O que foi fazer no Congresso o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, logo no dia em que a Câmara dos Deputados e o Senado, em sessão conjunta, aprovaram às pressas mudanças cosméticas na lei que criou o Orçamento Secreto?
O Orçamento Secreto está em julgamento no Supremo. Dos 11 ministros, 9 já votaram e o placar é 5 a 4 para derrubar a lei que contraria a Constituição. O julgamento que se arrasta há duas semanas foi suspenso e será retomado nesta segunda-feira.
Depois de reunir-se com Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, e levado por ele a falar à imprensa, o ministro disse:
“Paralisamos a nossa votação em homenagem ao Congresso. Agora, temos uma resolução e certamente a levaremos em consideração. Muito daquilo proposto pela resolução atende às preocupações dos ministros ventiladas no julgamento”.
Dito de outra maneira: Lewandowski foi avalizar o que ali se fez (a tal resolução). E sinalizar que ele e o ministro Gilmar Mendes, os únicos que ainda não votaram, ao fazê-lo estabelecerão o placar definitivo: 6 votos a favor do Orçamento Secreto contra 5.
O Congresso faz de conta que acabou com o Orçamento Secreto depois de beneficiar-se dele. O Supremo fará de conta que o Orçamento Secreto de fato acabou, e não se falará mais disso. Tudo mudou para mais ou menos permanecer como era.
Fez-se justiça, se dirá. Na verdade, fez-se um acordão político para salvar as aparências. Não foi o primeiro e não será o último no país onde sempre se dá um jeito para evitar rupturas – ou em caso de conflitos entre os Poderes, a crua aplicação da lei.
Onde já se viu interromper um julgamento próximo do seu desfecho para dar à parte que sairia derrotada a chance de corrigir seu erro? Correção que não passa de um embuste. Quem dará conta do dinheiro gasto antes com base em uma lei ilegal?
A ministra Rosa Weber, presidente do Supremo, mostrou que a lei do Orçamento Secreto violou os princípios constitucionais da separação dos Poderes, impessoalidade, publicidade e eficácia da administração pública. Ninguém contestou seus argumentos.
O ministro Gilmar Mendes limitou-se a observar antes da interrupção do julgamento:
“Em jogo aqui está a governabilidade”.
Em 2017, para preservar a governabilidade, por 4 a 3 o Tribunal Superior Eleitoral fechou os olhos ao excesso de provas de que a chapa Dilma-Temer abusara do poder econômico para se reeleger. Dilma já havia sido deposta, quem governava era Temer.
Foi Lewandowski, à época presidente do Supremo, que presidiu o julgamento de Dilma pelo Senado. Ela era acusada de pedalar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Se perdesse o mandato, ficaria inelegível por oito anos, segundo a Constituição.
O Senado cassou o mandato de Dilma, mas decidiu, ao arrepio da Constituição, manter seus direitos políticos. Lewandowski calou-se a respeito. Ficou tudo por isso mesmo. E a vida seguiu.