Com o nome avalizado nas urnas, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), terá como um dos primeiros desafios de seu novo mandato a construção de uma base de apoio sólida em um Congresso Nacional marcado pela polarização.
Especialistas apontam que, para conseguir governabilidade nos próximos quatro anos, o petista precisará acenar aos partidos do chamado Centrão e que buscam desvincular a sua imagem de um derrotado Jair Bolsonaro (PL).
No primeiro turno, brasileiros elegeram a nova composição do Legislativo. No entanto, diferentemente do que ocorreu nas eleições presidenciais, foi Bolsonaro quem melhor performou nas urnas ao eleger quantidade significativa de parlamentares aliados.
Tanto a Câmara quanto o Senado tiveram candidatos bolsonaristas como os mais votados: Nikolas Ferreira (PL-MG) para a cadeira de deputado federal e Marcos Pontes (PL-SP) para senador por São Paulo. O desempenho é apenas um dos bons números contabilizados na disputa pelo comando do Parlamento.
Pertencem ao PL as maiores bancadas da Câmara e do Senado. Isso porque o partido de Bolsonaro conseguiu eleger 99 deputados e oito senadores neste ano. Estes se somarão às siglas PP e Republicanos, que compuseram a coligação bolsonarista na corrida ao Planalto.
Os resultados ampliaram as dificuldades do petista em conseguir alavancar apoio para aprovar pautas de interesse de seu governo. Mesmo com o cenário ainda adverso, Lula tem motivos para apostar em uma mudança de panorama, uma vez que o PT também se saiu bem nas eleições para o Congresso.
Em comparação com a bancada atual, especialmente na Câmara, a legenda de Lula terá apoio de 69 deputados petistas, que se somarão aos 12 eleitos pelos partidos da coligação que o apoiaram à Presidência (são eles: PV, PT, PCdoB, Solidariedade, PSol, Rede, PSB, Agir, Avant e Pros), totalizando 81 congressistas. Hoje, os cálculos de Lula incluem 123 deputados aliados ao governo e, pelo menos, 12 senadores apoiadores.
Ambiente adverso
Para o cientista político Eduardo Galvão, Lula encontrará um ambiente entre congressistas diferente dos antigos governos petistas. “É um Congresso muito mais forte do que ele está acostumado, com um papel do presidente com protagonismo muito menor. Lula terá de atualizar esse sistema de presidencialismo de coalização para encontrar moedas de troca com o Parlamento”, avalia o professor de políticas públicas e relações institucionais do Ibmec.
“A partir do governo Bolsonaro, o Congresso passou a ter uma escalada de poder, principalmente com as emendas de relator, o chamado orçamento secreto. O orçamento secreto é o Congresso definindo para onde vão as verbas do recurso, dando destinos aos recursos do orçamento da União. Antes, isso era feito pelos ministérios. De uma forma ou de outra, essa verba tem sido usado como moeda de barganha, moeda de troca, no sistema de presidencialismo de coalizão”, prossegue.
Um personagem central para o novo mandatário do país será Arthur Lira (PP-AL) – atual presidente da Câmara e candidato à reeleição. “Lula precisará conversar com Lira até para se proteger de eventuais pedidos de impeachment. E o Lula ainda não tem uma base tão boa no Congresso quanto Bolsonaro tem”, frisa Galvão.
Governadores
Nos estados, o recém-criado União Brasil estreou no pleito deste ano vencendo os governos em quatro das 27 unidades da Federação. Já o PT de Lula repetiu o feito da eleição passada e também levou a melhor em quatro estados.
Resultado da fusão entre o antigo DEM e o PSL, ex-reduto de Bolsonaro, o partido do União não declarou apoio no segundo turno e ficou neutro, longe de Lula e do atual mandatário.
A sigla conseguiu a reeleição de quatro governadores no segundo turno: Wilson Lima, no Amazonas; Marcos Rocha, em Rondônia; Ronaldo Caiado, em Goiás; e Mauro Mendes, no Mato Grosso.
O União Brasil abocanhou a maior fatia do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) — mais conhecido como Fundo Eleitoral ou Fundão — nas eleições deste ano: R$ 782,5 milhões, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
De outro lado, o Republicanos vai governar para 35 mil brasileiros. A legenda venceu a disputa em São Paulo, com Tarcísio de Freitas, e em Tocantins, com Wanderlei Barbosa. Juntos, os estados somam 35,7 milhões de eleitores. O partido é reduto de aliados do atual presidente.
Os petistas apoiados por Lula tiveram vantagem em estados do Nordeste. A sigla levou a melhor no Ceará, com Elmano de Freitas, no Piauí de Rafael Fonteles, e no Rio Grande do Norte, onde reelegeu Fátima Bezerra. No segundo turno, elegeu Jerônimo Rodrigues, na Bahia. Com isso, a legenda governará para 23 milhões de eleitores.
Lula e o Centrão
A cientista política Priscila Lapa avalia que, para além da construção de bases de apoio, o maior desafio de Lula será lidar com o avanço da pauta conservadora impulsionada pelo bolsonarismo. “Bolsonaro impôs dificuldades não apenas no tamanho da bancada, mas há uma tendência de um ciclo mais conservador. Lula teria que reconstruir sua capacidade de diálogo, que ele tem”, defende.
“Parecido com o que visualizamos no processo eleitoral, existe, atualmente, oposição ferrenha ideológica que favorece Bolsonaro, porque o PT e Lula possuem uma agenda que, hoje, parece mais difícil de se reconstruir na sociedade. Houve uma proliferação mais forte da agenda conservadora, e o bolsonarismo possui raízes profundas que não irão se diluir do dia pra noite”, explica a especialista.
Priscila Lapa destaca que é “inescapável” a Lula abrir negociações com o Centrão. “É um grupo político muito poderoso. O próprio Bolsonaro só passou a governar mais claramente a partir do momento que o Centrão retomou seu papel no governo, como ocorreu em anos passados. O Centrão é o grande ator político do momento e está fortalecido”, finaliza.