A Secretaria de Saúde do Distrito Federal oferece um serviço inédito dentro do Sistema Único de Saúde em todo o país. Por meio do Programa de Pesquisa, Assistência e Vigilância à Violência (PAV) Alecrim, autores de violência sexual contra crianças e adolescentes que já cumpriram pena em regime fechado recebem atendimento psicológico em encontros individuais e em grupo. Os objetivos são reinserção deles na sociedade e evitar a reincidência no crime.
"A nossa experiência e também a literatura mostram que esse tipo de atendimento diminui o risco de reincidência. Aqui, nunca atendemos a mesma pessoa duas vezes", ressalta o psicólogo do programa, Cássio Setubal. Desde que foi criado, em 2013, o programa atendeu 110 pessoas, a maioria homens de 40 a 59 anos de idade, casados ou em união estável. Atualmente, 25 pessoas recebem atendimento.
Todos os autores de violência sexual atendidos pelo programa são encaminhados pela Justiça. Nenhum deles pode ter outro crime associado ao abuso sexual. Segundo Cássio, todos eles possuem relação familiar com sua vítima.
O primeiro atendimento é feito individualmente, quando o autor do crime tem a liberdade de falar sobre si e o ato cometido. Outros quatro encontros individuais ainda são realizados com psicólogos e psiquiatras, de modo a ouvir os contextos socioeconômico e familiar do abusador.
"Depois disso, começam os encontros em grupos de 10 a 15 pessoas. São oito reuniões, de três horas cada uma, quando são feitas intervenções e trabalhadas temáticas relacionadas à violência, questões familiares, o estigma da sexualidade e projetos de futuro", explica o psicólogo. Setubal ressalta que também conversam sobre as violências sofridas pelo abusador.
Segundo a também psicóloga do projeto, Lana Wollf, com essas conversas é possível identificar a visão deles com relação à violência. "Eles aprendem a nomear situações de violência. A gente percebe que muitas vezes eles não conseguem identificar que determinado comportamento é uma situação de violência", destaca.
COMEÇO - O PAV Alecrim nasceu por uma demanda da Vara de Execuções Penais. À época, o juiz provocou a Gerência de Saúde Prisional da Secretaria de Saúde e o Núcleo de Estudos e Programas na Atenção e Vigilância em Violência (Nepav) para que fosse criado um serviço que atendesse o autor de violência sexual após o cumprimento da pena.
"A Saúde Prisional já fazia trabalho semelhante, porém, dentro do presídio. Assim, em 2012, foi criado um grupo de estudo que fez pesquisa internacional de intervenções e desenvolveram metodologia de atendimento para nossa realidade. Essa metodologia é constantemente aperfeiçoada para atender os grupos", conta Caio Setubal.
A equipe de atendimento atualmente tem cinco profissionais, sendo dois psicólogos, dois assistentes sociais e um psiquiatra. As reuniões ocorrem de quarta a sexta-feira, sempre pela manhã, no Hospital Regional da Asa Norte. Após os encontros individuais e em grupo, o autor da violência ainda é acompanhado por cerca de nove meses, com um primeiro retorno em três meses e outro, com seis meses.
DADOS - Não há dados oficiais sobre o número de autores de violência sexual especificamente contra crianças e adolescentes, sejam adultos ou adolescentes ofensores no país. O relatório Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) de 2014, do Ministério da Justiça, mostra que 12.811 pessoas estavam presas por crimes contra a dignidade sexual em todo o território nacional.
No Distrito Federal, o informativo sobre as Notificações de Violência Interpessoal/Autoprovocada (2015) da Diretoria de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde informa que, em 2015, foram registrados, no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), 915 casos de abusos sexuais contra meninas e meninos, com idades entre 1 ano e 18 anos.