Presidente do PL (Partido Liberal), partido do atual presidente Jair Bolsonaro, Valdemar Costa Neto afirmou neste sábado (19.nov.2022) que 250 mil urnas não têm um número de identificação. Por esse motivo, “várias” não deveriam ser consideradas. Além disso, disse que entregará ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) um relatório propondo a revisão das mais antigas, de até 2020.
“É no Brasil inteiro. São as urnas de 2020 para baixo, são as urnas antigas. Todas elas têm o mesmo número, não têm patrimônio, não tem como controlar a urna. Você vai checar a urna antes da eleição, são todas com o mesmo número”, afirmou.
O problema em conseguir o número da urna no arquivo citado pelo PL é conhecido por pesquisadores, mas, ao contrário do que diz o partido, não o impossibilita de obter a informação. Outros dados que estão intactos no arquivo (município, zona eleitoral e seção da urna) servem para identificar a urna. Com esses dados, é possível obter o número da urna (leia mais abaixo.
Valdemar afirmou que apresentará o relatório ao TSE até a próxima 3ª feira (22.nov.2022). O presidente do PL disse ainda não querer “tumultuar a vida do país” propondo uma nova eleição, mas que as urnas terão de ser revistas e que o TSE irá decidir.
Sem apresentar explicações sobre a forma que a falta de numeração física nem dentro dos registros internos (logs) dos equipamentos teria supostamente prejudicado as eleições, disse que a “culpa” de as urnas antigas não terem identificação é dos funcionários do TSE. “A direção não tem conhecimento disso”, declarou.
PROBLEMA NÃO IMPEDE DE VER NUMERAÇÃO DA URNA.
Uma análise de alguns arquivos nas urnas eletrônicas, de fato, mostra a ausência de alguns números de identificação, como diz o PL. No entanto, o problema pode ser resolvido com um simples cruzamento de dados. O professor e pesquisador do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da USP, Marcos Simplício, mostra como.
Em entrevista ao Poder360, Simplício afirma haver um “bug” nos registros internos (logs) que impossibilita a identificação do número da urna dos modelos antigos. Apesar disso, estão nesses logos o número da urna, o município, a zona e a seção eleitoral.
Com essas informações, é possível encontrar o número da urna.
No exemplo abaixo, o professor mostra onde está o bug. No lugar onde deveria aparecer o número da urna, aparece só a repetição de um número: 67305985. Esse número é o bug, ele aparece em várias urnas. É possível ver na imagem abaixo, porém, o código do município (em verde), a zona eleitoral (azul) e a seção eleitoral (amarelo).
Com esses dados, é possível encontrar o número das urnas (em vermelho na cidade abaixo) que o PL declarou não ter encontrado cruzando com o boletim de urna, também um arquivo público.
Marcos Simplício também rebate a afirmação de que “não dá pra conferir a autenticidade dos logs, porque eles não dizem qual o ID da urna correspondente“. “É preciso esclarecer que não é o ID de urna que confere autenticidade ao arquivo de log, mas sim a assinatura digital feita pela urna sobre aquele arquivo de log”.
JUIZ DIZ QUE É FALSO QUE SE ENCONTROU COM VALDEMAR.
Valdemar afirmou ainda ter se encontrado com Sandro Nunes Vieira, ex-juiz auxiliar do TSE e secretário-geral da presidência da Corte de novembro de 2021 a fevereiro de 2022. Vieira teria dito não ter conhecimento sobre a falta de identificação das urnas. O presidente do partido disse ainda que ele estaria ajudando o PL em seu relatório.
No entanto, o Poder360 apurou que o presidente do PL nunca esteve com Vieira. Em nota, o juiz disse não ter tido contato com Valdemar e nem ter participado das reuniões que tratavam da fiscalização do PL em relação ao pleito.
O estudo, de acordo com Valdemar, estará disponível a partir de 2ª feira (21.nov.2022). Nesta semana, uma versão do relatório, que ainda não foi validado pelos próprios autores, circulou nas redes sociais durante o feriado da Proclamação da República, marcado por manifestações contra a eleição. Segundo o “relatório técnico”, não seria possível validar resultados de 5 modelos de urnas.
Ao Poder360, o presidente do IVL (Instituto Voto Legal), Carlos Rocha, disse que a versão era “obsoleta” e que o trabalho de fiscalização do PL ainda estava em andamento.
Segundo o TSE, as urnas têm lacres de segurança autoadesivos, com uma numeração sequencial de 7 dígitos. Depois de aplicados os lacres, a sua retirada deixa evidências, o que releva a tentativa de violação ou falsificação.
O tribunal diz ainda que segurança dos equipamentos não depende dos lacres, já que a sua “arquitetura de segurança” de hardware e software não permite dar continuidade ao seu funcionamento, caso os seus programas sejam adulterados.
BANCADA BOLSONARISTA.
Apesar das declarações de Valdemar Costa Neto de que metade das urnas está sob suspeição, o seu partido elegeu a maior bancada da Câmara dos Deputados em 2023. Com 99 deputados eleitos, o aumento foi de 23 congressistas em relação à bancada atual. Legendas com mais deputados eleitos levam a maior fatia do Fundo Partidário.
