04/06/2017 às 11h51min - Atualizada em 04/06/2017 às 11h51min

Cláudio Melo Filho: O lobista de Brasília que colocou na bandeja a cabeça de 51 políticos

Conheça a história do executivo da Odebrecht que fez fortuna intermediando pagamento de propina a políticos e depois entregou todo o esquema.

Metrópoles

Envelopado em um terno de corte fino, o ministro do Esporte, Leonardo Picciani, surgiu discreto no restaurante. Estava desacompanhado. Vagarosamente, atravessou o salão principal até alcançar a varanda. O anoitecer já havia caído sobre a orla do Lago Paranoá. Interpelou brevemente um garçom, dobrou a esquina e, em um dos cantos mais reservados do local, sentou-se à frente do colega que o aguardava.

 

Entre uma bocada e outra, os dedos do político corriam pela tela do celular. Seus olhos paravam atentos às curvas de uma bela moça só de lingerie. Eram quase 21h30 de uma segunda-feira despretensiosa. O salão daquele lugar que já foi um dos mais badalados do Lago Sul, em Brasília, agora estava tomado pelo silêncio das ausências. Picciani, seu interlocutor e sua musa virtual eram um dos poucos frequentadores naquela noite.

 

Sujeito à indigestão que a Lava Jato trouxe para a classe política da capital da República, o imponente Soho, encravado em um dos metros quadrados mais caros do Brasil, perdeu a glória. À medida que a maior operação contra a corrupção no país engolia seus alvos, o Soho minguava. Vários de seus habitués clientes hoje estão presos. E, mesmo aqueles que ainda não caíram em desgraça, evitam desfilar pelo simpático ambiente onde outrora bebiam, comiam e fechavam negócios.

 

A crise bateu à porta do Soho e sentou-se à mesa de um dos donos do restaurante na capital federal, o ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, Cláudio Melo Filho. Lobista papa-fina, ele se tornou um dos principais delatores da Lava Jato e colocou na bandeja a cabeça de dezenas de caciques da política. Com o cardápio variado à disposição, o Ministério Público Federal (MPF) ficou diante de um verdadeiro banquete de nomes e de esquemas.

 

Cardápio de apelidos

O baiano Cláudio Melo Filho soube temperar como nenhum outro delator as confissões de negociatas que fez aos procuradores da República. Ao dedurar a participação de 51 políticos, deu nomes, sobrenomes e apelidos, muitos dos quais ele próprio cunhou com a criatividade de quem prepara um menu exótico.

 

O Soho serve atum com foie gras e carpaccio de vieiras canadenses. E o dono de restaurante achou que Romero Jucá combinava com Caju (teria recebido repasses de mais de R$ 22 milhões); que Angorá era a cara do Moreira Franco (pressionou, segundo delação, executivos da Odebrecht para dar andamento a negócios do setor aéreo); que Inaldo Leitão era, simplesmente, Todo Feio e José Agripino, embora “Gripado”, nunca perdeu o apetite para as doações. Teria levado R$ 1 milhão da empreiteira, a pedido de Aécio Neves, mesmo sem concorrer a cargo eletivo em 2014.

 

Clientela VIP

Ex-senador do Distrito Federal hoje condenado e preso pela Lava Jato, Gim Argello caiu na delação de Cláudio Melo Filho. Entre os executivos da Odebrecht, Gim era o “Campari”. Sedento pelos repasses das empreiteiras, ele cobrou, segundo os relatos, R$ 5 milhões em propina das empresas.

 

Nos tempos de pré-delação, Gim era cliente vip do Soho. Uma plaquinha com o nome dele identificava sua garrafa exclusiva de whisky Blue Label (mais de R$ 1 mil a unidade). A bebida etiquetada ficava exposta em uma cristaleira, mimo para os frequentadores mais bajulados do restaurante. “O duro é que alguns já foram presos. A do Gim Argello, por exemplo, retiramos para evitar constrangimentos”, disse um protocolar funcionário do Soho.

