Oito dias antes de ser flagrado recebendo uma mala com R$ 500 mil em dinheiro de um delator envolvido em corrupção, o deputado federal e ex-assessor do Planalto Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) foi homenageado pelo presidente Michel Temer (PMDB) com a insígnia da Ordem de Rio Branco.
A condecoração foi concedida em cerimônia no Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores, no dia 20 de abril. Outros políticos, como o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) e o ex-ministro da Justiça, deputado federal Osmar Serraglio (PMDB-PR), também receberam a comenda.
A definição dos agraciados com a insígnia é feita pelo Conselho da Ordem de Rio Branco, composto pelo presidente da República, que ocupa o cargo de grão-mestre da Ordem, o ministro de Relações Exteriores e outros três assessores do Planalto e do Itamaraty.
Quando recebeu a honraria, Rocha Loures já havia deixado o posto de assessor especial do Planalto e retornado ao mandato de deputado federal.
Dali a oito dias, numa sexta-feira, 28 de abril, Rocha Loures seria flagrado numa ação da Polícia Federal recebendo R$ 500 mil em uma mala do executivo da JBS Ricardo Saud, no estacionamento de uma pizzaria em São Paulo.
As circunstâncias que levaram Loures a sair da pizzaria com uma mala de dinheiro só foram tornados públicos em 19 de maio, quando o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin tornou público o inquérito contra Temer e Loures.
O presidente e o deputado passaram a ser investigados, junto com o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), por suspeita de envolvimento nos crimes de corrupção, obstrução à Justiça e organização criminosa.
Acesso direto ao Planalto
Conversas telefônicas de Rocha Loures interceptadas com autorização do STF revelam que o deputado mantinha proximidade com o Palácio do Planalto, segundo aponta relatório da Polícia Federal anexado ao processo.
A PF afirma no documento que o deputado "possui acesso direto ao Palácio do Planalto", e que algumas das ligações indicam que, na prática, ele continua atuando como assessor do presidente.
"Em algumas chamadas telefônicas é possível notar que Rodrigo Loures continua com livre acesso ao Palácio do Planalto e, por vezes, desempenhando atividades de assessoramento", diz trecho de relatório da PF. Como exemplo, a polícia cita a atuação de Loures para conseguir intermediar um encontro de Temer com um líder sindical.
Outros pontos ressaltados pela PF como indicativos da proximidade do deputado com o presidente está a participação de Loures de uma reunião entre Temer e governadores de Estado ou a viagem feita pelo deputado no avião do presidente, dois dias após ter recebido a mala de dinheiro sob suspeita.
Delação da JBS
Temer passou a ser investigado no STF a partir do pedido de abertura de inquérito feito pela PGR (Procuradoria-Geral da República) com base na delação premiada de executivos da JBS.
O inquérito aberto também tinha como investigados o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), ambos afastados do mandato.
A PGR disse ver indícios do recebimento de propina paga pela JBS e da tentativa de interferir em investigações.
A partir de gravação da conversa entre o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, e o presidente Temer, a Procuradoria afirmou que Temer indicou Rocha Loures como seu "homem de confiança" para tratar com o empresário dos interesses da JBS.
Outro trecho da gravação levou a PGR a investigar se o presidente deu aval para que o empresário comprasse o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso e condenado no curso da Operação Lava Jato.
O presidente tem afirmado que não participou de atos ilegais e que tem pressa na tramitação do inquérito para que os fatos sejam esclarecidos.
Temer também contesta a interpretação da conversa feita pela Procuradoria, e classificou a gravação como "fraudulenta", "clandestina" e "manipulada".
O advogado de Rocha Loures, Cezar Roberto Bitencourt, afirmou em entrevista à "Folha de S.Paulo" que as gravações de Joesley não podem ser utilizadas como prova, pois teriam induzido ao cometimento dos supostos crimes. "Isso é uma espécie de flagrante provocado, é nulo", disse.
Bitencourt também afirmou que fará uma "defesa técnica" do deputado e disse que "a princípio" está afastada a hipótese de fechar um acordo de delação premiada.
A reportagem não conseguiu entrar em contato com Bitencourt nesta quinta-feira.
A investigação contra Aécio Neves, gravado por Joesley pedindo R$ 2 milhões, foi posteriormente separada em outro inquérito diferente do de Temer.
Aécio Neves tem negado a participação em irregularidades e disse estar "absolutamente tranquilo quanto à correção de todos os seus atos". Sobre os R$ 2 milhões, a defesa do senador afirmou ter se tratado de um pedido de empréstimo pessoal ao empresário.