Desde as eleições em 30 de outubro, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) insatisfeitos com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) têm criticado o resultado das urnas e pedido “intervenção federal”, além de uma manifestação por parte das Forças Armadas sobre os resultados do pleito.
O próprio presidente Jair Bolsonaro já fez diversas críticas ao sistema eleitoral. Em 25 de outubro, disse ser “impossível” as Forças Armadas darem um “selo de credibilidade” para as urnas eletrônicas.
Em 2021, defendeu diversas vezes a adoção do voto impresso de verificação (como o existente no Paraguai), mas a proposta foi rejeitada na Câmara. Em novembro daquele ano, o chefe do Executivo declarou que a participação das Forças Armadas no processo eleitoral tornaria “quase impossível uma fraude” nas eleições de 2022 e acabaria com a “suspeição” do processo eleitoral.
OUTRO “PROBLEMA” DE LOG JÁ FOI DEMONSTRADO FALSO.
Vídeos que circulam pela internet antes do relatório do PL dizem haver “diferenças sutis entre os arquivos de log das urnas”, sugerindo que isso indicaria a existência de 2 softwares diferentes. Um deles, sugerem os vídeos, teria sido alterado para favorecer Lula.
Os vídeos se baseiam em relatório divulgado em 4 de novembro de 2022 numa live pelo YouTube comandada pelo direitista argentino Fernando Cerimedo, ligado ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Diferentemente do relatório que deve ser apresentado pelo PL –que trata do número de identificação das urnas–, o relatório do argentino mostra um log de urna com uma linha a mais dizendo se tratar de indício de que seja um software diferente.
Apesar de considerar a estranha hipótese levantada pelo “relatório do argentino”, o pesquisador Marcos Simplício, 39 anos, juntou-se a outros professores da USP e da UFSCar para tentar produzir na urna o efeito identificado pelo documento. E conseguiu.
Os pesquisadores identificaram que a linha a mais no log citada pelo documento se dá durante o processo de carregar o software na urna. O que ocorre? No momento em que a urna está recebendo o programa, aparece uma mensagem para o operador perguntando se ele confirma o número da seção e da zona da urna que será carregada. Se ele apertar “corrige” em vez de “confirma”, uma linha a mais é criada no log.
O engenheiro Felipe Kenzo Shiraishi, mestrando da Politécnica da USP, gravou um vídeo mostrando o momento em que reproduziu numa urna exatamente o efeito mostrado pelo relatório. Assista abaixo (2min56s):
https://youtu.be/Y0EVJkG5s6c
“Colocamos o mesmo código na urna, geramos os 2 logs diferentes. Conseguimos mapear quais as condições necessárias para dar um log ou outro”, diz Simplício, do Departamento de Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da USP.
Ou seja, o grupo de pesquisadores da USP e da UFSCar mostrou que a hipótese de que a diferença de log se deve a um software diferente rodando nas urnas antigas está errada. Eles escreveram um artigo (íntegra – 1 MB) contestando o relatório.
https://static.poder360.com.br/2022/11/Analise-USPUFSCar-Alegacoes-Fraude-Urnas-v5.2-2.pdf
Leia mais sobre o tema aqui.
https://www.poder360.com.br/eleicoes/urna-velha-teve-menos-votos-em-lula-em-cidadezinhas-e-metropoles/
Eis a íntegra da nota do juiz Sandro Nunes Vieira divulgada neste sábado (19.nov.2022)
“Sou Juiz Federal desde 2008 e em 2019 fui convidado a integrar a equipe do Ministro Luís Roberto Barroso no TSE. Continuei prestando serviços à Corte Eleitoral na gestão do Ministro Luiz Edson Fachin. Findo meu tempo de convocação, retornei à jurisdição na 4º Região no dia 17.08.2022.
“No dia 19.nov.2022 fui informado pela equipe de comunicação do TSE que meu nome havia sido citado pelo Presidente do Partido Liberal, Sr. Valdemar Costa Neto, no contexto de que teria falado comigo sobre eventuais irregularidades nas urnas eletrônicas.
“Sobre o tema, venho esclarecer que nunca tive contato pessoal com o Presidente do Partido Liberal. Como Juiz, não emito opiniões públicas ou juízos de valor sobre processos de conotação política.
“A única pessoa do Partido Liberal que tive contato durante meu trabalho no TSE foi o engenheiro Carlos Rocha, encarregado do trabalho de fiscalização do Partido Liberal sobre o processo eleitoral de 2022. A última vez que falei com ele foi no dia 01.08.2022 em reunião no TSE, relativa ao trabalho de fiscalização nas Eleições 2022. Na ocasião ele me pediu para que fosse designada uma reunião para tratar de assuntos relativos ao pleito.
A demanda foi encaminhada à Secretária-Geral, Dra. Christine Peter, que em data posterior atendeu o pedido do Sr. Carlos Rocha. Não participei da reunião.
“Logo que tomei conhecimento do vídeo, entrei em contato com a assessoria do Presidente do TSE, Ministro Alexandre de Moraes, com a finalidade de esclarecer os fatos e deixar clara minha posição, no sentido de nunca ter mantido contato com o Sr. Valdemar Costa Neto”.