A delegada Fernanda Costa de Oliveira, chefe da Delegacia de Inquéritos Especiais (Delinq), corre contra o tempo para manter na carceragem da Polícia Federal, em Brasília, os ex-governadores Agnelo Queiroz e José Roberto Arruda (PR), o ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB) e mais sete presos da Operação Panatenaico. Nesta quinta-feira (25/5), ela se manifestou à Justiça, pedindo a manutenção da prisão temporária determinada pela 10ª Vara Federal, já que os advogados de defesa entraram com pedidos de habeas corpus para liberar seus clientes antes de sábado (27), quando termina o prazo da detenção.
Nesta sexta (26), a delegada que está à frente da operação vai receber os três últimos relatórios referentes aos materiais apreendidos, na terça (23), durante o cumprimento dos mandados. Com os balanços em mãos, a policial saberá se terá argumentos suficientes para pedir a conversão da prisão temporária em preventiva. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigam, a partir da delação de ex-executivos da Andrade Gutierrez, superfaturamento e pagamento de propina nas obras do estádio Mané Garrincha.
“Algumas equipes ainda não entregaram os relatórios. Temos 30 dias para devolver aos investigados os materiais apreendidos. No caso dos celulares, é preciso de equipamentos específicos para fazer o espelhamento (copiar o conteúdo)”, explicou a delegada ao Metrópoles. De acordo com ela, a análise precisa ser “muito criteriosa” para não dar margem a qualquer tipo de questionamento, nem técnico nem jurídico.
Preocupação
O que ficou registrado nos celulares, aliás, é a maior preocupação da defesa dos presos. Nesta quinta, um grupo de quatro advogados conversava sobre o assunto na recepção da Superintendência da Polícia Federal, no Setor Policial Sul. Alertavam que o conteúdo arquivado — principalmente mensagens trocadas — nos equipamentos poderiam complicar a situação de seus clientes, já que não sabiam o que os peritos encontrariam.
Além dos telefones móveis, os investigadores apreenderam computadores, documentos, obras de arte, vinhos importados (que serão avaliados por peritos), carros de luxo, US$ 95 mil, 20 mil euros e uma coleção de relógios avaliada em R$ 500 mil.
Durante a operação, foram localizados dois cofres, segundo a PF: um no escritório do advogado Luiz Carlos Barreto de Oliveira Alcoforado, alvo de mandado de condução coercitiva (quando a pessoa é levada a depor), e outro na casa do empresário Fernando Márcio Queiroz, dono da Via Engenharia, que foi preso. Mas nenhum material que estava neles foi considerado suspeito. A construtora formou com a Andrade Gutierrez o consórcio que construiu o estádio.
Operação comprometida
A delegada, entretanto, lamenta que o sigilo das delações tenha sido retirado antes da operação ser deflagrada. Segundo ela, os alvos tiveram acesso às informações, o que pode ter comprometido a qualidade do material apreendido.
Todos tiveram acesso às informações. Foi noticiado na grande mídia. Se a pessoa sabe que está sendo investigada, ela se prepara. Com isso, a medida judicial, que nesse caso é a busca, fica comprometida"
delegada chefe da Delegacia de Inquéritos Especiais (Delinq), Fernanda Costa de Oliveira
Apesar dos percalços, a expectativa da delegada é concluir o inquérito no início do segundo semestre. Dos presos pela Polícia Federal, apenas Agnelo Queiroz, ex-governador; Nilson Martorelli, ex-presidente da Novacap; Maruska Lima de Souza Holanda, ex-presidente da Terracap; e Afrânio Roberto de Souza Filho, empresário e ex-secretário do GDF, falaram. Ele seria, de acordo com as delações, um dos intermediários da propina para o ex-vice-governador Tadeu Filippelli. Todos negaram participação no esquema investigado.
Arruda e Filippelli não quiseram falar, seguindo orientação dos advogados de permanecerem calados. Dos três que foram alvo de condução coercitiva, somente o advogado Luiz Carlos Barreto de Oliveira Alcoforado respondeu aos questionamentos da PF.
