A disputa presidencial no Brasil chegou à semana derradeira com análises sobre o impacto da prisão do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) após resistência e ataques à Polícia Federal com tiros de fuzil e granadas. O cenário de polarização destacado desde antes do período eleitoral, no entanto, aponta um pleito consolidado e com pouco espaço para que acontecimentos tenham um impacto efetivo no resultado das urnas, segundo aponta o cientista político Alberto Carlos Almeida.
Para Almeida, autor do livro “A mão e a luva: o que elege um presidente”, a reta final das eleições é um cenário fértil para o que ele avalia como um “pensamento mágico”, causado por análises que buscam associar eventos que afetam as campanhas com uma eventual mudança no voto da população.
“Os microacontecimentos acontecem, e todo mundo quer analisar, as pessoas acreditam em ilusão, uma mágica. No fundo, toda vez que alguém diz que acontece um fato e vai haver uma mudança de voto existe na cabeça dessa pessoa uma explicação do comportamento o eleitoral, essa explicação, na minha visão, é uma explicação mágica, não é uma discussão científica séria. Por exemplo, o acontecimento do Roberto Jefferson: todo mundo muito confuso. Dizem que vai influenciar o voto, mas ninguém nem sabe exatamente em qual direção. O que acontece é que não vai influenciar nada ou muito pouco”, avalia.
Almeida diz que existe uma pretensão em avaliar que o eleitor tem predileções volúveis a ponto de serem influenciadas a cada movimento de campanha ou eventos considerados positivos ou negativos para um candidato. O cientista político defende que os pleitos são pouco afetados pelos acontecimentos ao longo da campanha e que, no caso específico desta eleição, as figuras de Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cristalizam ainda mais esse cenário.
“Basicamente, existe um processo muito longo. A gente está em campanha eleitoral desde o ano passado. Uma campanha não explícita, desde março, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin anulou os processos de Lula e o colocou de volta à disputa. Lula é muito conhecido, é o maior líder popular de todos os tempos da esquerda brasileira e Bolsonaro, da direita. As escolhas já se estabelecem muito rapidamente e, agora, nessa última semana a gente vai ver discussões que vão contra um dado muito óbvio: estamos há mais de 12 meses em um contexto de escolhas muito estabelecidas”, aponta.
Segundo o cientista político, há no "pensamento mágico" e nas hiperanálises, exacerbadas à medida em que o período eleitoral se aproxima do fim, um grau de desprezo à consciência política dos eleitores. Para Almeida, pensar que acontecimentos próximos ao dia da eleição podem mudar votos é achar que a população pode ser facilmente ludibriada. “Há a construção de preferências sólidas, elas podem não ser guiadas pelos mesmos valores ou estabelecida pelos mesmos critérios, mas são sólidas”.
Foco nas abstenções
Mais de 20% do eleitorado brasileiro não votou no primeiro turno em 2022. O quadro histórico mostra que esse número costuma aumentar no segundo turno, quando a disputa se concentra nos cargos executivos. No entanto, em um cenário polarizado, com dois nomes concentrando mais de 90% dos votos válidos, convencer indecisos e aumentar a presença nas urnas virou estratégia central para Lula e Bolsonaro.
Em discursos recentes, os dois postulantes ao Palácio do Planalto orientaram apoiadores a focar esforços em quem não votou no primeiro turno, ou anulou o voto. Bolsonaro, por exemplo, trabalha alimentando a rejeição a Lula para tentar convencer quem não foi às urnas no primeiro turno. O petista também tenta conseguir votos nulos e brancos a partir da contraposição ao atual presidente, aposta na transferência dos eleitores de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) e fez reiterados elogios à medidas para oferecer gratuidade no transporte público no dia da votação.
Para Alberto Carlos Almeida, se há um movimento das campanhas no sentido de focar indecisos e atacar a abstenção, isso indica que os próprios candidatos já perceberam um cenário de consolidação entre quem os escolheu no primeiro turno e deve repetir o voto no segundo.
“Isso é uma admissão real de que não dá pra virar voto. É muito difícil. E tem uma situação adicional, os votos disponíveis, que foram da Simone e do Ciro já foram decididos na primeira semana do segundo turno. Esses eleitores também estão consolidados”, complementa.
Almeida aposta em um percentual de votos anulados menor do que o apontado nas pesquisas eleitorais a partir de uma estatística histórica. “Apenas nas eleições de 2018 houve um aumento nos votos brancos e nulos, mas foi um momento em que havia uma grande onda de pessoas que não pretendiam votar nem em Fernando Haddad (PT) nem em Bolsonaro”. No segundo turno do último pleito presidencial, 9,59% dos eleitores decidiram não escolher nenhum dos candidatos.
Para o cientista político, no entanto, a estratégia de diminuir abstenções pode não surtir efeito. “Sou muito cético em relação a diminuir a abstenção. Tem um componente migratório nela, portanto há um piso de abstenções, de gente que se muda e não transfere o título. Há também um componente de desinteresse em votar. Tem gente que não vota já há muitos anos”.
Segundo turno longo
“Constitucionalmente as eleições acontecem com primeiro turno no primeiro domingo de outubro e o segundo turno, no último. Esse ano aconteceu um intervalo de quatro semanas entre as votações, é um período muito longo e o resultado pode mostrar que as campanhas de segundo turno tem pouca utilidade para virar votos”, avalia Almeida.
Desde a redemocratização, esta é a sétima eleição presidencial a ser decidida em segundo turno. Até aqui, nunca houve uma virada e a tendência é de estabilidade. Nas três vezes em que foi para o segundo turno, Lula cresceu, ao menos, 12 pontos em relação à votação inicial. Em 2018, Bolsonaro saiu de 46% para 55% dos votos válidos no intervalo entre as votações.
Em 1989, Lula perdeu as eleições para Fernando Collor de Mello, mas obteve a maior variação entre turnos para um candidato derrotado, crescendo 29,8 pontos percentuais. Almeida destaca que os pleitos no entanto foram diferentes, com os votos do primeiro turno se dividindo entre vários candidatos, diferente de 2022, quando nomes da ‘terceira via’ não conseguiram sequer chegar a 10% dos votos válidos quando somados.