 

Foi pela língua cirúrgica de Cláudio Melo Filho que muitos de seus ex-colegas acabaram abatidos na Lava Jato. Beneficiado pela delação, o lobista continua firme. A garrafa de Blue Label batizada com seu nome está lá, intacta, em lugar de destaque. E, enquanto enxerga desmoronar cada um dos políticos que sentaram à sua mesa para negociar, Cláudio Melo Filho pavimenta em Brasília um futuro de bonança.

 

Homem de posses

Em meio ao tsunami que suas inconfidências provocaram na cidade, o lobista ergueu um novo palacete em Brasília. Proprietário de uma mansão na QI 7 do Lago Sul, onde atualmente mora, Cláudio Melo Filho se dedica a uma nova empreitada: a construção de casa na QL 22, em uma chamada ponta de picolé, à beira do Lago e avaliada entre R$ 7 milhões e R$ 8 milhões. Será vizinho do senador afastado Aécio Neves, o “Mineirinho” — que também mora na 22, mas, nesse caso, paga aluguel (R$ 25 mil) — e do deputado e ex-jogador Romário, com endereço na QL 24.

 

A nova residência de Cláudio Melo Filho ainda está em obras. Serão três andares e já é possível identificar um terreno reservado para virar campo de futebol. Quem coloca a mão na massa desse empreendimento diz que o projeto foi interrompido durante um período do ano passado. Justamente no momento em que o executivo negociava seu livramento com os procuradores. Não demorou e a equipe voltou à empreitada. Que deve ficar pronta neste ano, estimam funcionários.

 

Ônus da delação

Ter um CEP à beira lago aproximou Cláudio Melo Filho de vizinhos com interesses em comum. À época em que o Governo do Distrito Federal anunciou o início do processo de desobstrução da orla do Paranoá, tirando dos moradores a fatia de terreno mais próxima ao lago, muitos se mobilizaram para evitar a iniciativa oficial. Criaram, então, o grupo de WhatsApp “Orla Lapa”. Cláudio era figura ativa na rede. Mas, ultimamente, silenciou. Anda afastado tanto das rodas virtuais quanto dos compromissos sociais.

 

Aquele baiano de sorriso largo e trato fácil já não anda tão expansivo. Sua constrição atingiu toda a família. A bela mulher de Cláudio Melo Filho, antes presença fácil nos encontros da sociedade brasiliense, está recolhida. As reuniões agora são restritas aos amigos mais próximos.

 

Em março deste ano, numa das poucas aparições públicas, Cláudia participou de um aniversário comemorado no restaurante do qual é sócia majoritária. No contrato social, ela, que é médica por formação, detém R$ 756.500,00 de participação no capital do Soho, e o sommelier Marcelo Luiz Ramos, outros R$ 133.500. Embora seja a mulher quem assine a papelada, a propriedade do estabelecimento sempre esteve colada à figura do baiano.

 

Sem fronteiras

Confiante no tino para os negócios, o casal Melo decidiu expandir. Mas não deu certo. Cláudia e Cláudio lançaram outra unidade do Soho em 2015, no Casa Park Shopping, em Brasília. A filial, no entanto, foi extinta no ano seguinte. Os dois também levaram uma unidade do restaurante para os Estados Unidos.

 

Encabeçado pela empresária Karine Queiroz, dona da matriz do Soho, na Bahia, e por Cláudia, sócia minoritária na gestão, o Soho Bay foi inaugurado, com pompa e circunstância, em Miami Beach. A excursão da família Melo rumou aos Estados Unidos para abrir as portas do novo espaço, que tinha capacidade para 200 pessoas.

 

Apesar da decoração luxuosa assinada pelo arquiteto Marlon Gama e da cidade onde tudo prospera, o Soho Bay durou pouco. O restaurante ficava praticamente embaixo de uma ponte, sem visibilidade. Funcionários de um prédio próximo dizem que construções ao lado do estabelecimento teriam ofuscado o negócio e contribuído para o seu fim. Nesse caso, não houve lobby que desse jeito. O lugar fechou em 2016.