Enquanto os detidos aguardam uma definição sobre seus destinos, nos corredores da Superintendência da Polícia Federal o movimento é intenso. Advogados e familiares tentam reaver os bens apreendidos e conversar com os presos. Nesta quinta, muitos parentes não conseguiram visitar os detidos. Isso porque só é permitida uma visita por dia. Assim, tiveram que fazer um cadastro e apenas entregar objetos, como roupas, garrafas de água e baralhos, para que fossem entregues pelos agentes. As reuniões dos defensores com os clientes só são permitidas às 16h.
As prisões foram autorizadas pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal, depois que investigações da PF identificaram fraudes e desvios de recursos públicos em obras de reforma do Estádio Nacional Mané Garrincha. Orçada em R$ 600 milhões, a arena brasiliense custou mais de R$ 1,6 bilhão. A operação é decorrência das delações de ex-executivos da Andrade Gutierrez, que construiu a arena em consórcio com a Via Engenharia. A Justiça determinou a indisponibilidade de R$ 155 milhões de 13 envolvidos no esquema.
Os investigados, de acordo com a PF, cometeram crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa, corrupção ativa e passiva, e fraude em licitação.
Ouvidos pelo Metrópoles, os advogados de Arruda, Paulo Emílio Catta Preta, e de Agnelo, Paulo Guimarães, informaram que estão tentando revogar os mandados de prisão. A Via Engenharia disse que não se manifestaria sobre a detenção de seu dirigente. As defesas dos demais envolvidos não foram localizadas pela reportagem.
A operação foi feita com base nas delações dos ex-diretores da Andrade Gutierrez Flávio Gomes Machado Filho, Clóvis Renato Numa Peixoto Primo, Rogério Nora de Sá, Rodrigo Leite Vieira e Carlos José de Souza. De acordo com eles, mais de R$ 15 milhões em propinas teriam sido distribuídos aos acusados entre 2008 e 2014 na obra do Mané Garrincha.
Confira quem é quem na Operação Panatenaico:
Temporária:
José Roberto Arruda: ex-governador do DF, é apontado pela investigação como o mentor de “toda a fraude licitatória e os crimes daí derivados ao articular a saída de outras construtoras do certame e ao apontar/determinar desde logo os vencedores”. Ainda segundo a PF, Arruda, mesmo preso no âmbito da Caixa de Pandora, pressionava pelo recebimento da propina, que foi paga em 2013, quando ele já estava solto. Ao decidir pela prisão, o juiz federal Vallisney de Souza Oliveira ressalta que Arruda “liderou no início a associação criminosa em conluio com as construtoras, havendo indícios de práticas suas de delitos de fraude à licitação e lavagem de dinheiro”.
Agnelo Queiroz: ex-governador do DF, foi quem executou a obra de construção do Mané Garrincha. No pedido de prisão elaborado pela delegada Fernanda Costa de Oliveira, ela detalha ao judiciário que o petista articulou na Câmara Legislativa mudanças para que a Terracap pudesse executar as reformas do estádio. A investigadora ressalta ainda que, em delação, Rodrigo Leite Vieira, gerente comercial da Andrade Gutierrez, afirmou ter entregado em 2014, no Canteiro de Obras do Estádio Mané Garrincha, “vultosos valores de propina destinados ao ex-governador em mãos de Jorge Luiz Salomão”.
Nelson Tadeu Filippelli: ex-vice-governador do DF “se associou e cometeu delitos de corrupção e lavagem de dinheiro, entre outros a serem apurados, tendo feito diversos pedidos de propina da Andrade Gutierrez. Inclusive recebera propina para o seu partido PMDB, entre 2013 e 2014, tendo recebido valores ilícitos também da Construtora Via Engenharia tudo em função da realização das obras e na execução do contrato licitatória em que as duas Empresas saíram vencedoras e executaram a obra hiperfaturada”, segundo consta na decisão que autorizou as prisões desta terça (23). Segundo o documento, Filippelli “cometeu diversas vezes o delito de corrupção e de lavagem de dinheiro e ainda de associação criminosa com os demais membros da ‘quadrilha’ como Agnelo Queiroz e outros”.
Maruska Lima de Souza Holanda: ex-presidente da Terracap, foi integrante da Comissão de Licitação que consagrou as empresas Via Engenharia e Andrade Gutierrez como vencedoras do certame para a construção do estádio. O delator Rodrigo Leite afirmou que Maruska “teria recebido valores ilícitos, tanto da Via Engenharia, quanto da Construtora AG, tudo a apontar que pode ter incorrido nos delitos de corrupção, fraude à licitação, associação ou organização criminosa e lavagem de dinheiro.”
