Os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), além do ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB), cumprirão o restante da prisão temporária na carceragem do Departamento de Polícia Especializada (DPE), assim como outros três investigados na Operação Panatenaico. Eles vão dividir duas celas de 12 metros quadrados.
A mudança ocorreu com autorização da Vara de Execuções Penais (VEP), ancorada no protocolo de que as celas da Superintendência da Polícia Federal são feitas para os presos ficarem por pouco tempo. Com o prolongamento da prisão temporária, os acusados de operar um esquema de superfaturamento no valor de R$ 900 milhões nas obras do Estádio Nacional Mané Garrincha poderão ficar até 10 dias presos.
Nas dependências do DPE, eles terão banheiro, mas sem chuveiro quente. São três refeições diárias: no café da manhã, é servido pão com manteiga e café com leite. No almoço, a marmita traz arroz, feijão, macarrão, salada, suco e um doce de sobremesa. O cardápio do jantar é o mesmo do almoço. São permitidas ainda duas horas de banho sol por dia e a visita de advogados.
Investigação
A arena mais cara da Copa de 2014 gerou deficit de R$ 1,3 bilhão nos cofres da Terracap, segundo balanço da estatal. De acordo com a Polícia Federal, a possível soltura dos presos poderia interferir nas investigações. Foram bloqueados R$ 155 milhões dos 11 alvos da decisão judicial.
Na quinta-feira, três presos haviam deixado a custódia da Polícia Federal para o DPE. Apontados como operadores de propina dos ex-governadores e do ex-vice-governador, Sérgio Lúcio Silva de Andrade, Jorge Luiz Salomão e Afrânio Roberto de Souza Filho saíram das dependências da PF — no Aeroporto Internacional de Brasília Juscelino Kubitschek e na Superintendência — para abrir espaço na carceragem da corporação.
Oito anos de questionamentos
Desde 2007, quando o Brasil foi escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014, a construção de um estádio na capital federal suscitou indagações dos órgãos de controle, que cobraram mudanças nos planos do governo
Por HELENA MADER
Questionamentos levantados pelo MP de Contas e pelo MPDFT incluem desde a forma como foi feita a licitação até o preço orçado para a instalação da cobertura. A maioria não teve sucesso.
Da capacidade da arena ao modelo de licitação, a construção do Estádio Nacional Mané Garrincha foi alvo de dezenas de questionamentos nos últimos oito anos, desde que o governo resolveu construir o espaço para a Copa do Mundo de 2014. O Ministério Público de Contas e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios apontaram indícios de superfaturamento da obra, pediram suspensão de repasses ao consórcio responsável pela empreitada, recomendaram uma arena menor e mais modesta, mas o GDF venceu todas as batalhas na Justiça e no Tribunal de Contas do Distrito Federal. O resultado foi um gigante de concreto às margens do Eixo Monumental, ao custo de R$ 1,575 bilhão. Segundo a Polícia Federal, o sobrepreço pode chegar a R$ 900 milhões.
Os primeiros questionamentos sobre a arena surgiram ainda em 2007, quando o Brasil ganhou o direito de sediar o evento. Naquele ano, o Ministério Público de Contas entrou com uma representação no TCDF, pedindo que os órgãos de fiscalização e controle se preparassem para o evento, com capacitação e contratação de pessoal. A ideia era evitar erros graves cometidos durante os Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro. As obras para o evento internacional no Rio, em 2007, foram orçadas em R$ 300 milhões, mas o custo final superou R$ 4 bilhões.
Dois anos depois, quando o governo lançou o edital de pré-qualificação para contratar empresa responsável pela reforma e ampliação do Mané, o MP de Contas questionou o modelo por entender “que a pré-qualificação nada mais é do que a antecipação da fase de habilitação em concorrência pública”. Além disso, faltavam informações para atrair interessados na disputa. O projeto de arquitetura ainda não havia sido concluído nem havia orçamento estimado em planilhas que detalhassem a composição e os custos unitários dos itens previstos para a obra.
Também não havia sido definido que serviços seriam passíveis de subcontratação. O edital de pré-qualificação chegou a ser suspenso pelo Tribunal de Contas, mas, depois de correções realizadas no edital, a licitação foi liberada. O MP recorreu, a análise do recurso, no entanto, acabou sobrestada e o debate só foi retomado em 2016, quando o estádio estava pronto e o debate havia perdido o sentido.
Diante das regras estabelecidas na pré-qualificação, não houve concorrência: somente dois consórcios se apresentaram para a disputa e um deles, encabeçado pela Odebrecht, deu apenas um lance de cobertura, combinado com a Andrade Gutierrez e com a Via Engenharia — estas últimas vencedoras do certame. As delações da Odebrecht trouxeram à tona a verdade: a empresa simulou concorrência para ajudar a Andrade Gutierrez na licitação do Mané Garrincha. A real falta de competitividade é um dos motivos que explicam a sucessão de erros e de superfaturamento na empreitada.
