Grávida de sete meses, a decoradora Katerina Zagrebelna, 36 anos, acordou por volta das 4h30 de ontem (22h30 de quinta-feira em Brasília) com o barulho de uma "poderosa explosão". Ela mora no primeiro andar de um prédio de nove pavimentos, na cidade de Uman, 215km ao sul de Kiev. "Imediatamente, não entendemos a magnitude do ataque. Eu estava em casa com a minha filha mais nova, Diana, de 13 anos. Meu marido tem um abscesso na garganta e, por isso, se hospedou na casa dos pais, com o nosso filho caçula Zachary, 3. Minha primeira reação foi telefonar para ele", relatou ao Correio. Um míssil russo atingiu em cheio o edifício, no lado oposto ao apartamento de Katerina, que ficou intacto. "O imóvel sacudiu violentamente", disse.
De acordo com ela, um segundo míssil caiu em um salão de eventos que alugava com o marido. "O nosso local de trabalho ficou completamente queimado. São mais de 10 anos perdidos", lamentou. Pelo menos 23 vizinhos de Katerina morreram no bombardeio, incluindo quatro crianças. "Sinto dor por todas as vítimas. Muitas crianças e famílias jovens moravam ali. Nossa cidade é pequena. Então, quase todo mundo se conhece."
Perto dali, a professora aposentada Olga Skomorokha foi surpreendida pelo alarme antiaéreo no mesmo horário. "Logo, escutei duas explosões surdas. Saí de casa e ouvi o barulho das sirenes de bombeiros e ambulâncias", contou ao Correio. Foi mais uma madrugada de insônia, algo que se tornou corriqueiro desde o início da invasão à Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022. Dessa vez, os bombardeios russos trouxeram a morte. Em outro bombardeio, em Dnipro (centro-leste), duas pessoas morreram, uma mulher e um menino de três anos, afirmou o prefeito Boris Filatov.
Enquanto chorava, a Ucrânia anunciava a iminência da aguardada contraofensiva. "Os preparativos estão chegando ao fim", afirmou o ministro ucraniano da Defesa, Oleksiy Reznikov. "O equipamento foi prometido,
preparado e parcialmente entregue. Em um sentido amplo, estamos prontos. (...) Enquanto existir a vontade de Deus, a meteorologia e a decisão dos comandantes, nós faremos", acrescentou. O presidente Volodymyr Zelensky publicou no Twitter um vídeo mostrando o trabalho de socorristas nos escombros do prédio em Uman. "Nós podemos derrotar o terror da Rússia juntos, com armas para a Ucrânia, as sanções mais duras contra o Estado terrorista, e sentenças justas para os assassinos", escreveu em seu perfil oficial.
Cerca de dez horas depois, Zelensky fez um pronunciamento à nação. Ele confirmou que quatro crianças estão entre os mortos em Uman. "Um míssil sobre Uman, uma cidade absolutamente pacífica, conhecida em todo o mundo por receber dezenas de milhares de judeus hassídicos todos os anos. Apenas o mal absoluto pode desencadear tal terror contra a Ucrânia", disse o presidente.
Olga Skomorokha apela ao mundo por ajuda militar. "Nossa vitória e o sucesso na contraofensiva dependem dos Estados Unidos e do Reino Unido. Precisamos de mais suprimentos de armas e de munições", desabafou.
Segurança
De acordo com Zelensky, a Força Aérea ucraniana conseguiu abater 21 de 23 mísseis russos disparados durante a madrugada. "Nós podemos deter o terror e salvar pessoas apenas com armas. Defesa aérea, aviação moderna, (...) artilharia, veículos blindados. Tudo o que for necessário para fornecer segurança para nossas cidades e vilarejos. Para recuperar a segurança de nosso povo que ainda se encontra, infelizmente, no território ocupado. Não podemos deixar ninguém sob o poder do mal da Rússia", acrescentou.
O Ministério da Defesa da Rússia divulgou que os alvos dos bombardeios eram "militares". "As Forças Aeroespaciais Russas lançaram um ataque de mísseis de longo alcance e de alta precisão contra pontos temporários de implantação das reservas da Força Aérea Ucraniana", disse o comunicado. "A meta do ataque foi alcançada. Todos os alvos designados foram neutralizados. O movimento das reservas inimigas dentro das áreas de combate foi impedido."
A contraofensiva ucraniana pode representar nova etapa da guerra, depois de 429 dias de combates. Na quinta-feira, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) anunciou a entrega de 230 tanques e de 1.550 veículos blindados para Kiev.
Segundo a agência de notícias France-Presse (AFP), a Rússia — que mantém controle sobre 20% do território da Ucrânia — mobilizou centenas de milhares de reservistas para preservar ganhos no front, no leste e no sul da Ucrânia.
No campo diplomático, Zelensky pediu ao colega chinês, Xi Jinping, que atue para pressionar o Kremlin a devolver à Ucrânia as cerca de 20 mil crianças ucranianas "deportadas" pela Rússia.