 

Com a derrocada do empreendimento, o espaço – atualmente vazio, mas ainda ostentando o letreiro do antigo restaurante – está à disposição. A reportagem do Metrópoles esteve no local e descobriu que o aluguel do espaço custa US$ 25 mil.

 

Vida de luxos

Cláudio Melo Filho é um bon-vivant. Gosta da boa comida, faz questão de vinhos sofisticados e coleciona viagens internacionais: Vegas, Londres, Aspen, Paris, Nice. Ele fez fortuna comprando políticos. Até momentos antes da delação, exibia seu padrão de vida sem constrangimento. Mas as confissões dos esquemas de corrupção o tornaram mais reservado. Dois de seus três filhos – duas meninas e um menino – hoje moram no exterior. Enquanto estavam em Brasília, estudaram na Escola Americana, com mensalidade de até R$ 5.720, uma das mais caras do país.

 

Antes de Cláudio se posicionar no epicentro da Lava Jato, as festividades eram constantes na rotina do casal. Em 2015, as amigas Karina Rosso (esposa do deputado federal Rogério Rosso), Melissa Gontijo e Caroline Collor (casada com Fernando Collor de Mello) organizaram um grande almoço no Soho para comemorar meio século da vida de Cláudia. No local, um painel com fotos de amigos e de familiares, chamava atenção dos convidados.

 

Em outra confraternização, o casal abriu as portas da própria casa para o lançamento do relógio de grife “King Power Guga Bang”, assinado pelo ex-campeão mundial de tênis Gustavo Kuerten. O rei das quadras e o príncipe das empreiteiras se encontraram no evento, que reuniu a alta sociedade de Brasília. Na ocasião, Cláudio Melo Filho ganhou de Guga um autógrafo na quadra de tênis que mantém no quintal. Esse, aliás, é um de seus hobbies, mas a prática ficou prejudicada após cirurgia no joelho, em 2012.

 

A vida de luxo e badalação do casal Melo não estava evidente apenas nos eventos, mas também nos incidentes. Em 2016, a esposa de Cláudio foi vítima de uma quadrilha especializada em roubos de relógios importados. Ela teve seu Rolex roubado depois de ser seguida até um dos mais nobres centros comerciais do Lago Sul. Cláudia estacionou o carro e correu em direção a uma loja para tentar se livrar dos criminosos. Não houve tempo hábil, entretanto, para evitar a ação. Armado, o assaltante empurrou a mulher para dentro do estabelecimento e arrancou a joia de seu pulso.

 

Cláudio(a) e Fernando(a)

O gosto pelo tênis era um dos pontos de convergência entre os melhores amigos Cláudio Melo Filho e Fernando Naves Adriano, herdeiro da Brasal. Cláudio e sua mulher Cláudia dividiam efemeridades e intimidades com Fernando e Fernanda, a esposa do empresário. Fernando era filho do empresário e ex-deputado federal Osório Adriano Filho. E quem tocava os negócios da família ao lado do irmão. Morreu, aos 48 anos, no fim de 2014, depois de passar por uma cirurgia em decorrência de uma úlcera estourada. Na missa de sétimo dia de Fernando, Cláudio Melo Filho comoveu todos ao homenagear o amigo em discurso.

 

A relação entre as duas famílias não ficou só na amizade. A aproximação uniu também Brasal e Odebrecht, que se tornaram parceiras em um empreendimento suntuoso no coração do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA): o Praça Capital. O local de aproximadamente 32 mil metros quadrados, que ainda permanece de portas fechadas, se propõe a um centro de negócios. Recentemente, a Praça Capital foi alvo de delação premiada da Odebrecht.

 

Apesar de a obra não ter sido atacada nos depoimentos de Cláudio Melo Filho, o ex-presidente da Odebrecht Realizações Imobiliárias Paul Altit posicionou o empreendimento na mira das investigações. Ele revelou aos procuradores supostas irregularidades envolvendo a distribuição de cotas do fundo constituído para erguer o Praça Capital. Segundo a versão do delator, o sócio de uma Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM) teria embolsado R$ 1,5 milhão a titulo de remuneração pelo serviço.