A reforma da arena teve orçamento inicial estimado em R$ 696 milhões, no entanto, os aditivos contratuais mais do que dobraram o valor contratado inicialmente. Pela Lei de Licitações, o total de aditivos em uma reforma não poderia superar 50% do total do contrato. Em 2012, com um termo aditivo no acerto firmado com o consórcio, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) excluiu essa cláusula do contrato original.
Prejuízo
Em várias situações, o Ministério Público de Contas também pediu glosas, que são retenções de pagamentos às empresas. Em 2013, em um dos processos que tramitam no Tribunal de Contas do DF, o MP requisitou uma glosa de R$ 34 milhões referente a alguns aditivos feitos no contrato. No ano seguinte, procuradores apontaram que esse prejuízo já havia chegado a R$ 60 milhões. Houve pedido de vista e o processo só voltou a ser debatido este ano, quando não havia mais possibilidade de retenção de valores, pois as empresas já haviam recebido todos os recursos previstos. Na última manifestação registrada nesse processo, o MP de Contas lamentou a falta de glosas. “Tivessem sido implementadas no momento devido, não haveria o risco de vultosos recursos se perderem, como temos visto em diversos processos.” Até hoje, o TCDF não deliberou sobre esses pedidos.
Um dos contratos mais polêmicos do Estádio Nacional é a colocação da cobertura. O Ministério Público de Contas fez vários questionamentos com relação a essa obra, sobretudo no que diz respeito a material usado para cobrir a arena — uma membrana revestida de fibra de vidro que elevou em R$ 36 milhões o valor estimado. Depois de o MP questionar esses repasses duas vezes, o TCDF autorizou retenções de repasses ao consórcio e o contrato acabou repactuado.
No processo de compra do guarda-corpo, o Ministério Público de Contas apontou várias irregularidades, como o fato de serviços similares já estarem previstos no contrato principal da reforma do Mané Garrincha. Diante das constatações, a própria Novacap reconheceu a falha e refez os levantamentos de quantitativos. Com isso, o valor previsto na licitação caiu de R$ 10,4 milhões para R$ 3,4 milhões e o TCDF autorizou a continuidade do certame. Houve novos questionamentos do MP, que solicitou retenções de pagamento às empresas. Os autos ainda tramitam na Corte e estão em fase de análise de recurso. No processo de licitação do gramado, orçado em R$ 9 milhões, também houve questionamentos. O TCDF verificou a ocorrência de prejuízos no valor de R$ 4,8 milhões, mas, até hoje, não houve decisão final.
Obras na área externa suspensas
Apesar da constatação de desvios milionários, a atuação dos órgãos de controle teve algumas vitórias na construção do Mané. Uma delas foi a suspensão do edital para obras do entorno do estádio, que previam um túnel entre a arena e o Centro de Convenções, a urbanização da área e a interligação com a W4/5 Norte. Orçadas em R$ 305 milhões, as intervenções na área externa do Mané Garrincha tiveram licitação suspensa pela Justiça a pedido do Ministério Público do Distrito Federal. O MPDFT moveu uma ação civil pública para suspender o edital. “A colossal unificação das obras configura indisfarçável modo de burla à disputa licitatória, pois minimiza exponencialmente o número de sociedades capazes em realizar obra de tal magnitude”, justificou o juiz do TJDFT Lizandro Garcia Gomes Filho, ao suspender o edital em 2015 — a disputa segue paralisada na Justiça. “A continuação dessa empreitada, sob o argumento de se estar fazendo obras recomendadas pela Fifa, é um acinte ao bom senso. Querer justificar essas obras, mais de um ano depois do lamentável evento da Copa do Mundo, não parece algo crível”, acrescentou o magistrado.
Outra licitação que acabou suspensa por indícios de sobrepreço e de irregularidades é o certame para a compra de placas de comunicação visual. O edital estimou em R$ 21 mil por metro quadrado o valor de painéis luminosos para sinalização interna do estádio. Diante da indicação de um sobrepreço de mais de R$ 3 milhões, o MP de Contas opinou pela suspensão da licitação, o que foi acatado pelo Tribunal de Contas do DF. O pregão acabou revogado.
Na Operação Panatenaico, os ex-governadores José Roberto Arruda (PR) e Agnelo Queiroz (PT), e o ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB) são apontados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal como beneficiários de propina na obra do estádio. Eles teriam colaborado para fraudes à licitação da arena esportiva e estão presos desde a última terça-feira. A defesa de Arruda explicou que o ex-governador está tranquilo, uma vez que “confia nos esclarecimentos de que ele não teve participação alguma nessas irregularidades”. Já os representantes de Agnelo e de Filippelli argumentam que ainda não tiveram acesso completo ao processo e, por isso, não podem comentar com detalhes as denúncias feitas pelos investigadores.
