A morte misteriosa de um homem que participava de um ritual onde era servido o chá do Santo Daime é apurada pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF). Micael Amorim de Macedo, 26 anos, perdeu a vida durante uma cerimônia espiritual ocorrida em uma chácara, na zona rural de São Sebastião. O ator e dançarino teria desfalecido após ingerir ayahuasca seguida de várias aplicações de rapé durante surto psicótico provocado pelo chá. O caso é investigado pela 30ª Delegacia de Polícia (São Sebastião).
Apenas homens participavam do encontro ritualístico, em 23 de julho deste ano. Micael teria ficado, por algumas horas, deitado em um canto após ingerir a mistura de substâncias. O dançarino teria apresentado confusão mental e ameaçado se jogar em uma fogueira, após ter crises e alucinações.
Micael foi contido por homens que participavam do ritual. Um deles chegou a assoprar três porções de rapé em suas vias aéreas. Quando perceberam que o ator estava sem se mexer há muito tempo, já era tarde. Ele, supostamente, teria sofrido parada cardiorrespiratória e não resistiu. As informações foram repassadas por uma pessoa ligada a Micael, que preferiu não se identificar.
Experiência com ayahuasca
Segundo a fonte, o ator havia tido sua primeira experiência com a ayahuasca em maio deste ano, em outro espaço religioso, no município goiano de Santo Antônio do Descoberto, no Entorno do DF. Ele foi levado ao local por três amigos, que lhe apresentaram o ritual. “Depois da primeira experiência, o Micael se sentiu motivado a buscar outras, pois queria lidar com algumas questões espirituais que ele julgava necessário resolver”, disse.
O dançarino também teria ficado agitado na primeira experiência e acabou contido por outras pessoas. No entanto, bebeu água e se deitou até que os efeitos do chá cessassem. “Naquela ocasião, não houve maiores consequências e ele decidiu que participaria novamente”, contou.
Micael descobriu que um mestre de capoeira morava em uma chácara onde eram realizados rituais com a consagração da ayahuasca. “Ele entrou em contato com essa pessoa e falou que tinha interesse em participar da cerimônia. Micael tinha conhecido esse homem duas semanas antes do ritual”, explicou.
Dose de 40ml
A coluna apurou que o ator teria ingerido, ao todo, três doses do chá do Santo Daime. Micael bebeu uma dose de 40 ml e, depois, outras duas, de 20 ml cada. A última dose teria sido ingerida já faltando 30 minutos para terminar o ritual, que dura cerca de quatro horas. “Micael ficou transtornado com essa quantidade de chá”, disse a fonte.
Antes de participar do ritual que o matou, o dançarino preencheu uma ficha de anamnese, que costuma ser usada por médicos para ter conhecimento do histórico de doenças de cada paciente. “Micael colocou na ficha que havia feito uma cirurgia cardíaca, mas não confirmou a data e também colocou que havia feito uso de álcool na semana da cerimônia”. Mesmo assim, a polícia precisa apurar o caso para identificar se houve crime”, finalizou.
O inquérito instaurado pela 30ª DP já ouviu quatro pessoas, mas uma testemunha-chave ainda precisaria ser ouvida. A suspeita é que teria havido negligência ou imprudência dos organizadores do ritual. No entanto, a possibilidade de homicídio culposo não foi descartada pelas autoridades. Os investigadores ainda aguardam um lado do Instituto Médico Legal (IML) com material coletado da vítima. O objetivo é identificar o que teria provocado a morte do rapaz
Manifestação religiosa
O uso ritualístico do chá é reconhecido como prática religiosa legítima e normalmente é realizada por pajés em aldeias indígenas, que passam décadas estudando as medicinas da floresta amazônica. No contexto urbano, algumas medidas são necessárias para diferenciar o uso recreativo do uso religioso. As normas são estabelecidas pelo Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (Conad).
Santo Daime é uma doutrina fundada por Raimundo Irineu Serra, em Brasiléia, no Acre, em 1920. Os primeiros cultos públicos só aconteceram 10 anos após a fundação, em uma cidade próxima à capital Rio Branco (AC).
Trata-se de um ritual que acontece através de um chá chamado ayahuasca, e tem esse nome devido ao verbo “dar”, que é muito usado em orações, com “dai-me força”.
O chá tem propriedades alucinógenas e o fundador Raimundo teve seu primeiro contato com a bebida na Amazônia boliviana. Sob efeito do chá, Raimundo viu uma mulher que o aconselhou a vagar oito dias pela mata. No fim desses dias, a mulher revelou ser a Virgem Maria, segundo a lenda.
O uso sacramental do chá foi regulamentado pelo governo brasileiro em 2010 e existem algumas restrições para seu uso. O uso do chá em contexto urbano só é permitido por lei em instituição religiosa com CNPJ, como regulamenta a resolução n° 01/2010 do Conad.