Lisboa — O mundo entrou em alerta nesta segunda-feira (17/7) diante da decisão da Rússia de não renovar o acordo que permite a exportação em segurança de cereais produzidos na Ucrânia pelo Mar Negro, área conflagrada pela guerra entre os dois países que já dura quase um ano e meio. A suspensão do tratado que permitiu a queda média de 20% dos preços dos alimentos foi anunciada poucas horas depois de um ataque a uma ponte que liga a Crimeia à Rússia. Imediatamente, as cotações do milho subiram quase 4% nas principais bolsas de mercadorias do planeta.
Segundo o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, “o acordo do Mar Negro termina de fato hoje” e somente quando “a parte relativa à Rússia for satisfeita, a Rússia regressará imediatamente ao acordo”. Ele afirmou, contundo, que a não renovação do acordo, que foi mediado pelo presidente da Turquia, Recep Erdogan, em nada tem a ver com o bombardeio à ponte da Crimeia, que deixou dois mortos e um ferido. O término do acordo, disse ele, já estava decidido pelo presidente russo, Vladimir Putin, antes do ataque. Ninguém acreditou.
Por meio de uma agência estatal russa, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, disse que a Rússia comunicou, na manhã desta segunda-feira, a decisão de suspensão do tratado para a exportação de grãos pelo Mar Negro à Turquia, à Ucrânia e à Organização das Nações Unidas (ONU). De acordo com ela, o acordo só será retomado quando as condições impostas pela Rússia forem cumpridas. Uma delas, dizem especialistas, é a suspensão de barreiras comerciais ao país impostas após a invasão à Ucrânia.
Erdogan e Putin
O presidente turco se comprometeu em falar com Putin para que ele reveja sua posição, devido às sérias consequências para o mundo, que enfrenta escassez de alimentos e inflação alta. A insegurança alimentar atinge 2,4 bilhões de pessoas, ou 29% da população. A Rússia e a Ucrânia são grandes fornecedoras globais de trigo, cevada, óleo de girassol e outros tipos de alimentos. Outro tratado, fechado separadamente, facilita a movimentação de alimentos e fertilizantes russos, depois das sanções impostas pelos países ocidentais.
Desde maio último, as quantidades de produtos exportados via Mar Negro vêm caindo, justamente por dificuldades criadas pelos russos. Não por acaso, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, vinha afirmando sistematicamente que o tratado de exportações estava morto. As ameaças, no entanto, eram relevadas por governos e especialistas. Agora, a grande preocupação é saber o que ocorrerá com os preços dos alimentos, sobretudo se a Rússia não recuar.
Mudanças climáticas
A grande aposta dos analistas é na capacidade do Brasil de ampliar as exportações neste momento de tensão. O país ocupou parte do espaço deixando pela Ucrânia, sobretudo no mercado de milho, em que passou a ser o maior provedor mundial. É importante ressaltar que, mesmo com os grãos ucranianos passando a ser exportados e com o Brasil produzindo e vendendo mais, a fome aumentou no mundo, até pelo agravamento das mudanças climáticas, com secas severas em países com Somália, Quênia, Marrocos e Tunísia.
O rompimento do acordo para exportações de alimentos pelo Mar Negro deverá ser um dos temas principais da reunião de cúpula entre a União Europeia e a Comunidade dos Estados Latino-americanos e do Caribe (Celac) que começou nesta segunda-feira. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está presente. O Brasil é um dos maiores fornecedores de grãos para a Europa, especialmente para a Espanha, que enfrenta uma onda de calor sem precedentes, prejudicando o plantio e a colheita de alimentos.