27/05/2017 às 12h59min - Atualizada em 27/05/2017 às 12h59min

Construtoras elaboraram edital do Mané Garrincha em conluio com GDF

Segundo delatores da Andrade Gutierrez, objetivo era “beneficiar o consórcio Brasília 2014”, formado pela empreiteira e pela Via Engenharia.

Metrópoles

As delações dos ex-executivos da Andrade Gutierrez expuseram os sólidos alicerces que sustentavam a relação entre a construtora, a Via Engenharia e o alto escalão do GDF, à época da reconstrução do Estádio Nacional Mané Garrincha. Os depoimentos revelam, com riqueza de detalhes, uma ligação umbilical, à base de irregularidades, que viabilizou o impensável na administração pública: em conluio, integrantes do governo local e funcionários das empreiteiras candidatas a executar o projeto da nova arena elaboraram o edital da obra. Pouco tempo depois, as empresas formariam o consórcio vencedor do certame que ajudaram a idealizar e tirar do papel.

 

Os mesmos representantes que teriam participado das negociações de propina com os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), presos na terça-feira (23/5), em troca do contrato bilionário da reconstrução do estádio, entregaram todo o esquema ao Ministério Público Federal (MPF). As informações constam no inquérito da Policia Federal, ao qual o Metrópoles teve acesso.

 

Ex-executivos da Andrade afirmaram, em acordo de colaboração, que “a parceria” teria como objetivo “beneficiar o consórcio Brasília 2014”, formado pela empreiteira e pela brasiliense Via Engenharia. Peritos da Polícia Federal apontaram, em laudo, seis irregularidades no edital do certame. A conclusão é de que houve “notório direcionamento” no processo, com “indícios fortes de fraude à licitação”.

Orçada inicialmente em R$ 600 milhões, a arena brasiliense foi erguida ao custo de R$ 1,5 bilhão, tornando-se a segunda mais cara do mundo e a de maior preço dentre as arenas brasileiras construídas ou reformadas para a Copa de 2014. O superfaturamento, de acordo com o Tribunal de Contas do DF, chegou a R$ 900 milhões, em valores atualizados.

 

Após o grupo verificar a inviabilidade do projeto, Carlos José teria sido instruído por Rodrigo a integrar um grupo de estudos voltado à elaboração do edital de licitação com a Novacap, executora do contrato. Segundo o ex-executivo, o edital seria direcionado ao consórcio a ser formado entre Andrade e Via. Também participava das reuniões do grupo, de acordo com o delator, Eduardo Alcides Zanelatto, integrante da construtora.

 

No relato de Carlos José, cabia a ele coletar informações com a Andrade Gutierrez para passar ao grupo de estudos. O objetivo era que o edital fosse ajustado de forma a filtrar as concorrentes, aumentando as chances de êxito do consórcio. “Os dados encaminhados pelo citado grupo de trabalho à Novacap foram utilizados no edital, objetivando atribuir cláusulas que beneficiassem o consórcio”, registrou o ex-gerente da empreiteira, no depoimento.

 

De acordo com a PF, “foi constatada, por meio de exames periciais, restrição de competitividade e formação de cartel no âmbito da concorrência”.

 

1% para Arruda

O relato de outro delator e ex-diretor da Andrade Gutierrez, Clóvis Primo, revela que as empreiteiras também contribuíram na elaboração dos projetos que embasaram o certame. Em suas palavras, a concessão dessas benesses aos futuros construtores da arena teve um preço.

 

Segundo ele, antes da formação do consórcio, havia um acerto com a Via Engenharia para pagamento de 1% do valor do projeto ao então governador José Roberto Arruda. Aos promotores, Clóvis Primo afirmou que ele e o gerente comercial da Andrade Gutierrez para o GDF, Carlos José, foram informados sobre esse percentual pelo próprio dono da empreiteira brasiliense, Fernando Queiroz, também preso na terça-feira (23).

 

R$ 2 milhões para Agnelo

Já a delação de Rodrigo Leite Vieira, também ex-executivo da Andrade, lança o ex-governador Agnelo Queiroz para o rol dos políticos que teriam sido beneficiados com propina no processo de reconstrução do Mané Garrincha. O colaborador confirmou que a Via Engenharia pagou R$ 2 milhões ao petista no final de 2014, quando Agnelo governava o Distrito Federal.

 

Segundo Rodrigo, o valor seria uma parte da negociação de 4% em propina a ser dada ao então número-um do Palácio do Buriti sobre o valor líquido da obra – o estádio custou R$ 1,5 bilhão aos cofres do GDF. Somente em 2014, de acordo com Leite, foram feitos 12 pagamentos a título de propina para Agnelo.

 

Operação Panatenaico

As delações serviram para embasar os pedidos de prisão e mandados de condução coercitiva, busca e apreensão da Operação Panatenaico, mais um desdobramento da Lava Jato. Além dos ex-governadores Arruda e Agnelo, o ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB), assessor especial do presidente Michel Temer, também acabou detido.

 

Outros sete mandados de prisão temporária foram expedidos contra agentes públicos, ex-servidores e empresários, entre eles a ex-presidente da Terracap, Maruska Lima; o dono da Via Engenharia, Fernando Márcio Queiroz; e o ex-secretário da Copa, Cláudio Monteiro.

 

As prisões foram autorizadas pela 10ª Vara Federal, depois que investigações da PF identificaram fraudes e desvios de recursos públicos em obras da reforma do Mané Garrincha para a Copa do Mundo de 2014. Nessa sexta-feira (26/5), o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara, atendeu pedido do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, decidindo estender por mais cinco dias as prisões de todos os detidos na Panatenaico. A Justiça determinou, ainda, a indisponibilidade de R$ 155 milhões de 13 envolvidos no esquema.


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