Em nota, o Tribunal de Contas do DF argumenta que, desde o início da obra, “atuou para evitar desperdício de recursos no Estádio Nacional de Brasília”. Segundo a Corte, a fiscalização da empreitada “sempre teve como principais objetivos evitar prejuízos financeiros e riscos à população”. Ainda segundo a nota, o TCDF alega que “agiu preventivamente, analisando os editais de licitação e fazendo uma auditoria permanente no Mané Garrincha”. “A Corte tem fiscalizado a legalidade e economicidade dos atos relacionados à arena, levando em consideração o respeito à ampla defesa e ao contraditório”, finaliza o texto do Tribunal de Contas. (HM)
O xadrez das eleições após os escândalos
Investigações sobre a obra do Mané Garrincha que culminaram na prisão de importantes nomes da política do DF podem levar à reconstrução de alianças para a corrida ao Buriti e até mesmo abrir espaço a nomes alternativos.
Por ANA VIRIATO
As menções na Lava-Jato e a prisão temporária, na Operação Panatenaico, dos ex-governadores Agnelo Queiroz (PT) e José Roberto Arruda (PR), além do ex-vice-governador Tadeu Filippelli (PMDB), causaram reviravolta nas perspectivas relativas à corrida eleitoral pelo Palácio do Buriti em 2018. Com o desgaste da imagem de personagens importantes da política da capital, suspeitos de recebimento de propina e superfaturamento de obras no DF, as peças do jogo mudam — alianças iniciais se reconstroem e o espaço fica aberto para nomes alternativos.
Principal oponente de Rodrigo Rollemberg (PSB), Filippelli é o mais prejudicado pela deflagração das investigações. Após a absolvição na Justiça Eleitoral, o ex-vice-governador começou a vislumbrar a chefia do GDF. O peemedebista articulava com os deputados federais Izalci Lucas (PSDB) e Alberto Fraga (DEM), além do presidente do Diretório Regional do PTB, Alírio Neto, e chegou a gravar inserções do PMDB para tevês e rádios com críticas à atual gestão. Filippelli, no entanto, está preso desde a última terça-feira e, por isso, foi exonerado do cargo de assessor da presidência da República.
A perda do peemedebista é ganho, ainda que indireto, do trio integrado por Izalci, Fraga e Alírio. Os três, no entanto, se esquivam ao comentar o cenário eleitoral para o próximo ano. “Dizer que não há desgaste seria ingenuidade. Ainda assim, o PMDB é uma das maiores siglas quando falamos em fundo partidário e tempo na tevê. Tem de ver como a legenda vai se posicionar. O quadro muda todo dia, mas vamos manter as conversas para analisar qual a melhor composição”, afirma Alírio.
O tucano Izalci Lucas indica a necessidade de aguardar os desfechos da operação para definir um posicionamento sobre a situação de Filippelli. “Há uma repercussão frente ao eleitorado, mas não podemos condená-lo. Provada a inocência, o cenário muda”, avalia.
A coalizão dos políticos é a mesma que deu suporte às gestões de José Roberto Arruda e Joaquim Roriz. Para conquistar os cargos majoritários, o grupo precisará se desvincular dos dois ex-governantes, com históricos de envolvimento em escândalos de corrupção. O trio ainda costura alianças com o PPS, do senador Cristovam Buarque, e com Jofran Frejat (PR), que disputou as eleições com Rollemberg em 2014. O PPS declarou oposição oficial à atual gestão em fevereiro deste ano.
Reforma política
O futuro das articulações, no entanto, depende de resultados no Congresso Nacional em relação à reforma política. Caso a Câmara dos Deputados e o Senado aprovem o projeto que põe fim às coligações partidárias proporcionais, a tendência é que haja uma pulverização da disputa, com vasto número de candidaturas. Do contrário, é quase inevitável uma união de grupos rivais em uma única chapa.
Rogério Rosso, apesar de não ser alvo da primeira etapa da Operação, teve o nome ligado às irregularidades das obras do Estádio Nacional Mané Garrincha. A Procuradoria-Geral da República (PGR) decidirá se pede autorização ao Supremo Tribunal Federal (STF) para investigá-lo. Ele ainda é o presidente do Diretório Regional do PSD, do vice-governador Renato Santana. A sigla protagonizou diversas desavenças com o governo de Rollemberg e não esconde as diferenças com o chefe do Executivo local. Ainda assim, Rosso evita falar sobre um rompimento para a próxima corrida eleitoral. “Apesar de algumas discordâncias, a relação entre PSB e PSD é harmônica. É cedo para fazer um prognóstico. Mas é possível que ocorra em Brasília o mesmo que aconteceu em São Paulo: a eleição de um outsider”, opinou, referindo-se ao empresário e prefeito da cidade, João Doria