedida a Silveira, Weintraub tem gasto seu tempo nas redes sociais respondendo a cobranças pelas críticas que tem feito a Bolsonaro, a quem acusa de ter abandonado os conservadores e se entregado ao Centrão fisiológico.
O ex-ministro da Educação não recuou totalmente de suas posições, mas baixou o tom, e, apesar de estar dizendo que ainda não acredita que seja uma “mudança definitiva na postura do presidente”, reconhecerá o “erro” e pedirá desculpas “caso isso fique de pé por duas semanas”.
Amolecendo os críticos
O perdão a Silveira está levando outros influenciadores de extrema direita que vinham batendo em Bolsonaro a baixarem o tom. Um exemplo é o do médico Alessandro Loiola, que ficou célebre entre os apoiadores radicais do presidente ao se tornar um dos porta-vozes do negacionismo sobre a gravidade da pandemia de coronavírus.
Na quinta (21/4), dia do anúncio e publicação do decreto, Loiola postou uma mensagem de “parabéns pela atitude”. Na sexta (22/4), porém, o médico fez um alerta: “Celebremos, sim, mas cientes de que esta única vitória está longe de encerrar a guerra instalada em 2018”.
Radicais exigem mais perdões
O desafio de Bolsonaro para não frustrar mais uma vez sua militância mais radical nem voltar a se indispor com políticos pragmáticos que fecharam com ele é buscar um equilíbrio entre o embate e a trégua.
Para seguir acreditando que o presidente não abandonou seus compromissos ideológicos, seus militantes cobram que ele não apenas lute para que o decreto que trata de Silveira seja mantido, mas que sua caneta seja usada para livrar da Justiça outros bolsonaristas investigados ou denunciados.
Segundo Amado, o governo prepara indultos para o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) e os ativistas extremistas Oswaldo Eustáquio e Allan dos Santos. Nesses casos, porém, os textos devem ser enviados ao Congresso, não publicados no formato de decretos.
Para os radicais, porém, ainda falta gente nessa lista. São citados os nomes de outros ativistas que estão presos ou estão usando tornozeleiras, como Zé Trovão, Sara Winter e Wellington Macedo.
E agora?
Um esforço verdadeiro de Bolsonaro para tentar ajudar esses radicais na mira da Justiça será fundamental para manter essa renovação de confiança em militantes como a ex-deputada federal Cristhiane Brasil (PTB-RJ), filha de Roberto Jefferson, que vinha cobrando o presidente por ajuda para tirar o pai da cadeia e, nos últimos dias, celebrou a decisão do presidente em relação a Silveira.
Os obstáculos do presidente nesse caminho devem ser a atuação da oposição, que já tenta derrubar, no Supremo e no Congresso, o decreto que beneficiou Silveira, e seus próprios aliados menos radicais, que não pretendem dar a Bolsonaro um “cheque em branco” para desafiar o Judiciário.
Apesar de estar sendo tratado como traidor por uma ampla porção da militância, o ministro André Mendonça, indicado por Bolsonaro ao Supremo, mostrou em seu voto condenando Silveira e na justificativa que deu nas redes sociais que há setores na militância, principalmente entre os evangélicos, que já não estão felizes com a radicalização.
“Diante das várias manifestações sobre o meu voto ontem [quarta], sinto-me no dever de esclarecer que: como cristão, não creio tenha sido chamado para endossar comportamentos que incitam atos de violência contra pessoas determinadas”, escreveu Mendonça, em uma publicação no Twitter na última quinta (21/4).