Francisco Cláudio Monteiro: ex-secretário da Copa, ex-deputado distrital e agente aposentado da Polícia Civil do DF, teria recebido, “a pedido de Agnelo, o valor de duzentos e cinquenta mil reais”. Para a Polícia Federal, Cláudio Monteiro cometeu os crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Nilson Martorelli: ex-presidente da Novacap, também foi alvo da delação de Rodrigo Leite como um dos beneficiados de propina paga durante os aditamentos contratuais da reforma do estádio. O dinheiro teria sido entregue a ele por Alberto Nolli, da Via Engenharia, e por representantes da Andrade Gutierrez.
Fernando Márcio Queiroz: dono da Via Engenharia, é suspeito de fraudar a licitação para a construção do estádio em troca de pagamento de propina aos ex-governadores Agnelo Queiroz e José Roberto Arruda. Segundo a PF, ele teria corrompido, por meio do diretor da Via Alberto Nolli, Maruska Lima e Nilson Martorelli.
Jorge Luiz Salomão: apontado como intermediário sistemático de Agnelo Queiroz, ele teria recebido propina destinada ao petista dentro do canteiro de obras do Mané Garrincha. Ao pedir a prisão dele, a delegada Fernanda Costa informou que há indícios de que ele tenha cometido os crimes de lavagem de dinheiro e corrupção, “fazendo parte também da associação criminosa liderada por Agnelo Queiroz”. É da Diretoria do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon-DF) e representante da empresa Coss Construções Ltda.
Sérgio Lúcio Silva de Andrade: Empresário mineiro que se tornou figura proeminente em Brasília, Sérgio é apontado como interlocutor de Arruda, e seria o responsável por operar para o ex-governador a cobrança de propina, a partir de 2013. É identificado no relatório como “a pessoa próxima e de confiança do ex-governador; era quem pedia e recebia o dinheiro para o ex-governador, inclusive lhe foi repassado um valor de dois milhões de reais diretamente de funcionários das construtoras”. É dono do Grupo Gran, que atua no DF e em Minas Gerais e inclui concessionárias, lojas de equipamentos automotivos, estacionamentos, uma fábrica de placas para automóveis e uma fazenda em Unaí (MG). Também já foi presidente da Associação das Agências de Automóveis do DF (Agenciauto), do Sindicato do Comércio Varejista de Automóveis e Acessórios do DF (Sindiauto), e da Associação de Fabricantes de Placas Credenciadas (Asplac). Além disso, foi diretor suplente da Federação do Comércio do DF (Fecomércio-DF).
Afrânio Roberto de Souza Filho: Empresário e ex-secretário do GDF, é acusado por delatores de ser operador financeiro de Filippelli e o responsável por receber propina para o ex-vice-governador. O relatório elaborado pela PF indica que foram dezenove pagamentos de propina, no percentual de 4% de cada medição. Natural de Goiânia (GO), possui empresas imobiliárias e de transporte em Goiás e na Bahia. Já em Brasília, é sócio da Porto Seco, empresa que realiza operação de exportação e importação no DF. Ocupou os cargos de secretário de Desenvolvimento Tecnológico e adjunto da Fazenda do GDF durante o governo de Joaquim Roriz.
Conduções coercitivas ou buscas e apreensões:
Luiz Carlos Barreto de Oliveira Alcoforado: advogado de Agnelo Queiroz, foi mencionado pelos delatores Carlos José de Souza e Rodrigo Leite Vieira como tendo sido o aludido advogado o interlocutor de Agnelo para recebimento de propina, mediante contrato fictício para recebimento de valores descritos como ilícitos e valores oriundos do Caixa 2 da Construtora Andrade Gutierrez.
José Wellington Medeiros de Araújo: desembargador do TJDFT aposentado compulsoriamente em 2004 por suposto envolvimento com grilagem de terras no DF. Segundo a PF, ele teria sido um dos interlocutores de Agnelo Queiroz.
Alberto Nolli Teixeira: diretor de Construção da Via Engenharia, o engenheiro, casado e morador do Setor Sudoeste, é apontado como um dos pagadores de propina em nome da empreiteira.