A atuação estratégica e efetiva da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) no combate ao crime organizado despertou a fúria de integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC). Documentos obtidos com exclusividade pela coluna apontam que um delegado da corporação entrou na mira do alto escalão da facção. Investigações revelam que o policial, responsável por grandes operações contra organizações criminosas, teve a vida devassada por membros da Sintonia Restrita do PCC – núcleo de inteligência do bando.
O grupo de inteligência tem ligação direta com os líderes da facção e, do lado de fora dos presídios, recebe instruções por meio de interlocutores, como advogados, para promover levantamento de autoridades. Após a apuração de dados, que inclui vigilância, aluguel de imóveis e veículos para perseguir alvos, a Restrita delega missões aos executores – ladrões e homicidas com vasta ficha criminal. O objetivo é claro: gerar terror. Os criminosos que se recusarem a obedecer às ordens da Sintonia podem pagar com a própria vida.
Conforme a coluna Na Mira revelou, a Sintonia Restrita conta com estrutura de inteligência sofisticada e tem orçamento especial para aperfeiçoamento tecnológico e treinamento dos encarregados das missões, como táticas de guerrilha com fuzileiros bolivianos.
Tais recursos auxiliaram no levantamento clandestino de dados do delegado da PCDF. O policial apurava ameaças à vida de uma juíza. Durante as diligências, os investigadores identificaram uma advogada que estaria participando da troca de mensagens entre os integrantes da organização criminosa. Ela era responsável por passar ordens de dentro para fora dos presídios. A profissional atuava na defesa da cúpula do PCC no DF, tanto em âmbito distrital quanto na esfera federal.
Os advogados que prestam serviço para o PCC são denominados “gravatas” e, em algumas ocasiões, excedem à defesa técnica e passam a atuar como verdadeiros transmissores de ordens e recados entre os faccionados, uma linha tênue entre a advocacia legal e a efetiva atuação no crime organizado. Segundo o organograma da organização, os “gravatas” estão vinculados diretamente à cúpula da facção, a Sintonia Final.
Em 2019, os investigadores constataram que a advogada exerceu papel que vai além da transmissão de mensagens entre membros da organização criminosa, uma vez que, conforme os levantamentos, ela era responsável por levar ordens, até mesmo de decretos de morte, para a Sintonia Restrita.
Na ocasião, os soldados da inteligência do crime chegaram a levantar o nome completo e a imagem na rede social do delegado de polícia responsável pelas investigações envolvendo o PCC no Distrito Federal.
Em um diálogo interceptado pela polícia, uma presa da facção chega a desabafar com a advogada, em referência ao policial, dizendo que “está assustada com o cretino” e que “já vai resolver a dele”.
Na conversa, a advogada chega a afirmar que foi até mesmo em uma “mãe de santo” e que a mulher teria dito que “não sabia de nada e que ia fazer um negócio lá”. Logo em seguida, dados do delegado foram repassados para comparsas do Paraná e de São Paulo. A advogada em questão chegou a ser condenada, em um processo de 2016, por integrar o PCC.
Cerco fechado
No Distrito Federal, a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado, vinculada ao Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Draco/Decor), é a responsável por coibir o avanço de facções na capital federal. Em novembro do ano passado, foi deflagrada a Operação Saturação.
A ação buscou frear a atuação de uma célula do PCC no DF e Entorno. No total, foram expedidos 21 mandados de prisão preventiva e 22 mandados de busca e apreensão, conforme decisão proferida por Colegiado Instaurado pelo Juízo da 1ª Vara Criminal de Brasília.
As ordens judiciais foram cumpridas em diversas regiões no Distrito Federal e nos estados de Goiás, São Paulo e Minas Gerais, contra integrantes da facção em liberdade e membros que continuaram vinculados ao grupo criminoso.
A operação, resultado do monitoramento realizado ao longo de aproximadamente um ano e seis meses de investigação, permitiu a identificação de, pelo menos, 27 componentes ativos da organização criminosa, responsáveis por práticas criminosas diversas e por estabelecer as condições para o desenvolvimento e a expansão do grupo no DF.
Em entrevista à coluna, o delegado-chefe da Draco, Rafael Póvoas, ressaltou que o trabalho do Decor, por meio da Draco, é diário e ininterrupto, com monitoramento dos membros catalogados, identificação de cooptação de novos integrantes e mapeamento de áreas.
“O cumprimento de medidas judiciais requeridas e a deflagração regular de operações policiais contribuem para inibir a estruturação, a expansão e o fortalecimento da organização. Vale salientar que nem mesmo a transferência de Marcos Willians Herbas Camacho, mais conhecido como Marcola, foi suficiente para que a célula da organização criminosa se instalasse efetivamente na capital federal”, salientou o investigador.