As delações dos ex-executivos da Andrade Gutierrez expuseram os sólidos alicerces que sustentavam a relação entre a construtora, a Via Engenharia e o alto escalão do GDF, à época da reconstrução do Estádio Nacional Mané Garrincha. Os depoimentos revelam, com riqueza de detalhes, uma ligação umbilical, à base de irregularidades, que viabilizou o impensável na administração pública: em conluio, integrantes do governo local e funcionários das empreiteiras candidatas a executar o projeto da nova arena elaboraram o edital da obra. Pouco tempo depois, as empresas formariam o consórcio vencedor do certame que ajudaram a idealizar e tirar do papel.
Os mesmos representantes que teriam participado das negociações de propina com os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), presos na terça-feira (23/5), em troca do contrato bilionário da reconstrução do estádio, entregaram todo o esquema ao Ministério Público Federal (MPF). As informações constam no inquérito da Policia Federal, ao qual o Metrópoles teve acesso.
Ex-executivos da Andrade afirmaram, em acordo de colaboração, que “a parceria” teria como objetivo “beneficiar o consórcio Brasília 2014”, formado pela empreiteira e pela brasiliense Via Engenharia. Peritos da Polícia Federal apontaram, em laudo, seis irregularidades no edital do certame. A conclusão é de que houve “notório direcionamento” no processo, com “indícios fortes de fraude à licitação”.
Orçada inicialmente em R$ 600 milhões, a arena brasiliense foi erguida ao custo de R$ 1,5 bilhão, tornando-se a segunda mais cara do mundo e a de maior preço dentre as arenas brasileiras construídas ou reformadas para a Copa de 2014. O superfaturamento, de acordo com o Tribunal de Contas do DF, chegou a R$ 900 milhões, em valores atualizados.
Após o grupo verificar a inviabilidade do projeto, Carlos José teria sido instruído por Rodrigo a integrar um grupo de estudos voltado à elaboração do edital de licitação com a Novacap, executora do contrato. Segundo o ex-executivo, o edital seria direcionado ao consórcio a ser formado entre Andrade e Via. Também participava das reuniões do grupo, de acordo com o delator, Eduardo Alcides Zanelatto, integrante da construtora.
No relato de Carlos José, cabia a ele coletar informações com a Andrade Gutierrez para passar ao grupo de estudos. O objetivo era que o edital fosse ajustado de forma a filtrar as concorrentes, aumentando as chances de êxito do consórcio. “Os dados encaminhados pelo citado grupo de trabalho à Novacap foram utilizados no edital, objetivando atribuir cláusulas que beneficiassem o consórcio”, registrou o ex-gerente da empreiteira, no depoimento.
De acordo com a PF, “foi constatada, por meio de exames periciais, restrição de competitividade e formação de cartel no âmbito da concorrência”.
1% para Arruda
O relato de outro delator e ex-diretor da Andrade Gutierrez, Clóvis Primo, revela que as empreiteiras também contribuíram na elaboração dos projetos que embasaram o certame. Em suas palavras, a concessão dessas benesses aos futuros construtores da arena teve um preço.
Segundo ele, antes da formação do consórcio, havia um acerto com a Via Engenharia para pagamento de 1% do valor do projeto ao então governador José Roberto Arruda. Aos promotores, Clóvis Primo afirmou que ele e o gerente comercial da Andrade Gutierrez para o GDF, Carlos José, foram informados sobre esse percentual pelo próprio dono da empreiteira brasiliense, Fernando Queiroz, também preso na terça-feira (23).
R$ 2 milhões para Agnelo
Já a delação de Rodrigo Leite Vieira, também ex-executivo da Andrade, lança o ex-governador Agnelo Queiroz para o rol dos políticos que teriam sido beneficiados com propina no processo de reconstrução do Mané Garrincha. O colaborador confirmou que a Via Engenharia pagou R$ 2 milhões ao petista no final de 2014, quando Agnelo governava o Distrito Federal.
Segundo Rodrigo, o valor seria uma parte da negociação de 4% em propina a ser dada ao então número-um do Palácio do Buriti sobre o valor líquido da obra – o estádio custou R$ 1,5 bilhão aos cofres do GDF. Somente em 2014, de acordo com Leite, foram feitos 12 pagamentos a título de propina para Agnelo.
Operação Panatenaico
As delações serviram para embasar os pedidos de prisão e mandados de condução coercitiva, busca e apreensão da Operação Panatenaico, mais um desdobramento da Lava Jato. Além dos ex-governadores Arruda e Agnelo, o ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB), assessor especial do presidente Michel Temer, também acabou detido.
Outros sete mandados de prisão temporária foram expedidos contra agentes públicos, ex-servidores e empresários, entre eles a ex-presidente da Terracap, Maruska Lima; o dono da Via Engenharia, Fernando Márcio Queiroz; e o ex-secretário da Copa, Cláudio Monteiro.
As prisões foram autorizadas pela 10ª Vara Federal, depois que investigações da PF identificaram fraudes e desvios de recursos públicos em obras da reforma do Mané Garrincha para a Copa do Mundo de 2014. Nessa sexta-feira (26/5), o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara, atendeu pedido do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, decidindo estender por mais cinco dias as prisões de todos os detidos na Panatenaico. A Justiça determinou, ainda, a indisponibilidade de R$ 155 milhões de 13 envolvidos no esquema.