 

Cláudio Melo, o pai

Baiano de Salvador, Cláudio Melo Filho herdou do pai o nome, a proximidade de relacionamento com o poder e o traquejo para o lobby. O patriarca ocupou o cargo de diretor de relações institucionais da Odebrecht até 2004, quando foi acometido por um acidente vascular cerebral que interrompeu sua carreira. Ligado a homens fortes do cenário nacional, Cláudio pai passou o bastão para o rebento no mesmo ano. Ele faleceu em janeiro de 2012.

 

A morte do ex-diretor da Odebrecht abalou, em especial, o deputado federal Paes Landim (PTB/PI). Em um discurso carregado de adjetivos, o parlamentar homenageou o finado conterrâneo na Câmara e, ao mesmo tempo, bajulou o filho dele, que ocuparia seu lugar nos negócios: “Jovem e talentoso empresário, eficiente e dinâmico, um gentleman. Cláudio Melo pai e Cláudio Melo Filho se integraram no espírito da saga de seu Norberto (Odebrecht)”.

 

A rasgação de seda de Paes Landim não lhe garantiu imunidade nas delações de Cláudio Melo Filho. Ele contou aos procuradores que fez um pagamento, em 2010, no valor de R$ 100 mil ao deputado. O ex-diretor citou as ocasiões em que Paes Landim fez discursos apaixonados em favor da empreiteira e lembrou, inclusive, a homenagem em memória de seu pai. “Acredito que sua postura nutria esperança de receber algum pagamento a pretexto de campanha eleitoral, fato que ocorreu”, cravou o delator.

 

Brasília de bandeja

Formado em Administração pela Universidade de Brasília (UnB), Cláudio Melo Filho deu início à trajetória na Odebrecht como estagiário, em 1989. À época, ele operou em uma obra em Luziânia (GO). Na sequência, passou a atuar no Metrô DF e foi efetivado no setor da contabilidade. O empresário ainda chegou a integrar, entre 1993 e 1998, a Diplan – área de planejamento e acompanhamento gerencial, burocrático, interno da construtora – e, em seguida, foi convidado para trabalhar no empreendimento imobiliário Luanda Sul.

 

Morador do DF desde 1972, foi a partir de agosto de 2004 que Cláudio Melo Filho assumiu o cargo de diretor de relações institucionais da Odebrecht, em Brasília. Na delação premiada, ele chegou a dizer que, nessa época, ainda não militava no meio político e não nutria relação com parlamentares, salvo aqueles que conhecia por intermédio de seu pai.

 

A partir de 2004, o cenário mudou. Ao longo dos anos de trabalho na função, o empresário manteve contato frequente com dezenas de políticos, alguns frequentadores assíduos do restaurante Soho. Com Moreira Franco, por exemplo, Cláudio Melo Filho assumiu ter uma relação mais próxima, de muitos anos, por um parentesco distante. “Utilizei isso nos momentos em que precisei”, confessou aos procuradores. Quando se viu acuado e com a possibilidade de ser ele próprio responsabilizado pelas transações inescrupulosas, não houve amizade que segurasse. Moreira Franco entrou na longa lista das figuras públicas entregues pela boca de Cláudio Melo Filho.

 

A Odebrecht, agora, guarda a sete chaves a estratégia para preservar a lealdade de seus executivos e ex-executivos. Parte deles é mantida nos quadros da empresa. Outros receberam uma bolada a título de indenização – uma forma que a empreiteira teve de controlar seus colaboradores. Não se sabe em qual dos dois grupos Cláudio Melo Filho está. Mas, a despeito das confissões de ser o intermediário da propina entre a Odebrecht e mais de cinco dezenas de políticos, ele mantém seu alto padrão de vida. O mentor dos memoráveis apelidos de propineiros tem também um codinome para chamar de seu: Dão. Será que algum dos 51 delatados arrisca um palpite sobre o significado?


Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »